Corte determinou que planos de compra de ações têm natureza mercantil, não salarial
A possibilidade do colaborador de uma sociedade empresária adquirir participação societária por um determinado preço e durante um período preestabelecido é conhecido como Stock Options Plans e, muitas vezes, faz parte de um conjunto de ferramentas e estratégias das empresas para a retenção de talentos.
A doutrina dispõe que se trata de “plano em que são estabelecidos os requisitos da opção de compra de ações. Existe a possibilidade de o empregado adquirir as ações da empresa por preço em média abaixo do mercado e de vendê-las com lucro”[1].
Este instituto, internacionalmente utilizado, passou a ser adotado no Brasil, apesar de inexistir regra específica regendo a questão nos âmbitos trabalhista, previdenciário ou tributário.
Em termos de regulamentação, aguarda-se a tramitação no Congresso Nacional do PL 2724/2022, de autoria do senador Carlos Portinho (PL-RJ), que trata do Marco Legal das Stock Options Plans.
Posicionamentos sobre a natureza jurídica
No final de 2023, o STJ afetou os Recursos Especiais 2.069.644/SP e 2.074.564/SP[2] para que fossem julgados sob o rito de recursos repetitivos. A discussão se refere justamente à definição da natureza jurídica dos Planos de Opção de Compra de Ações de companhias por executivos e sua vinculação ou não ao contrato de trabalho (remuneração) o que determinaria a alíquota aplicável do imposto de renda e o momento de incidência do tributo.
Antes da questão ser levada ao STJ, o tema já havia sido debatido no âmbito da Justiça do Trabalho. Em 2010, o TST[3] reconheceu que os planos de stock options possuíam natureza jurídica mercantil e não salarial.
No Recurso de Revista 217800-35.2007.5.02.0033, o ministro relator Maurício Godinho Delgado considerou que para que seja configurada a natureza mercantil do benefício do plano, devem estar presentes os seguintes requisitos: (i) assunção de risco pelo beneficiário – que se sujeita às variações de valor de sua participação societária; (ii) onerosidade – com o pagamento do preço determinado na stock options; e (iii) voluntariedade – o beneficiário deve ter interesse em participar do plano de stock options[4].
No entanto, a discussão passa a ter nova interpretação quando analisada sob a ótica do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e da Procuradoria da Fazenda Nacional.
Para essas autoridades, a natureza jurídica da opção de compra é atrelada ao contrato de trabalho (remuneração) e, por conta disso, o fato gerador para a incidência do Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF) ocorre quando o colaborador adquire a participação societário objeto das stock options. A partir desta interpretação, o momento da incidência do tributo é o momento em que há a opção de compra e o IRPF vai incidir entre a diferença do valor de mercado das ações e o preço do exercício da opção de compra, acréscimo de renda, atraindo a aplicação do art. 43, inc. III, do CTN[5].
Atual posição do STJ sobre a natureza jurídica das stock options
Nos autos dos recursos especiais mencionados, a Fazenda Nacional repisou o seu posicionamento de que a natureza jurídica das stock options é remuneratória e, portanto, incide IRPF no momento da opção de compra, conforme acima mencionado. A justificativa para a incidência do IRPF seria de que é “no momento do exercício da opção de compra de ação, quando os lotes de ações são adquiridos por valor abaixo do valor de mercado, que ocorre a remuneração e, portanto, o fato gerador do tributo em questão, fazendo incidir a contribuição previdenciária patronal e o imposto de renda sobre o acréscimo patrimonial auferido pelo beneficiário, à guisa de rendimento laboral”.
No entanto, a 1ª Seção do STJ, sob a relatoria do ministro Sérgio Kukina, ao julgar os mencionados recursos especiais, entendeu de forma favorável à tese de que as stock options possuem natureza mercantil, afastando a aplicação do art. 43 do CTN.
