Autores de estudo defendem mecanismo de devolução de recursos para reduzir efeito do aumento de preços na renda das famílias mais pobres.
A cobrança de um imposto, além do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), de R$ 0,91 e R$ 2,26 sobre o litro de gasolina e diesel, respectivamente, compensaria os efeitos negativos que o consumo desses itens possui sobre meio ambiente e saúde pública. As estimativas são de estudo do Banco Mundial, antecipado ao Valor, a respeito dos impactos que a reforma tributária do consumo poderá ter sobre combustíveis.
Os autores reconhecem que a cobrança do imposto adicional afetaria negativamente a renda das famílias mais pobres. Mas sugerem mecanismos para compensar esses impactos, como a devolução direcionada de recursos para esse grupo.
“Os combustíveis têm impactos negativos bastante claros e provados para o meio ambiente, a saúde etc.”, diz Cornelius Fleischhaker, economista-sênior do Banco Mundial para o Brasil e um dos autores do estudo, ao lado de Daniel Navia e Heron Rios. Os autores escrevem que a “tributação insuficiente dos combustíveis” leva a um “consumo excessivo” que amplifica “as externalidades negativas”, como são classificados tecnicamente os impactos negativos.
O estudo do Banco Mundial é baseado em uma estimativa de que o custo social do carbono, um conceito que busca medir impactos ambientais, econômicos e sociais negativos da emissão do gás, é de US$ 60 por tonelada de dióxido de carbono. A partir daí, o órgão projeta que um imposto de R$ 0,91 cobrado sobre o litro de gasolina forneceria “incentivos” suficientes “aos condutores para alterarem o seu comportamento de uma forma que melhore o bem-estar social”. No caso do diesel e do etanol, esse imposto seria respectivamente de R$ 2,26 e R$ 0,22.
Em tramitação no Senado, a reforma tributária do consumo estabelece alíquota fixa em centavos ou reais (“ad rem”) do IVA sobre combustíveis, de acordo com tipo e quantidade do produto. O texto permite que biocombustíveis e hidrogênio verde, menos poluentes, tenham “diferencial competitivo” por meio de uma alíquota menor. Mas o projeto não inclui os combustíveis entre os setores sobre os quais incidirá o Imposto Seletivo, cujo objetivo é justamente “coibir comportamentos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente”, na definição do Ministério da Fazenda.
O trabalho do Banco Mundial leva em conta a incidência da alíquota de referência, estabelecida pela pasta, de 26,5% do IVA sobre combustíveis. Considerando tanto o IVA quanto o imposto que busca diminuir os impactos negativos, o órgão calcula que a carga tributária total sobre o litro de combustível seria de: R$ 2,16 para a gasolina, R$ 4,06 para o diesel e R$ 1,07 para o etanol, respectivamente.
Segundo o Banco Mundial, os montantes são superiores à carga total que incide neste momento sobre os três combustíveis, atualmente em R$ 2,06, R$ 1,38 e R$ 0,68. O cálculo foi feito com base em informações da Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e de Lubrificantes (Fecombustíveis) e da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis do Brasil (ANP). No caso da gasolina, entra na conta o montante de R$ 0,1 referente à Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) – que, assim como o imposto adicional, tem objetivos principalmente regulatórios e não de arrecadação.
Por causa do aumento da carga com as mudanças sugeridas, os autores reconhecem que “tributar o combustível de acordo com as externalidades reduziria, por si só, os rendimentos das famílias, especialmente dos pobres”. Nos cálculos dos pesquisadores, a tributação necessária para compensar os efeitos, decorrentes do consumo de combustíveis, “da poluição atmosférica local” sobre a saúde pública resultaria “em perdas de renda de cerca de 6% para os mais pobres”.
Assim, o grupo apresenta medidas para “mitigar o impacto regressivo” da tributação adicional. Uma possibilidade seria a implantação “transferências específicas” para a população mais pobre. Segundo os pesquisadores, uma política “compensando as perdas sofridas pelos 25% mais pobres da população” custaria aproximadamente 10% da receita gerada pelos impostos totais sobre combustíveis. Outra opção, embora “menos progressiva”, seria usar a receita proveniente do imposto adicional para reduzir a alíquota geral do IVA, para todos os produtos.
Para Ricardo Soriano, ex-procurador-geral da Fazenda Nacional e sócio da área tributária do Figueiredo e Velloso Advogados, a incidência de uma carga tributária “extrafiscal” sobre os combustíveis é algo “legítimo”, mas que exige “muito cuidado” justamente porque “acaba atingindo fortemente os mais pobres”. Ele sugere como alternativa o estímulo a combustíveis menos poluentes ou carros elétricos e movidos a hidrogênio.
Em nota, o Ministério da Fazenda destaca que a reforma prevê que a alíquota do IVA sobre combustíveis “pode ser diferenciada” entre aqueles mais poluentes, como fósseis, e os menos poluentes, como biocombustíveis. Assim, não é “necessário utilizar o Imposto Seletivo” para fazer essa diferenciação.
FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR ESTEVÃO TAIAR – DE BRASÍLIA