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O MANDADO DE SEGURANÇA TRIBUTÁRIO E A RESISTÊNCIA DO PJ NA REVISÃO DAS SÚMULAS 269 E 271

21 de outubro de 2024

O mandado de segurança no âmbito tributário vem sendo indevidamente restringido pelo PJ, o qual mantém indevida recusa na revisão dos limites de aplicação das súmulas 269 e 271 do STF.

A produção de efeitos patrimoniais pretéritos pelo mandado de segurança, notadamente na seara tributária, constitui debate presente e permanente no âmbito doutrinário, o qual, no passar dos anos, apresentou consistentes e fundadas manifestações no sentido de sua irrefutável legalidade jurídica, a despeito da resistência apresentada pelo Poder Judiciário.

Não obstante tais manifestações1, observa-se resistência quase refratária por parte do Poder Judiciário em proceder a reanálise dos fundamentos das súmulas 269 e 271 do STF, aplicando-as de modo automático e superficial a todo e qualquer caso, independente da natureza do direito sub judice e sem maiores ponderações acerca do cenário legislativo hodiernamente vigente.

Exatamente repetindo todos estes equívocos, em agosto de 2024 foi publicado o acórdão do julgamento do recurso especial 2135870, no qual foram acolhidos os seguintes entendimentos:

  • o aspecto material, em matéria tributária, o mandado se segurança não pode ser utilizado como substitutivo da ação de cobrança, não se reconhecendo débitos pretéritos;
  • mandado de segurança é instrumento hábil a afastar óbices procedimentais e formais ao pedido administrativo de compensação;
  • mandado de segurança é meio adequado para o reconhecimento de créditos escriturais, observado o prazo prescricional de cinco anos, viabilizando ainda sua quantificação, desde que apresentada prova pré-constituída, porém não se admitindo a repetição em dinheiro ou expedição de precatório;
  • a sentença mandamental possua alguma eficácia declaratória, a súmula 461 do STJ não se aplica ao Mandado de Segurança, obstaculizando-se a restituição administrativa em espécie;
  • julgamento do tema de repercussão geral 1262 do STF não superou as súmulas 267 e 271, vigentes a décadas.

Ainda, no voto proferido pelo ministro relator Mauro Campbell Marques, é procedida a conceituação do pedido administrativo de restituição, ressarcimento e compensação, além de expressar que “sob o aspecto material, é imperioso recordar que, em matéria tributária, historicamente o mandado de segurança, não pode ser utilizado como substitutivo da ação de repetição de indébito”.

Após a leitura crítica e pormenorizada do acórdão, cabe frisar que somente e há concordância com a manifestação de que o tema de repercussão geral 1262 do STF, infelizmente, não superou as súmulas 269 e 271.

No tocante aos demais aspectos, compreende-se que o STJ desperdiçou nova oportunidade de ampla e profunda análise da temática, inclusive apresentando retrocessos.

Inicialmente, cumpre recordar que o mandado de segurança é elemento de concretização do amplo dever estatal de eficiência, cuja principal consequência é o melhor atendimento das finalidades legislativas, o que, por conseguinte, viabiliza o melhor atendimento do interesse público e da própria sociedade e cidadãos.

Ademais, a par de sua inequívoca feição constitucional, o writ também é uma ação de cunho civil, cuja sistemática e aplicação não se afastam das previsões normativas do conjunto legislativo albergado pela ordenação do processo civil.

Por fim, fundado nestas premissas, bem como da noção de que o mandado de segurança nasce de um direito violado por ato de autoridade pública, o objetivo processual imediato é a obtenção de tutela de execução específica para a proteção do direito, ou seja, a obtenção de cumprimento de obrigação in natura.

Ou seja, o resultado prático albergado pela sentença concessiva da segurança é a integral restauração do cenário de legalidade, recompondo-se o direito líquido e certo então violado em todos os seus aspectos.

Alocando-se a percepção para o âmbito tributário, é imprescindível esclarecer que a produção de efeitos patrimoniais, atuais ou pretéritos, não possui natureza condenatória de cunho indenizatório ou substitutivo, mas se traduz tutela específica para a reconstituição do dever de legítima tributação, indevidamente violado.

Aliás, aspecto essencial, porém insistentemente ignorado pelo Poder Judiciário, é que o direito líquido e certo tributário possui natureza patrimonial, cuja recomposição deverá, imperiosamente, ser objeto da sentença mandamental.

Em adição, outro equívoco repetido no mandado de segurança tributário é que sua impetração não ocorre para a impugnação de uma competência exacional específica, mas para a recomposição do direito líquido e certo à estrita legalidade tributária, pelo lapso temporal admitido pelo ordenamento jurídico.