Aduz o ministro não haver aumento imediato no patrimônio do optante na aquisição das ações, uma vez que a opção de compra tem natureza mercantil. Afirmou, ainda, que “a linha defendida pelo fisco de que o empregado aufere renda consistente na diferença apurada entre o valor estipulado/pago pela ação e aquele outro correspondente ao praticado no mercado financeiro não se coaduna (…) com a previsão normativa de que, para que haja fato oponível à incidência do imposto, deve-se estar diante da real disponibilidade econômica ou financeira acrescida ao seu patrimônio”. Além disso, reiterou que a incidência do imposto de renda se daria com o ganho de capital auferido pelo contribuinte, quando e se ocorrer a alienação, com lucro da participação societária.
Assim, a decisão significa afirmar que as pessoas físicas serão tributadas tão somente quando houver a venda da participação societária, com acréscimo patrimonial, incidindo as alíquotas progressivas do IRPF sobre ganho de capital, de 15% a 22,5%[6].
O ministro Afrânio Vilela destacou o entendimento de que as stock options quando munidas dos seguintes requisitos devem se enquadrar como contratos mercantis: (i) onerosidade, já que as ações são adquiridas com recursos do empregado; (ii) voluntariedade, considerando que, uma vez ofertado o plano, o participante decidirá, no futuro, se pretende adquirir a participação societária; e (iii) pelo risco, visto que a conversão das ações no mercado financeiro pode se dar por valor inferior ao da aquisição[7].
Assim, foi aprovada, por maioria, a seguinte tese jurídica no Tema 1226:
Conclusão
Em decorrência da recente decisão, o STJ, por maioria dos votos, determinou que os planos de stock options possuem natureza mercantil e não salarial, com a determinação de que não há incidência de IRPF sobre o momento da aquisição da participação pelo colaborador, dada a inexistência de acréscimo patrimonial em prol do optante/adquirente/colaborador. No entanto, caso o adquirente revenda as ações, com ganho de capital, este será tributável.
O tema já pode ser aplicado aos casos sobrestados em razão de sua afetação pelo STJ, apesar de os acórdãos que fundamentaram a definição do tema não terem transitado em julgado, podendo ser objeto de novos recursos.
A estudante da PUC-Rio Manoella Tavares contribuiu para este artigo com pesquisa de jurisprudência sobre o tema.
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[1]
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho, 31ª ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 266
[2]
STJ, REsps n. 2.069.644/SP e 2.074.564/SP
[3]
Recurso de Revista nº 217800-35.2007.5.02.0033, 6ª Turma; Data de Julgamento: 17/11/2010
[4]
“O programa pelo qual o empregador oferta aos empregados o direito de compra de ações (previsto na Lei de Sociedades Anônimas, n. 6404/76, art. 168, § 3º) não proporciona ao trabalhador uma vantagem de natureza jurídica salarial. Isso porque, embora a possibilidade de efetuar o negócio (compra e venda de ações) decorra do contrato de trabalho, o obreiro pode ou não auferir lucro, sujeitando-se às variações do mercado acionário, detendo o benefício natureza jurídica mercantil. O direito, portanto, não se vincula à força de trabalho, não detendo caráter contraprestativo, não se lhe podendo atribuir índole salarial.”
[5]
“Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica: II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.”.
[6]
Ministros Afrânio Vilela, Gurgel de Faria, Teodoro Silva e Benedito Gonçalves, acompanharam o voto do Relator, no sentido de que o acréscimo patrimonial tributável apenas é verificado quando da posterior revenda das ações pelo adquirente, em caso de ganho de capital. Votou de forma divergente a Ministra Maria Thereza de Assis Moura pela natureza remuneratória do plano destock Options e a alíquota progressiva do IRPF, de 10% a 27,5%
FONTE: JOTA – POR CLEÍSE N. MARTINS-COSTA, FLÁVIA FERNANDES GUIMARÃES, JULIA DE BAÉRE C. D’ALBUQUERQUE E MONICA BITY