Texto-base da segunda parte da reforma tributária aguarda votação de destaques. Medida pode atingir, na visão de advogados, arranjos de distribuição de lucros desiguais em sociedades limitadas
Companhias do tipo sociedade limitada – as famosas “LTDA”, tão comuns no Brasil – que realizam a distribuição desproporcional de lucros entre os sócios podem ter que reprogramar algumas estruturas internas, diante de mudanças no “imposto da herança” propostas pelo Congresso na regulamentação da Reforma Tributária.
Advogados ouvidos pelo InfoMoney alertam que o texto-base da segunda parte da reforma, aprovado pela Câmara dos Deputados no dia 13 de agosto, trouxe um trecho considerado “sensível”, e que pode levar à taxação de algumas distribuições de lucros feitas de forma desigual.
Especialistas consultados divergem sobre quais empresas poderiam ser afetadas. Alguns defendem que a mudança atingiria apenas companhias familiares, enquanto outros incluem qualquer empresa limitada que realize a distribuição desproporcional de lucros e que possua profissão regulamentada, como escritórios de advocacia e consultórios médicos.
A possível taxação seria consequência de um trecho do Projeto de Lei Complementar Nº108, de 2024, que abre caminho para a aplicação do Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD), conhecido como “imposto da herança”, sobre a distribuição desigual de lucros entre os sócios, se não houver uma “justificativa negocial passível de comprovação”.
A distribuição desproporcional de lucros é comum em algumas sociedades limitadas. Ela ocorre quando há acordo entre os sócios para recebimento de pagamentos condicionados ao desempenho ou à dedicação de cada um, e não apenas à fatia que possuem do negócio. “A distribuição dos resultados pode ocorrer de acordo com a performance de cada área. Eu não sou obrigado a dividir daquela forma se eu gerei um desempenho maior”, resume Vinicius Caccavali, advogado tributarista no VBSO Advogados.
Em uma empresa com cinco sócios com 20% de participação societária cada, por exemplo, é possível hoje que a distribuição supere esse patamar a depender de critérios de desempenho acordados. “Tem muita empresa em que o mais importa é a carteira de clientes e a performance. Há coisas intangíveis que o sócio aporta e que nem sempre está no capital”, opina Mauricio Barros, sócio da área tributária do Cescon Barrieu.
Segundo Barros, o texto da regulamentação da reforma em discussão no Congresso pode fazer com que essa diferença a mais nos lucros recebida por sócios em uma sociedade limitada seja considerada doação, o que abriria caminho para cobrança de ITCMD. A interpretação, porém, é questionada pelo advogado: “É uma deliberação social para que os dividendos sejam distribuídos de forma a atender um critério e não uma doação”.
Votação
Parlamentares ainda precisam votar os destaques do texto para que ele possa ser encaminhado ao Senado. Ao ser questionado pelo InfoMoney, o relator do projeto, deputado Mauro Benevides Filho (PDT-CE), disse que já está com os sete destaques prontos para serem votados. Um deles trata justamente da distribuição desproporcional de lucros.
Filho explica que foi feito um acordo para a votação do projeto, que prevê que a alíquota a ser cobrada de ITCMD no caso de distribuição desproporcional de lucros sem justificativa negocial seja equivalente a 2,4%, percentual que é menor do que o teto estabelecido pelo Senado para a cobrança desse imposto, que é de 8%.
Fontes ouvidas pela reportagem afirmaram que a votação dos destaques vai depender se o Governo irá retirar ou não a urgência da Reforma Tributária. Mesmo com chance de que a redação possa ser alterada ainda, o assunto já tem gerado debate entre escritórios de advocacia e clientes.
Caccavali, do VBSO, também vê com preocupação o trecho que estabelece que uma eventual cobrança ou não de ITCMD estaria condicionada a uma “justificativa negocial passível de comprovação”. “O que é uma justificativa plausível? Vamos começar a deixar a critério da fiscalização se a minha justificativa é plausível ou não”, argumenta.
Érico Pilatti, sócio do Cepeda Advogados, concorda que a redação ficou “subjetiva” e que poderá formar uma jurisprudência do que será essa comprovação. O advogado afirma que a distribuição desproporcional de lucros é comum em sociedades limitadas e que tem previsão legal. O artigo 1008 do Código Civil, por exemplo, veda a exclusão de qualquer sócio da participação nos lucros e perdas, mesmo em caso de distribuição desproporcional. Porém, o artigo 1007 diz que os sócios são livres para estabelecer a possibilidade de uma distribuição dos resultados sociais diferente da proporção de suas respectivas cotas.
Na visão do advogado do Cepeda, o objetivo da redação parece estar mais em conter eventuais abusos dessa desproporção vistos pela Receita Federal. Pilatti, porém, defende que essas situações representam exceções e que isso deveria ser monitorado pela fiscalização. Para ele, o avanço de uma medida assim poderia ser alvo de contestações e de inúmeras brigas na Justiça.
FONTE: INFOMONEY – POR BRUNA FURLANI