Telefone: (11) 3578-8624

STJ IMPEDE FUNDAÇÃO PRIVADA DE PEDIR RECUPERAÇÃO JUDICIAL

2 de outubro de 2024

Decisão proferida pelos ministros da 3ª Turma é o primeiro precedente de um colegiado da Corte sobre o assunto.

A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu ontem, por maioria de votos, que fundações de direito privado não podem pedir recuperação judicial. Foi a primeira vez que a Corte analisou a questão que, considerada controversa até então, dividia as instâncias inferiores do Judiciário.

Prevaleceu no julgamento o entendimento do relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, para quem o artigo 1º da Lei de Recuperação Judicial e Falências (nº 11.101/2005) deve ser interpretado de forma literal. A norma especifica que os institutos se aplicam ao empresário e à sociedade empresária.

Segundo o ministro, “não há nenhuma dúvida, portanto, acerca da opção do legislador em não incluir os entes que, apesar de poderem sob certa perspectiva ser classificados como ‘agentes econômicos’, não são empresários”.

“Há decisões monocráticas da 4ª Turma em sentido contrário” — Ricardo Siqueira

Em seu voto, Villas Bôas Cueva ponderou que as entidades sem fins lucrativos já usufruem de imunidade tributária. Assim, acrescentou, conceder ainda os benefícios da recuperação judicial causaria riscos concorrenciais consideráveis.

O relator também citou, em seu voto, a importância da preservação da segurança jurídica e do ambiente de negócios. Para ele, uma interpretação expansiva da lei teria impacto direto na concessão de crédito.

“Os agentes que firmaram seus contratos com associações e fundações equacionaram seus riscos a partir desse dado, não levando em conta que esses entes poderiam requerer recuperação judicial, apesar de não haver previsão legal nesse sentido, situação que impacta diretamente a segurança jurídica e especialmente a concessão do crédito”, disse o ministro em seu voto.

O voto do relator foi acompanhado pelos ministros Marco Aurélio Bellizze, Nancy Andrighi e Humberto Martins. Ficou vencido Moura Ribeiro, que resumiu a divergência afirmando que “fundação exerce inegável atividade econômica, e, nesse contexto, a benesse da recuperação judicial deve ser acolhida”.

Foram analisados, em conjunto, quatro recursos sobre o tema – todos eles envolviam fundações educacionais sem fins lucrativos de Minas Gerais. A ministra Nancy Andrighi não votou em um dos recursos, por estar impedida (REsp 2026250, REsp 2036410, REsp 2155284 e REsp 2038048).

Para o advogado Daniel Carnio Costa, professor da PUC-SP e ex-juiz da 1ª Vara de Falências e Recuperações de São Paulo, o julgamento é importante porque, até então, não havia decisão de turma sobre a questão. E a tendência majoritária das instâncias inferiores, acrescenta, era de autorizar recuperação judicial para fundações privadas.

“Esse julgamento sinaliza uma tendência do STJ, ainda mais pelo resultado de quatro votos a um, que é expressivo e demonstra a opção dos ministros de restringir o uso da recuperação judicial. A tendência é que esse julgamento exerça uma influência muito grande”, afirma Carnio Costa.

Por outro lado, o advogado Ricardo Siqueira acredita que o precedente pode gerar confusão, uma vez que há decisões monocráticas (de um só ministro) da 4ª Turma, o outro colegiado de Direito Privado do STJ, em sentido contrário.

Segundo ele, quando as fundações e associações foram abertas, havia um propósito nobre de não ter finalidade econômica. O problema, segundo ele, é que a evolução da economia obrigou essas entidades a prestar serviços de natureza privada e auferir lucros para reinvestir no negócio, como forma de se manter no mercado.

“Essas fundações e associações têm que perseguir resultado positivo, porque estão concorrendo com uma série de outras entidades privadas, com fins lucrativos. Ao deixar uma atividade econômica sem saída para a crise, a decisão, na realidade, pune os próprios credores, que ficam sem uma saída estruturada para recebimento das dívidas”, diz o advogado.

Para ele, também não se sustenta o entendimento de que as imunidades tributárias garantidas a essas entidades, se somadas à concessão de recuperação judicial, criaria um risco concorrencial. “A imunidade não vem sozinha, traz consigo uma série de requisitos. Dessa forma, os benefícios dela originados são diluídos nas obrigações sociais, fazendo com que as fundações não tenham um ganho de competitividade com a imunidade, mas um mínimo retorno pela função social exercida”, afirma.

Siqueira, que advoga para uma associação em recuperação judicial, avalia que o número de associações nessa situação reflete uma crise do setor. “As entidades só estão em recuperação judicial porque existe uma crise grave no setor, e ela precisa ser tratada de alguma forma.”

FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR LUIZA CALEGARI — DE SÃO PAULO

 

 

 

Receba nossas newsletters