Telefone: (11) 3578-8624

STJ JULGA POSSIBILIDADE DE FUNDAÇÃO PRIVADA ENTRAR EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL

11 de setembro de 2024

É a primeira vez que o tema é julgado e voto de relator é contrário por falta de previsão legal.

A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) se posicionará pela primeira vez sobre um tema controverso no ambiente da insolvência: se fundações de direito privado podem entrar em recuperação judicial. Os ministros começaram a julgar ontem dois recursos em que se questiona a legitimidade de fundações educacionais sem fins lucrativos de Minas Gerais estarem em reestruturação sob tutela do Judiciário.

Votou apenas o relator dos casos, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, contra essa Possibilidade por ausência de previsão legal. Ainda não há precedentes sobre o tema no STJ, apenas decisões monocráticas da 4 ª Turma que não analisaram o mérito da questão. O julgamento foi suspenso ontem por pedido de vista conjunto do ministro Moura Ribeiro e da ministra Nancy Andrighi. Não há previsão de retorno à pauta.

Os devedores entendem que a legislação deve ser interpretada de forma ampla, a fim de prevalecer o princípio de preservação da empresa, pois as entidades, apesar de não terem como finalidade a geração de lucro, geram riqueza, produtos, empregos e serviços. Já os credores seguem por uma análise mais literal e que essas associações e sociedades devem seguir o Código Civil e não o Direito Empresarial.

“Lei restringe o instituto da recuperação judicial a sociedades empresárias” — Villas Bôas Cueva

Para Cueva, o artigo 1º da Lei de Recuperação Judicial e Falências (nº 11.101/2005) restringe o instituto da recuperação a sociedades empresárias e empresários. No voto, ao qual o Valor teve acesso, ele diz que “não há nenhuma dúvida, portanto, acerca da opção do legislador em não incluir os entes que, apesar de poderem sob certa perspectiva ser classificados como ‘agentes econômicos’, não são empresários”.

Ele lembra que entidades sem fins lucrativos já usufruem de uma imunidade tributária, portanto, conceder a recuperação judicial seria exigir uma nova contraprestação da sociedade brasileira. “A possibilidade de consequências negativas no ambiente concorrencial, nesse cenário, não pode ser desprezada”, afirma.

O relator também considerou fundamental negar essa possibilidade para preservar a segurança jurídica e favorecer o ambiente de negócios, pois eventual interpretação extensiva do artigo 1º poderia impactar a concessão de crédito e alocação de riscos.

“Os agentes que firmaram seus contratos com associações e fundações equacionaram seus riscos a partir desse dado, não levando em conta que esses entes poderiam requerer recuperação judicial, apesar de não haver previsão legal nesse sentido, situação que impacta diretamente a segurança jurídica e especialmente a concessão do crédito”, diz o ministro (REsp 2026250 e REsp 2155284).

Uma das ações julgadas envolve a recuperação judicial da Fundação Educacional Monsenhor Messias, pleiteada em março de 2021 por “severa crise econômica em decorrência de escolhas de gestão nos últimos anos”. A entidade, que é mantenedora do Centro Universitário de Sete Lagoas (Unifemm), obteve sentença favorável concedendo a recuperação judicial, que acabou revertida pelo Tribunal de Justiça do Estado e Minas Gerais (TJMG). A fundação tenta no STJ reverter esse acórdão.

O advogado do Banco do Brasil no caso, Cristiano Kinchescki, entende que a fundação “não se assemelha de nenhuma forma a sociedade empresária” pela sua natureza jurídica. “É uma instituição educacional sem fins lucrativos que está sujeita à imunidade tributária sobre patrimônio, renda e serviço, que não é extensivo a nenhuma empresa”, afirmou ele, durante a sustentação oral. “As fundações regem se exclusivamente pelo Direito Civil, o que afasta a disciplina do Direito Empresarial e também da Lei 11.101”, completou.

Entendimento similar foi do advogado Rodrigo Valente Mota, que defende o Sindicato dos Professores do Estado de Minas Gerais (Sinpro-MG) na outra ação, da Fundação Comunitária Tricordiana de Educação. Para ele, a lei impede que agentes econômicos não regularmente registrados na Junta Comercial possam pleitear a recuperação. E o STJ, acrescentou em sustentação oral, já se posicionou sobre a indispensabilidade dessa documentação para que se possa ter o pedido processado.

De acordo com advogado Daniel Carnio Costa, professor da PUC-SP e ex-juiz da 1ª Vara de Falências e Recuperações de São Paulo, foi uma opção do legislador excluir do regime das recuperações as associações e outras formas de sociedades que não sejam empresariais. “Isso foi reforçado a reforma da lei em 2020, quando se discutiu a possibilidade de ampliar o regime para agentes econômicos”, diz ele, que participou das discussões legislativas e foi a favor da inclusão.

A decisão do STJ pode afetar processos como o da Universidade Candido Mendes, no Rio de Janeiro, e da Rede Ulbra de Educação, no Rio Grande do Sul. Caso prevaleça o voto do relator, os credores poderiam questionar o processo de recuperação judicial, se ainda estiver no prazo para recurso. Porém, como a lei falimentar não se aplica, também não seria caso de falência e sim uma liquidação específica prevista no Código de Processo Civil desde 1973. Nos 25 anos de magistratura, Carnio afirma nunca ter visto ser usado.

O advogado Daniel Longa, sócio da área de Resolução de Disputas do Cescon Barrieu, entende que é preciso considerar que a entidade exerce uma função social. Contudo, conceder a recuperação a essas entidades pode impactar o mercado de crédito. “A lei não trata da possibilidade de uma sociedade ou fundação sem fins lucrativos entrar em recuperação judicial e isso não entra na análise de risco”, diz ele, mencionando as análises feitas pelas instituições financeiras.

Ele chama a atenção que, assim como foi o caso da inclusão, na reforma da lei de 2020, da possibilidade de produtores rurais pedirem recuperação judicial, pode ser o caso de uma mudança de entendimento sobre as associações civis. “Tiveram julgados do STJ que alargaram esse conceito e depois veio a mudança legislativa.  Pode ser o caso aqui”, afirma. Até o momento, a alteração não é discutida no Projeto de Lei nº 3/2024, que busca alterar a lei de insolvência.

FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR MARCELA VILLAR — DE SÃO PAULO

Receba nossas newsletters