Isto posto, os efeitos do mandado de segurança devem retroceder à origem do ato coator, afastando todos os traços de sua ilegalidade ou abuso, recompondo integralmente o direito violado, ainda que este possua natureza financeira.2

A compreensão deste conjunto é imprescindível para a imposição de óbice a aplicação automatizada da súmula 269 para lides tributárias, haja vista a produção de efeitos patrimoniais ser feição inafastável e necessária da tutela específica e in natura esperada pelo mandado de segurança.

O estudo dos precedentes formadores das súmulas e, principalmente, da doutrina considerada para aqueles debates3, elucida com precisão as limitações legislativas da época – hoje superadas -, bem como já manifestava a necessidade de exceção acerca de direitos configurados por prestação de natureza pecuniária ou quando este envolvesse como seu predicado um exercício de pagamento.4

Portanto, adequada a delimitação do campo de incidência da súmula 269 para as hipóteses nas quais são perseguidos direitos patrimoniais não representativos de predicados ínsitos ao direito líquido e certo amparado pelo mandado de segurança.

Com isto, a vedação à aplicabilidade do mandado de segurança seria restrita ao pleito relacionado a obtenção “da equivalência econômica da coisa devida”, quando, então, caracterizada a tentativa de sua utilização como ação de cobrança.

Outrossim, relativamente à súmula 271, o conteúdo exposto também alicerça a compreensão de seus limites, os quais são restritos às pretensões patrimoniais pretéritas estranhas à configuração primária do direito e, portanto, se referindo a tutelas indenizatórias estranhas às medidas de proteção in natura.

À vista dos argumentos expostos, conclui-se que a recente manifestação do STJ alberga graves erros de premissa, os quais impõe urgente e ampla revisão pelo Poder Judiciário, a fim de que seja garantia a eficácia constitucional própria do Mandado de Segurança.

Em sequência, afirma o acórdão do RESP 2135870 que a súmula 461/STJ reconhece a eficácia executiva das sentenças declaratórias que definam todos os componentes do crédito do contribuinte, sem, contudo, fazer qualquer referência ao mandado de segurança, o qual teria “alguma eficácia declaratória”.

Não há discordância quanto à circunstância de que a gênese da súmula 461 do STJ, ensejadora do tema repetitivo 228, está na análise de ação ordinária declaratória.

Contudo, a identificação da sua ratio decidendi aponta para o reconhecimento em favor do réu da executividade da sentença na qual houve o específico reconhecimento de todos os elementos formadores do indébito tributário, a partir de um provimento judicial com natureza declaratória.

Este julgamento não condiciona seus fundamentos à ação ordinária, tampouco identificar a singularidade da eficácia da sentença a provimento declaratório, tornando a distinção constante do acórdão do RESP 2135870 condição imposta por arbítrio.

Observa-se, inclusive, que no voto deste último acórdão inexiste fundamento jurídico para amparar a inaplicabilidade da súmula 461/STJ ao mandado de segurança, apenas mencionando a inocorrência de expressa menção à ação constitucional.

Em adição, reputa-se como juridicamente inválida a menção contida no acórdão ora analisado que de que a sentença possuiria “algum grau de eficácia declaratória.

Preliminarmente, a sentença proferida em sede de mandado de segurança é complexa, reunindo em único provimento múltiplas eficácias que se complementam para a formação da tutela jurisdicional protetiva do direito líquido e certo, a teor do expressado por Cassio Scarpinella Bueno:

“Assim, o que deve ser bem compreendido é que a declaração de inexistência da não-incidência tributária e a ordem (o mandamento) para que aquela regra de não-incidência atue concretamente, isto é, seja observada, são providências (jurisdicionais) inseparáveis tratando-se de mandado de segurança.

É isto que caracteriza o mandado de segurança. É disto que se trata a hipótese de trabalho aqui destacada.

O efeito declaratório não elimina nem reduz o efeito mandamental no mandado de segurança (ou em qualquer outra ação). Aqueles efeitos, bem diferentemente, convivem lado a lado para garantir em todos os sentidos que aquilo que foi reconhecido pelo Estado-juiz (…) seja devidamente observado pelo réu do mandado de segurança (…).”5

Neste sentido, embora não identificada a precisa significação da expressão “nível de eficácia declaratória” invocada pelo STJ, o provimento mandamental guarda esta eficácia, da qual são descritos todos os elementos da relação de inexigibilidade/ilegalidade do tributo, viabilizando sua exequibilidade através do cumprimento de sentença.

