Por enquanto, há dois votos divergentes na Corte Especial.
A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) voltou a julgar ontem, por meio de recursos repetitivos, a possibilidade de os juízes tomarem providências para coibir a litigância predatória. Depois de um voto, além do proferido anteriormente pelo relator, ministro Moura Ribeiro, o julgamento foi novamente suspenso por pedido de vista.
O colegiado precisa decidir se, diante de suspeitas de ajuizamento de ações em massa, o juiz pode exigir que a parte que entrou com ação atualize a procuração nomeando advogado, bem como outros dados como endereço e declaração de hipossuficiência. A questão é importante porque a prática causa prejuízo de cerca de R$ 10 bilhões por ano, segundo estimativa do Centro de Inteligência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG).
Na origem do caso, está uma tese fixada pelo Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul (TJMS). Determina que o juiz pode pedir a atualização da procuração outorgada ao advogado caso haja suspeita de conduta ilegítima.
Em fevereiro, o relator, ministro Moura Ribeiro, votou para validar essas exigências, apontando que tanto o STJ quanto o Supremo Tribunal Federal (STF) têm admitido que a Justiça ordene a apresentação de documentos válidos para comprovar o interesse processual.
Segundo ele, apesar de ser admissível o ajuizamento de pedidos massificados em temas como telefonia e planos de saúde, tem havido uma “avalanche de processos infundados”, o que sobrecarrega o Judiciário.
Na sessão de ontem, o ministro Humberto Martins divergiu. Segundo ele, extrapola a função do juiz se imiscuir na atividade advocatícia sem que haja previsão legal. Para ele, o temor de existência de uma ação ilegítima não pode dificultar o acesso à Justiça das pessoas que têm pretensões sérias.
“A judicialização predatória, apesar de ser um desafio para o Judiciário, não justifica, tão só por seu receio, que se dificulte o exercício legítimo de ação e o exercício regular da advocacia, nem que avance sobre questões éticas e/ou disciplinares cujo exame cabe privativamente à OAB [Ordem dos Advogados do Brasil]”, disse.
A estipulação de exigência de atualização dos documentos, prosseguiu o ministro, é uma “imposição dissonante com as prerrogativas da advocacia e com a confiança recíproca que permeia a relação entre outorgante e outorgado”.
Sem previsão legal, não é possível instituir essa obrigação, afirmou Humberto Martins. “Se as partes não estipularam no instrumento um prazo final, se assume que o mandato terá prazo indeterminado.”
O poder geral de cautela, que embasou a redação da tese pelo TJMS, acrescentou, deve ser exercido notificando a OAB no caso de infrações administrativas, e respeitando o rito da persecução penal nos casos em que a suspeita seja de cometimento de crime.
Assim, o ministro divergiu do relator para “afastar a exigência da renovação ou atualização de procuração ad judice, bem como determinar que eventuais questões éticas e/ou disciplinares relacionadas a profissionais da advocacia sejam comunicadas no intuito de cooperação interinstitucional à OAB quando se tratar de matéria administrativa”.
O advogado Ivan Almeida do Amaral, sócio do Pessoa e Pessoa Advogados, afirma que a tendência é que os demais ministros acompanhem o entendimento de Humberto Martins, optando, segundo ele, por “zelar pela norma fria para garantir o acesso irrestrito à demanda judicial”.
“O STJ tem fugido da ideia do ‘ativismo judicial’. Assim, os ministros têm se afastado de qualquer possibilidade de estender a competência e o dever do magistrado além do que está registrado na letra da lei. A divergência do ministro é parcial, mas, no cerne da discussão, é uma divergência fatal”, diz.
Para Bruno Borges, advogado do Locatelli Advogados, o julgamento “é uma oportunidade de deixar claro a possibilidade de exigência por parte dos juízes de documentos que comprovem as reais pretensões da ação interposta, ante a fundada suspeita de ocorrência de litigância predatória. Mas as exigências documentais devem respeitar a razoabilidade e serem bem fundamentadas para não violar o que se pretende defender”.
FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR LUIZA CALEGARI — DE SÃO PAULO