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IMPACTOS DA REFORMA TRIBUTÁRIA NAS OPERAÇÕES DE ANTECIPAÇÃO DE RECEBÍVEIS

29 de outubro de 2024

A reforma tributária aprovada impacta diretamente o setor de antecipação de recebíveis, alterando regras e aumentando a complexidade tributária, o que pode elevar custos e afetar a liquidez das empresas.

A reforma tributária aprovada pela EC 132/23, atualmente em fase de regulamentação pelos PLP 68/24 e 108/24, traz alterações relevantes para diversos setores da economia. Um dos setores particularmente afetados é o de antecipação de recebíveis, uma área essencial para a manutenção da liquidez e do capital de giro das empresas.

Nesse contexto, é importante compreender em detalhes como as operações de antecipação de recebíveis funcionam, as regras tributárias que atualmente regem essas operações e de que modo a reforma tributária poderá alterar a dinâmica desse mercado. O objetivo desta análise é detalhar esses aspectos e fornecer uma visão abrangente sobre os possíveis impactos e desafios que a reforma trará para o setor.

O que são as operações de antecipação de recebíveis?

As operações de antecipação de recebíveis, também conhecidas como RAV – Recebimento Antecipado de Vendas, são práticas comuns no mercado brasileiro. Em linhas gerais, a antecipação de recebíveis pode ser descrita da seguinte forma: quando uma transação é realizada por meio de captura (por exemplo, cartão de crédito ou de débito), no âmbito de um arranjo de pagamento, o consumidor final efetua o pagamento ao emissor do cartão. Este, por sua vez, liquida os valores transacionados junto à credenciadora.

A credenciadora, então, realiza a liquidação com a subcredenciadora (se aplicável), que tem um prazo determinado pelas bandeiras para liquidar o valor da transação com o estabelecimento comercial que efetuou a venda ou prestação de serviço.

Assim, a cada transação, surge uma obrigação da credenciadora e, quando aplicável, da subcredenciadora, de pagar os valores transacionados, dentro de um prazo prefixado, ao estabelecimento comercial. Caso este deseje antecipar o recebimento desses valores, a credenciadora (ou a subcredenciadora) pode liquidar os valores da transação antes do prazo definido contratualmente com a bandeira. Essa operação é o que chamamos de RAV.

De acordo com a resolução BCB 4.734/19, essas operações são realizadas por credenciadoras e subcredenciadoras caracterizadas pela liquidação de recebíveis em um prazo inferior ao máximo determinado pelo arranjo de pagamento. O objetivo dessas operações é permitir que os estabelecimentos comerciais recebam o valor de suas vendas antes do prazo estipulado, melhorando seu fluxo de caixa e mantendo suas operações diárias de forma eficiente.

A liquidação antecipada de recebíveis pode ocorrer de duas formas, conforme a resolução BCB 4.734/19: pré-contratada ou pós-contratada.

Nas operações pré-contratadas o contrato entre a credenciadora ou subcredenciadora e o usuário final (ou seja, estabelecimento comercial) já prevê que todas as transações serão quitadas antes do prazo máximo definido pelo arranjo de pagamento. Essas operações são feitas de forma automática, sem necessidade de solicitação por parte do usuário final, garantindo um fluxo constante de recursos para a empresa.

Já nas operações pós-contratadas, a antecipação de recebíveis é solicitada pelo usuário final recebedor de forma pontual e se aplica a um conjunto específico de transações já realizadas. Nesse caso, o estabelecimento comercial que deseja antecipar seus recebíveis escolhe as transações que deseja liquidar antes do prazo e solicita à credenciadora ou subcredenciadora o pagamento antecipado, normalmente em contrapartida de um desconto (deságio) sobre o valor total da transação.

Independentemente da modalidade escolhida, pré ou pós-contratada, é importante observar que a antecipação de recebíveis de vendas corresponde, conforme analisado pela Procuradoria do Banco Central do Brasil, a um “abatimento antecipado de um passivo”, uma vez que nada mais é que um adimplemento antecipado de uma obrigação da própria credenciadora (ou subcredenciadora).

A importância da antecipação de recebíveis para as empresas

A antecipação de recebíveis desempenha um papel fundamental na gestão financeira de muitas empresas, especialmente no Brasil, onde o ambiente de negócios pode ser desafiador, com altos custos operacionais e acesso limitado a crédito. Esse tipo de operação permite que as empresas obtenham liquidez imediata, essencial para manter a continuidade de suas operações, investir em crescimento e evitar endividamento excessivo.

