Telefone: (11) 3578-8624

SUCESSÃO EM FUNDO FECHADO: QUANDO INCIDE O IR?

10 de setembro de 2024

Inúmeros planejamentos patrimoniais feitos nas últimas décadas poderão se beneficiar do entendimento agora firmado pelo STJ.

Em decisão inédita, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu em agosto que, em não havendo ganho de capital, não deverá incidir o Imposto de Renda (IR) na transmissão por herança de quotas de fundo de investimento constituído sob a modalidade de condomínio fechado. Por unanimidade, um acórdão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), com sede em São Paulo, foi reformado pelos ministros do STJ, para dar razão aos contribuintes nesse caso, em detrimento da Receita Federal. Surpreendidos pela cobrança da Receita, os sucessores do fundo entraram com o processo em 2018.

Os fundos de investimento fechados, também chamados de exclusivos, conforme definido em legislação, não admitem resgate de quotas antes do fim do prazo de duração do fundo. Não há, nesses veículos de investimento, pagamento de rendimentos periódicos aos quotistas e a efetiva rentabilidade, portanto, só pode ser auferida ao final do período de aplicação.

Muito embora pareça bastante natural o raciocínio de que, sem ganho de capital, não há acréscimo patrimonial e, portanto, não há fato gerador do Imposto de Renda, esse debate vinha ganhando proporções relevantes e impactando significativamente o mercado dos chamados “family offices”, que são serviços privados de consultoria em gerenciamento de patrimônio. A decisão do STJ, em boa hora, confere segurança jurídica à atividade de planejamento patrimonial e sucessório, uma das principais funções de fundos exclusivos, que não são apenas usados como veículos de investimento pelas famílias de alta renda.

O debate surgiu a partir de posicionamento da Receita Federal que, por meio de ato normativo próprio, que poderia apenas regular o tema, impôs restrição indevida ao determinar a retenção na fonte do Imposto de Renda sobre transferências financeiras feitas pelos bancos em decorrência de “sucessão causa mortis”, isto é, da sucessão que decorre do falecimento do titular das quotas.

Essa previsão normativa da Receita Federal, contudo, não possuía respaldo na legislação vigente quando da sua edição: conforme definia o artigo 28, parágrafo 6º, da Lei nº 9.532/97, no caso dos fundos de investimento em condomínio fechado, o Imposto de Renda somente seria calculado no momento do resgate, da amortização ou da alienação de quotas em valores superiores ao custo de aquisição, ao final do prazo previsto para a duração do fundo. Esse cenário permaneceu inalterado até a publicação da recente Lei nº 14.754, em 12 de dezembro de 2023, que passou a prever a tributação periódica também dos fundos fechados.

Até então, o legítimo exercício da opção de transferir as quotas pelo valor da declaração de bens e direitos do falecido, sem ganho de capital, nos termos do artigo 23 da Lei nº 9.532/97, deveria resultar, necessariamente, na não incidência do Imposto de Renda no momento da mera transmissão, seja pela ausência de acréscimo patrimonial, seja pela ausência de qualquer disponibilidade (econômica ou jurídica) sobre o valor das quotas, que só poderiam ser resgatadas ao final do prazo de duração do fundo.

Os contribuintes, no entanto, enfrentavam dificuldades junto às administradoras desses fundos para evitar a retenção do imposto, sendo necessário buscar o Judiciário de forma preventiva para afastar a tributação. E, uma vez judicializado o tema, novos desdobramentos surgiram, como a equivocada aplicação aos fundos de investimento em condomínio fechado de normas que regulavam a tributação de fundos de rendimentos periódicos – dentre eles o artigo 65 da Lei 8.981/95, que equiparava, para fins da tributação desses rendimentos, a transmissão hereditária a uma espécie de alienação.

A decisão do STJ, finalmente, esclarece os limites da tributação dos fundos de investimento em condomínio fechado e, na prática, valida uma estrutura de planejamento patrimonial e sucessório historicamente utilizada por investidores nesses fundos e que assegura aos herdeiros o direito de se submeter à tributação somente no momento do efetivo ganho de capital, evitando-se, assim, uma dupla oneração no momento da transmissão, que já é tributada pelo ITCMD.

Inúmeros planejamentos patrimoniais feitos nas últimas décadas poderão se beneficiar do entendimento agora firmado pelo STJ, embora seja importante considerar que a decisão não foi firmada sob o rito especial dos recursos repetitivos e, por isso, tem eficácia apenas entre as partes do processo. Ainda que respaldados pelo precedente, contribuintes investidores que tiveram suas quotas em fundos de investimento em condomínio fechado recebidas em transmissão hereditária nas últimas décadas ainda necessitam discutir judicialmente, em processos individuais, o direito de não tributá-las no momento da transmissão, inclusive com a possível recuperação de valores retidos a esse título, caso a retenção tenha sido feita por ocasião do recebimento da herança.

Avaliamos que a interpretação recente da Corte sobre a cobrança do IR em transmissões por herança de quotas de fundos fechados traz conforto para a atividade de todos os family offices, que cuidam de planejamentos patrimoniais e sucessórios. Contudo, para que o entendimento do STJ possa valer para todo o país, seria necessário um elevado volume de processos para que o órgão tome uma decisão vinculante, algo que pode levar anos.

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.

FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR RODRIGO MARTONE E ANDRÉ TORRES

 

Receba nossas newsletters