O caminho para a digitalização dos contratos e relações jurídicas no Brasil está bem fundamentado, criando um ambiente mais moderno, eficiente e confiável para transações empresariais
A aceitação de assinaturas eletrônicas no Brasil tem avançado consideravelmente, impulsionada pela digitalização de processos e pela modernização das práticas empresariais e governamentais. Inicialmente, a resistência era grande, devido à falta de regulamentação específica e à desconfiança sobre sua segurança e validade jurídica. Com o progresso tecnológico e a crescente demanda por soluções digitais, esse cenário começou a mudar.
O termo “assinatura eletrônica” refere-se a qualquer ferramenta tecnológica capaz de identificar a autoria de um documento ou de uma parte envolvida em uma relação contratual, de forma similar à assinatura física. Existem diferentes espécies ou modalidades de assinaturas eletrônicas, que variam de acordo com seu grau de eficácia probatória – ou seja, a capacidade de provar que determinada assinatura foi aposta pelo seu real signatário, expressando a sua vontade.
O primeiro marco relevante na regulamentação das assinaturas eletrônicas no Brasil foi a edição da Medida Provisória (MP) nº 2.200-2/2001, que criou a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira e estabeleceu os requisitos para a validade jurídica de assinaturas digitais emitidas por autoridades certificadoras credenciadas. A MP 2.200-2 conferiu às assinaturas digitais emitidas no âmbito da ICP-Brasil presunção de autenticidade, integridade, confiabilidade e o não repúdio (i.e., o signatário não poderá, por forças tecnológicas e legais, negar responsabilidade por seu conteúdo).
Embora a MP 2.200-2 tenha garantido validade apenas às assinaturas digitais emitidas no âmbito da ICP-Brasil, ela não proibiu o uso de outras espécies de assinaturas eletrônicas, desde que sua validade fosse previamente reconhecida pelas partes envolvidas. Desde então, as várias espécies de assinaturas eletrônicas começaram a ganhar confiança e aceitação, especialmente em transações comerciais e contratos empresariais de baixa complexidade ou valores pouco substanciais.
O uso de assinaturas eletrônicas cresceu de forma acelerada durante a pandemia da covid-19, com a necessidade de digitalizar processos em função das medidas de distanciamento social. Durante esse período, o governo brasileiro promulgou diversas leis e medidas provisórias para regulamentar e facilitar o uso de assinaturas eletrônicas. Notadamente, o Decreto nº 10.278/2020, que regulamentou a digitalização de documentos públicos e privados, foi essencial para dar validade jurídica a documentos digitalizados, desde que seguissem os padrões técnicos ali estabelecidos.
A despeito do avanço legislativo, o tema envolvendo os contratos assinados mediante o uso de outras modalidades de assinaturas eletrônicas – que não configuram certificados digitais emitidos no âmbito da ICP-Brasil – era controvertido no Poder Judiciário. Tais contratos, embora assinados eletronicamente por ambas as partes e duas testemunhas, muitas vezes não eram reconhecidos como títulos executivos extrajudiciais nos tribunais. Apenas contratos assinados com certificados digitais da ICP-Brasil tinham essa força executiva.
Para resolver essa questão da força executiva dos contratos assinados eletronicamente, a Lei nº 14.620/2023 foi sancionada, conferindo força executiva a documentos assinados com qualquer modalidade de assinatura eletrônica prevista em lei, dispensando a necessidade de testemunhas quando a integridade das assinaturas fosse garantida por um provedor de assinatura.
Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (REsp 1840531) proferiu uma decisão de grande relevância no âmbito de uma ação de busca e apreensão, que discutia a validade jurídica de assinaturas eletrônicas em um endosso de uma cédula de crédito bancário (CCB). O tribunal reconheceu a validade jurídica das assinaturas eletrônicas apostas na CCB e que respaldaram o endosso, desde que tais assinaturas atendessem aos requisitos de autenticidade (i.e., a garantia de que a pessoa quem preencheu ou assinou o documento é realmente a mesma) e integridade (i.e., a garantia de que a assinatura ou o conteúdo do documento não foram modificados no trajeto entre a emissão, validação, envio e recebimento pelo destinatário).
Essa decisão não apenas fortalece o que já estava previsto na legislação a respeito da validade das assinaturas eletrônicas, mas é também um precedente significativo para os mercados financeiro e de capitais. A título de exemplo, instituições financeiras e fundos de investimento em direitos creditórios (FIDCs) que adquirem determinados créditos podem operar com maior segurança, sabendo que – desde que alguns requisitos sejam cumpridos – as assinaturas eletrônicas possuem a mesma validade jurídica que as assinaturas físicas e certificados digitais emitidos no âmbito da ICP-Brasil, o que não apenas facilita a execução de contratos e a circulação de créditos, mas também impulsiona a modernização e a digitalização das transações financeiras no país, alinhando-se com as tendências globais de transformação digital.
A partir desse cenário normativo e com o reforço da jurisprudência, o caminho para a digitalização dos contratos e relações jurídicas no Brasil está bem fundamentado, criando um ambiente mais moderno, eficiente e confiável para transações empresariais. Com o avanço da tecnologia e maior familiaridade dos tribunais, espera-se que as assinaturas eletrônicas se tornem, de vez, a regra, e não mais a exceção.
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FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR PAULO BRANCHER E MAÍRA SCALA PFALTZGRAFF