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OS 36 ANOS DA PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO

21 de outubro de 2024

O magnífico sincretismo étnico, cultural e religioso da vida brasileira muito se afirmou e fortaleceu-se nestes 36 anos de regência constitucional

Vale celebrar os 36 anos de promulgação da Constituição democrática de 1988, que encerrou o ciclo trágico da ditadura militar e de barbarismo jurídico pós-1964. A Constituição ampliou o elenco de direitos sociais, econômicos e culturais, garantiu a estabilidade política e o funcionamento das instituições nacionais nesse período marcado por toda sorte de crises de governabilidade, incluindo o “impeachment” de dois Presidentes da República. Estabelece normas que enfrentam o processo crescente de “descivilização” e de degradação das práticas de convivialidade a que estamos a assistir em todo o planeta. Enaltece a solidariedade pelo próximo e as premissas do regime democrático, a começar pelos valores da cidadania, da dignidade da pessoa humana e do pluralismo político (art. 1º). Inclui, dentre os objetivos fundamentais da República, construir uma sociedade livre, justa e democrática e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e qualquer outra forma de discriminação (art. 3º). A seguir, no artigo 4º, enuncia que o Brasil se rege nas suas relações internacionais pelos princípios (II) da prevalência dos direitos humanos, (VI) pela defesa da paz, (VIII) pelo repúdio ao terrorismo e ao racismo e (IX) pela cooperação entre os povos para o progresso da humanidade.

Além do mais, a Constituição ensejou a ampliação do cardápio de direitos fundamentais pela legislação adventícia. Mencione-se os direitos das pessoas portadoras de deficiência (Lei n.º 7.853/1989); a proteção integral à criança e ao adolescente (Lei n.º 8.069/1990); a proteção à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos (Lei n.º 12.966/2014); a defesa dos direitos transindividuais previstos na Lei Maria da Penha (Lei n.º 11.340/2006), para fins de coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher; e o direito à orientação sexual, à identidade de gênero, às relações homoafetivas e à causa LGBT+, bem como o reconhecimento das uniões de pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, de maneira a assegurar aos parceiros homossexuais os mesmos direitos e deveres das uniões estáveis heterossexuais. O magnífico sincretismo étnico, cultural e religioso da vida brasileira muito se afirmou e fortaleceu-se nestes 36 anos de regência constitucional.

Graças à Constituição o acesso à Justiça é crescentemente ofertado à maioria dos brasileiros e aos consumidores nos quatro cantos da nação. Graças à Constituição a jurisdição constitucional atingiu entre nós um grau invejável de sofisticação teórica, a nada dever à jurisprudência das mais respeitáveis Cortes Constitucionais, não raro para suprir as omissões do Poder Executivo e do Legislativo no campo das políticas públicas. Esse diálogo interinstitucional entre os Poderes orgânicos da soberania gerou uma espécie de coesão entre as forças vivas das instituições políticas em benefício da sociedade civil e das comunidades mais vulneráveis. Graças à Constituição temos hoje no Brasil uma imprensa livre, altiva e sem o medo da censura imposta pelos regimes autoritários. Graças à Constituição estamos aprendendo o sentido do pluralismo, da alteridade, da tolerância e da superação das opressões históricas (raciais, de gênero e de orientação sexual, sobretudo), bem como do respeito para com as diferenças no plano da cultura, dos costumes, das opções identitárias e das singularidades de cada ser humano. Graças à Constituição, o princípio da dignidade da pessoa humana tornou-se o epicentro das questões constitucionais e inscreveu-se em definitivo na agenda do projeto soberano de nação, que desejamos justo, igualitário e fraterno.

É fato inconteste que a Constituição democrática do Brasil continua a pulsar no coração da nação e servir de norte aos embates sociais e às novas conquistas da nacionalidade e do avanço civilizatório. A Carta Política de 1988, mesmo vergada pelo peso de 131 emendas constitucionais já promulgadas, longe de ser perfeita, tem cumprido um papel de vanguarda para a superação dos vícios e deformações que desde a fase colonial marcaram a formação política patrimonialista e o escravagismo estrutural que infelicita o nosso país. É um   documento de organização social e política altamente meritório e sensível às realidades dramáticas que prevalecem em nosso país, afinando-se com o constitucionalismo pós-moderno calcado no princípio da eficiência, da pacificação, da solidariedade, da democracia participativa, do diálogo interinstitucional e da edificação de pontes e sinergias entre as representações da sociedade civil nesta quadra do terceiro milênio.

Creio justo afirmar que a Constituição de 1988 adaptou-se bem ao Brasil e o Brasil a ela. Infelizmente, não conseguiu transformar o nosso país como desejávamos nos idos de 1988. Mas, a construção de uma sociedade livre, justa, igualitária e fraterna tornou-se roteiro civilizatório indesviável e permanente. É tarefa de todos os brasileiros (governo e sociedade) no exercício perene da participação democrática. Uma Carta Política transformadora exige agentes transformadores. Nem sempre as elites políticas e econômicas de nosso país se empenharam verdadeiramente nessa missão. De todo modo, a Constituição “cidadã” teve a virtude de produzir mais esperança cívica, mais inclusão social, mais democracia e mais cidadania.

Carlos Roberto Siqueira Castro é ex-assessor da Assembleia Constituinte de 1987-88, professor Titular de Direito Constitucional da UERJ e da Universidade de Paris II

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.

FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR CARLOS ROBERTO SIQUEIRA CASTRO

 

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