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STF E SIGILO BANCÁRIO: ENTENDA DECISÃO SOBRE COMPARTILHAMENTO DE DADOS COM O FISCO ESTADUAL

26 de setembro de 2024

O Plenário do Supremo Tribunal Federal, por apertada maioria, considerou constitucionais as regras do convênio ICMS 134/2016 do Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária), que obrigam as instituições bancárias a informar todas as operações realizadas por pessoas físicas e jurídicas via Pix, cartões de débito e de crédito e demais realizadas no pagamento do tributo por meio eletrônico.

A decisão foi tomada no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7.276, na sessão virtual encerrada em 6/9.

A ação visava a declaração da inconstitucionalidade de algumas cláusulas do convênio que autorizavam o compartilhamento de informações sobre transações financeiras feitas com cartões de crédito e débito, entre outros meios de pagamento, com os fiscos estaduais e distrital. Para o Confaz, essa medida era necessária para intensificar o controle fiscal e combater a sonegação de impostos.

Em contrapartida, a Consif (Confederação Nacional do Sistema Financeiro) argumentava que o compartilhamento de tais informações constituía uma grave invasão à privacidade e infringia o artigo 5º, inciso X, da Constituição, que protege a intimidade dos indivíduos. Além disso, a entidade sustentou que o tema deveria ser regulado por meio de lei complementar, e não por um convênio.

A AGU (Advocacia-Geral da União) e o MPF (Ministério Público Federal) defenderam a constitucionalidade do convênio, argumentando que ele não tratava diretamente do sigilo bancário, mas apenas disciplinava as obrigações acessórias das instituições financeiras quanto ao fornecimento de informações para fins fiscais.

Ambos ressaltaram que o compartilhamento de dados financeiros entre as instituições e as administrações tributárias já está previsto no artigo 199 do CTN (Código Tributário Nacional), que autoriza a troca de informações fiscais entre os entes federados, sem configurar uma violação ao sigilo bancário. Para a AGU e o MPF, o convênio estava em plena conformidade com as normas constitucionais e fiscais vigentes no país.

Julgamento

A relatora do caso, ministra Cármen Lúcia, votou pela constitucionalidade do convênio, enfatizando que o compartilhamento de dados financeiros com os fiscos estaduais não caracteriza uma quebra de sigilo bancário, desde que as informações compartilhadas sejam mantidas em sigilo pelas administrações tributárias, como prevê a Lei Complementar nº 105/2001.

A ministra destacou ainda que a cooperação entre os entes federados é vital para garantir a eficácia da fiscalização tributária e a arrecadação de impostos, elementos fundamentais para o funcionamento do Estado e para o cumprimento de suas obrigações com a sociedade.

O STF reafirmou, na decisão, a constitucionalidade dos artigos 5º e 6º da LC 105/2001, que regulam o acesso a dados bancários para fins fiscais. Reforçou-se que o sigilo bancário permanece protegido, mesmo após o compartilhamento das informações com as administrações tributárias. Ademais, a corte deixou claro que, embora o artigo 5º da LC 105/2001 inicialmente se aplique à administração tributária da União, não há impedimento para que os estados e o Distrito Federal criem suas próprias normas para acessar esses dados, conforme autoriza o § 1º do artigo 145 da Constituição.

Esse dispositivo permite ao fisco identificar o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas dos contribuintes, garantindo a efetividade do sistema tributário. Restringir o acesso apenas à União, segundo o STF, seria uma violação da isonomia e da autonomia dos entes federados.

Segundo o entendimento majoritário, que foi seguido pelos ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Flávio Dino, Dias Toffoli e Luiz Fux, a transferência de informações financeiras entre as instituições e os órgãos fiscais é crucial para assegurar a eficiência da arrecadação tributária, sem comprometer o direito à privacidade dos contribuintes.

O STF já havia consolidado esse entendimento ao julgar, conjuntamente, o Recurso Extraordinário nº 601.314/SP, e as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 2.390, 2.386, 2.397 e 2.859, quando ficou decidido que o compartilhamento de dados bancários com o fisco federal não configuraria quebra do sigilo bancário, mas apenas garantiria a igualdade entre os contribuintes, com base no princípio da capacidade contributiva.

A decisão também destacou que o sigilo bancário não é um direito absoluto, podendo ser relativizado em caso de interesse público relevante, como a necessidade de garantir uma fiscalização tributária eficiente. O dever de pagar tributos é essencial para o funcionamento do Estado, e o acesso a informações bancárias é uma medida crucial para combater a sonegação fiscal.

O STF também ressaltou que o Brasil tem compromissos internacionais de transparência e troca de informações bancárias, reforçando a legitimidade do acesso fiscal a esses dados, ressaltando que o compartilhamento de informações bancárias não é apenas uma questão de interesse nacional, mas também um reflexo de obrigações internacionais assumidas pelo país, especialmente em fóruns globais sobre transparência fiscal.

Votos divergentes

O acórdão, entretanto, não foi unânime. O ministro Gilmar Mendes liderou a principal divergência, argumentando que o convênio do Confaz violava direitos constitucionais, como a privacidade e o devido processo legal. Para ele, o compartilhamento indiscriminado de dados financeiros entre as instituições financeiras e os fiscos estaduais poderia resultar em invasões indevidas à privacidade dos contribuintes e caracterizar uma quebra inconstitucional do sigilo bancário.

Seus argumentos foram seguidos pelos ministros Cristiano Zanin, André Mendonça, Luís Roberto Barroso e Nunes Marques, que também expressaram preocupações sobre a amplitude do compartilhamento de dados e a falta de salvaguardas claras para proteger os direitos dos cidadãos.

O ministro Cristiano Zanin enfatizou que, embora a União tenha o poder de exigir o compartilhamento de informações financeiras para a fiscalização de tributos federais, essa mesma obrigação não deveria ser automaticamente estendida aos estados e ao Distrito Federal.

Ele argumentou que essa extensão poderia desproporcionalmente violar o direito à privacidade e à proteção de dados pessoais. Zanin sugeriu que uma eventual ampliação desse poder de compartilhamento de informações deveria ser feita por meio de uma lei complementar específica, que garantisse a proteção adequada dos direitos dos contribuintes.

Uso dos dados requer cautela

A decisão do STF impõe uma grande responsabilidade às autoridades fiscais, que deverão utilizar as informações obtidas pelo convênio ICMS 134/2016 de forma técnica, criteriosa e justificada. Para evitar abusos, é essencial garantir que o princípio da proporcionalidade seja respeitado, protegendo os direitos dos cidadãos.

Ao mesmo tempo, a medida visa combater a sonegação fiscal e promover uma justiça tributária mais eficaz, equilibrando o direito à privacidade com a necessidade de garantir uma fiscalização eficiente e justa do sistema tributário.

FONTE: CONSULTOR JURÍDICO – POR TÂNIA NIGRI

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