Empresas de diversos tamanhos, desde pequenos comerciantes até grandes corporações, utilizam a antecipação de recebíveis para estabilizar o fluxo de caixa sem que precisem recorrer a empréstimos ou financiamentos. Isso é especialmente relevante em setores com longos ciclos de venda ou em períodos de crise econômica, em que a necessidade de liquidez torna-se ainda mais urgente. No entanto, a antecipação de recebíveis também envolve custos, principalmente na forma de deságios, que variam de acordo com o prazo de antecipação e as condições do mercado.

Apesar de ser uma ferramenta financeira valiosa, a antecipação de recebíveis não deve ser confundida com outras operações financeiras, como a cessão de recebíveis ou a prestação de serviços de intermediação de pagamentos. As operações de antecipação de recebíveis têm características únicas, que as diferenciam de outras formas de obtenção de liquidez e sua tributação tem sido motivo de debate entre especialistas e autoridades fiscais.

O cenário tributário atual das operações de antecipação de recebíveis

Atualmente, a tributação das operações de antecipação de recebíveis no Brasil segue regras específicas, que variam conforme a natureza da operação e as entidades envolvidas.

Em que pese não haver um posicionamento específico sobre o tema, temos conhecimento de que a Receita Federal tende a se posicionar no sentido de que a receita obtida com deságio em operações de antecipação de recebíveis deve ser tributada pela contribuição ao PIS – Programa de Integração Social e pela Cofins – Contribuição para Financiamento da Seguridade Social como receita operacional, e não como receita financeira.

Isso porque, segundo as autoridades fiscais, essa receita é considerada como parte da atividade social desenvolvida pela empresa e, portanto, deve ser tratada como receita gerada no curso normal dos negócios. Para além da discussão a respeito da alíquota incidente sobre a operação, especialmente quando estamos diante de contribuintes sujeitos ao regime não-cumulativo do PIS e da Cofins, a grande controvérsia gira em torno da base de cálculo e possibilidade de apropriação de créditos sobre as despesas de funding dessas operações.

Além disso, as operações de antecipação de recebíveis suscitam questionamentos a respeito da incidência de ISS – Imposto Sobre Serviços, devido no âmbito municipal. No entanto, segundo entendimento já exarado pelo TJSP, essas operações não configuram prestação de serviços, de modo que não estariam sujeitas à exação.

O impacto da reforma tributária no setor de antecipação de recebíveis

Com a proposta de reforma tributária atualmente em discussão, várias áreas do setor financeiro, o que passou a incluir o mercado de antecipação de recebíveis, serão diretamente impactadas.

O PLP 68/24 traz uma série de mudanças na tributação de bens e serviços, com destaque para a criação de dois novos tributos: a CBS – Contribuição sobre Bens e Serviços, que substituirá o PIS, a Cofins e o IPI – Imposto sobre Produtos Industrializados, e o IBS – Imposto sobre Bens e Serviços, que substituirá o ICMS – Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e o ISS. Esses tributos seguirão o modelo de IVA-Dual – Imposto sobre Valor Agregado, comum em outros países.

Uma das principais mudanças trazidas pela reforma é a tributação das operações de liquidação antecipada de recebíveis pelos novos tributos CBS e IBS. Segundo o art. 211 do PLP 68/24, a liquidação antecipada de recebíveis de arranjos de pagamento será tratada da mesma forma que os demais serviços de arranjos de pagamento, de modo que a base de cálculo corresponderá ao desconto aplicado na liquidação antecipada, com a dedução de valor correspondente à curva de juros futuros da taxa Selic, pelo prazo da antecipação, e as alíquotas aplicáveis serão uniformes em todo o território nacional.

Além disso, o art. 184 do PLP 68/24 prevê que as alíquotas do IBS e da CBS aplicáveis aos serviços financeiros, assim entendidos os serviços prestados pelos arranjos de pagamento, serão estabelecidas em duas fases distintas. Entre 2027 e 2033, as alíquotas serão ajustadas de forma a manter a carga tributária incidente sobre as operações de crédito realizadas por instituições financeiras bancárias. A partir de 2034, as alíquotas serão fixadas com base nos valores praticados em 2033, garantindo uma transição suave para o novo regime tributário.