Aliás, a possibilidade de instauração da fase de cumprimento de sentença para integral efetivação da sentença concessiva da segurança, é irrefutável seu deferimento pelo CPC, desde a reforma de 2005 até a atual formatação, haja vista sua utilização, independente da formal eficácia conferida ao provimento jurisdicional, figurando somente como critério autorizador o reconhecimento de exigibilidade de uma obrigação de fazer, dar ou pagar quantia6.

Esta perspectiva, somada à postura à circunstância do provimento desta ação constitucional ter sua natureza definida pelo requerimento formulado pelo impetrante, ou seja, o direito reconhecido (declarado) refletirá em obrigações de distintas feições, autorizando a deflagração da fase processual de cumprimento de sentença, pois se subsume ao teor do art. 515, inciso I do CPC.

Ademais, a possibilidade de sua instauração se justifica também pela compatibilidade de ritos, eis que a especialidade do procedimento mandamental se encerra na fase de conhecimento.

Por fim, a legitimidade do cumprimento de sentença em mandado de segurança é caracterizada pela necessidade de satisfação das finalidades intrínsecas do writ e sua conjugação com o modelo constitucional de processo, o qual busca provimentos jurisdicionais efetivos e céleres, satisfazendo materialmente a pretensão levada ao conhecimento do Poder Judiciário, afastando-se a suficiência de conclusão meramente formal de um processo.

Por todo o conjunto argumentativo, conclui-se que o acórdão proferido no julgamento do recurso especial 2135870 adota premissa equivocadas, repetindo a aplicação automatizada das súmulas 269 e 271 do STF, novamente se afastando da necessária revisão.

Consoante demonstrado, o estudo crítico das bases formadoras destes enunciados implica em obrigatório redimensionamento interpretativo, adequando-o a um legítimo campo de aplicação, sem, contudo, limitar a dimensão constitucional do mandado de segurança.

Todavia, o Poder Judiciário permanece refratário ao enfrentamento dos argumentos expostos (os quais a despeito de centrais, não esgotam o tema), ocasionando o enfraquecimento do mandado de segurança, com franca lesão a um conjunto de garantias constitucional, sem deixar de mencionar o aumento desnecessário da litigância.

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1 Neste sentido destacamos as produções doutrinárias do Prof. Cassio Scarpinella Bueno, exemplificando com: Mandado de segurança, restituição de indébito e cumprimento de sentença. In: As conquistas comunicacionais no direito tributário atual [Coord. Paulo de Barros Carvalho]. São Paulo: Noeses, 2022 e. As súmulas 213 e 461 do STJ e a Súmula 271 do STF, o mandado de segurança e a compensação tributária: reflexões em homenagem ao Professor José Eduardo Soares de Melo. In: MELO, Eduardo Soares (org.) Estudos de direito tributário em homenagem ao Professor José Eduardo Soares de Melo, vol. I. São Paulo: Malheiros, 2020, p. 748/758.

2 JUNIOR, Luiz Manoel Gomes; CRUZ, Luana Pedrosa de Figueiredo; CERQUEIRA, Luís Otávio Sequeira de; MARCÃO, Renato; FAVRETO, Rogério. JÚNIOR, Sidney Palharini. Comentários à Lei do Mandado de Segurança. 5ª edição. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2015, fls. 181.

3 Recomenda-se o estudo da obra de José de Castro Nunes.

4 “Se o mandado de segurança tiver por objeto uma prestação pecuniária ou esta for integrante do direito assegurado, não estão esgotadas todas as possibilidades executórias do mandado de segurança”. In: CASTRO NUNES. Do Mandado de Segurança e de Outros Meios de Defesa contra Atos do Poder Público. 2a e 3a edição. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1948 e 1951, p. 388/389.

5 BUENO, Cassio Scarpinella. Sentenças concessivas de mandado de segurança em matéria tributária e efeitos patrimoniais: estudo de um caso. In: SANTOS, Ernane Fidélis dos; WAMBIER, Luiz Rodrigues; NERY JÚNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). Execução civil: estudos em homenagem ao Professor Humberto Theodoro Júnior. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

6 Em aprofundamento do assunto, veja CARVALHO, Roberta Vieira Gemente de. Mandado de segurança tributário. Cumprimento de sentença e produção de efeitos patrimoniais pretéritos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2025.

FONTE: MIGALHAS – POR ROBERTA VIEIRA GEMENTE DE CARVALHO E MARIA DANIELLE REZENDE DE TOLEDO

 

 

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