Cumpre ao contribuinte buscar o Poder Judiciário para tutelar o seu direito de nunca ter tido a obrigação de constituição da aludida reserva.
Recentemente, a Receita Federal do Brasil publicou a Instrução Normativa (IN) RFB nº 2.201/24, que trouxe mudanças importantes na forma de calcular os Juros sobre Capital Próprio (JCP). Uma das principais mudanças é a proibição do uso do saldo da conta de reserva de incentivos fiscais como base de cálculo dos JCP. Além disso, se houver uma redução no saldo dessa conta devido a um aumento no capital social, essa redução deve ser considerada na base de cálculo dos JCP.
Essa mudança foi introduzida pelo artigo 18 da Lei nº 14.789/23, que alterou a Lei nº 9.249/95, responsável por regulamentar a base de cálculo dos JCP. A controvérsia está na interpretação de um trecho específico da Lei nº 9.249/95, que passou a excluir a reserva de incentivos fiscais da base de cálculo dos JCP e a exigir que sejam considerados os lançamentos negativos em contas contábeis do patrimônio líquido, como a reserva de incentivo fiscal.
Na prática, isso significa que, embora o contribuinte ainda possa aumentar seu capital social usando o saldo da reserva de incentivos fiscais, a redução consequente no saldo dessa conta será computada na base de cálculo dos JCP, anulando matematicamente o aumento no capital social. Em outras palavras, não é possível aumentar a base de cálculo dos JCP transferindo saldo da reserva de incentivo fiscal para o capital social, pois o aumento do capital social seria neutralizado pela redução do saldo da conta de reserva de incentivos fiscais.
Ocorre que a nova regra restritiva deve esbarrar na discussão sobre a inconstitucionalidade da incidência do Imposto de Renda (IRPJ) e da CSLL sobre os incentivos fiscais de ICMS, especialmente quando concedidos pelos Estados na forma de crédito presumido. Isso porque STJ pacificou a matéria no julgamento do Tema nº 1182/STJ, pelo qual reconheceu a tese firmada por meio dos embargos de divergência no REsp 1517492. Entendeu a Corte que os créditos presumidos de ICMS não podem ser tributados pela União, ainda que o contribuinte não tenha lançado o resultado positivo do incentivo fiscal na conta de reserva de incentivos fiscais.
Para outros tipos de incentivos fiscais de ICMS, tais como redução de base de cálculo, redução de alíquota, diferimento etc., o STJ só excepcionou a tributação se o contribuinte tiver cumprido os requisitos do artigo 30 da Lei nº 12.973/14, dentre os quais está a constituição da reserva de incentivos fiscais a partir do resultado positivo da fruição do incentivo de ICMS. Portanto, nessa hipótese, é mandatória a constituição da aludida reserva, segundo o STJ, embora toda a questão deva ser resolvida definitivamente pelo STF em algum momento.
E o que isso tem a ver com a alteração da base de cálculo dos JCP? É que diversos contribuintes excluíram os incentivos fiscais de ICMS da base de cálculo do IRPJ e da CSLL ao longo dos anos (até a promulgação da Lei nº 14.789/23, que revogou o artigo 30 da Lei nº 12.973/14), lançando o resultado positivo do incentivo fiscal na conta de reserva de incentivos. Só que eles não tinham a obrigação de fazê-lo, especialmente em relação àqueles incentivos fiscais concedidos na modalidade de crédito presumido de ICMS, consoante a orientação do STJ. Se não deveriam ter constituído a reserva de incentivos fiscais por esse motivo, então poderiam dar destinação diversa ao resultado positivo do benefício, seja elevando o capital social ou outras reservas de lucros do patrimônio líquido.
A reserva não deveria ser contabilizada, pelo menos no que tange aos incentivos de ICMS, de sorte que a regra restritiva do artigo 18 da Lei nº 14.789/23 e da IN RFB nº 2.201/24 não se aplicaria caso o recurso fosse utilizado para aumentar o capital social da companhia. Afinal, a reserva de incentivos fiscais só teria sido constituída porque a autoridade fiscal obrigava o contribuinte a fazê-lo se não quisesse ser alvo de tributação, que na verdade é inconstitucional. Essa nova regulamentação da base de cálculo dos JCP trouxe implicações importantes para as empresas, que devem estar atentas às mudanças para garantir a conformidade fiscal e otimizar as suas estratégias financeiras.
A restrição criada pela União revela mais um elemento da política de “ampliação da base tributável a qualquer custo”. A regra alusiva aos JCP sempre compreendeu a reserva de incentivos fiscais como sua base de cálculo, mas a novel legislação retira essa possibilidade, inclusive tornando sem efeito eventual transferência do saldo da conta patrimonial para o capital social. Ainda que o contribuinte “carimbe” a reserva de incentivos fiscais em seu capital social, consolidando a utilização daquela verba para a atividade operacional da companhia, a Lei nº 14.789/23 e a IN RFB nº 2.201/24 não autorizam o cálculo dos JCP sobre essa parcela sobejante.
Toda essa engenharia restritiva só se tornou possível em razão da exigência indevida de constituição de reserva de incentivos fiscais, especialmente quando o incentivo foi concedido na forma de créditos presumidos, cuja obrigação foi afastada pelo STJ ao julgar o Tema nº 1182. Cumpre ao contribuinte buscar o Poder Judiciário para tutelar o seu direito de nunca ter tido a obrigação de constituição da aludida reserva. Após esse reconhecimento, a utilização do recurso “reservado” para a elevação do capital social deverá ser considerada na base de cálculo dos JCP.
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FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR BRUNO TEIXEIRA