A tributação dos FIDCs na reforma tributária

Outro ponto relevante da reforma tributária é o tratamento dado aos FIDCs – Fundos de Investimento em Direitos Creditórios, que desempenham um papel importante no mercado de antecipação de recebíveis. O PLP 68/24 prevê que os FIDCs que realizarem liquidação antecipada de recebíveis de arranjos de pagamento serão tratados como contribuintes do IBS e da CBS, conforme o §3º do art. 211. Essa mudança visa impedir que os FIDCs sejam usados como veículos de planejamento tributário, em vez de outras formas de intermediação financeira (funding), prática que poderia proporcionar vantagens fiscais.

A reforma também traz um critério claro para diferenciar os FIDCs operacionais dos FIDCs com fins exclusivamente de investimento.

Segundo o art. 190 do PLP 68/24, os FIDCs que liquidem antecipadamente recebíveis comerciais por meio de desconto de duplicatas, notas promissórias, cheques e outros títulos, quando não forem classificados como “entidades de investimento”, conforme definido pelo art. 23 da lei 14.754/23, estarão sujeitos às regras específicas de tributação para as operações de crédito, de câmbio, com títulos e valores mobiliários e instrumentos financeiros derivativos, de securitização e de faturização.

Isso significa que os fundos que liquidem antecipadamente recebíveis comerciais, desde que qualificados como entidades de investimento, não serão onerados desnecessariamente, mantendo a tributação focada nos FIDCs que atuam diretamente nesse mercado específico de antecipação de recebíveis comerciais.

Importante observar que, ao determinar a incidência da IBS e da CBS sobre os FIDCs que realizam a antecipação de recebíveis de arranjos de pagamento, a regulamentação da reforma tributária se absteve de distinguir os FIDCs qualificados ou não como entidades de investimento, de modo que, em uma análise preliminar, todos os FIDCs que liquidem antecipadamente recebíveis de arranjos de pagamento serão onerados.

A possibilidade de crédito tributário para tomadores de serviços de liquidação antecipada

Outro aspecto importante da reforma tributária é a introdução da possibilidade de os tomadores dos serviços de liquidação antecipada de recebíveis se creditarem dos valores de IBS e CBS pagos. De acordo com o art. 211, §4º, do PLP 68/24, essa possibilidade será permitida apenas quando o tomador estiver sujeito ao regime regular de apuração desses tributos e o valor do desconto aplicado na liquidação antecipada for superior à curva de juros futuros da taxa SELIC pelo prazo da antecipação.

Em outras palavras, o tomador do serviço de liquidação antecipada poderá se creditar da diferença apurada entre o valor do deságio e a taxa de juros futura, o que pode aliviar a carga tributária incidente sobre essas operações. No entanto, esses créditos tributários estarão condicionados ao reconhecimento do pagamento do IBS e da CBS pelas autoridades fiscais competentes, incluindo o comitê gestor do IBS e a Receita Federal do Brasil.

Esse controle será baseado nas informações prestadas pelos participantes dos arranjos de pagamento, o que introduz um nível adicional de transparência e conformidade às operações de antecipação de recebíveis. Embora essa medida possa beneficiar os tomadores de serviços de liquidação antecipada, ela também reforça a necessidade de uma gestão fiscal rigorosa por parte das empresas, que precisarão garantir que todas as informações e obrigações tributárias estejam em conformidade com as exigências legais.

Conclusão: os impactos da reforma tributária no setor de antecipação de recebíveis

Como se vê, as mudanças propostas pela reforma tributária, especificamente no PLP 68/24, terão impactos significativos no setor de antecipação de recebíveis.

Apesar de, em linhas gerais, a introdução do IBS e da CBS visar simplificar e uniformizar a tributação para as operações de antecipação de recebíveis, especialmente quando utilizada a figura de um FIDC, ela pode não apenas majorar a carga tributária incidente como também elevar o custo de crédito aos consumidores e comerciantes, aumentar a complexidade no sistema e promover a fuga de capitais estrangeiros do país.

Essas medidas, se aprovadas, terão implicações profundas nas estruturas operacionais e fiscais das empresas e fundos que atuam no mercado de antecipação de recebíveis, tornando essencial que esses atores se atentem às novas regras para garantir a continuidade de suas atividades com o mínimo impacto tributário possível.

FONTE: MIGALHAS – POR PEDRO VALIM

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