Pesquisa da Deloitte mostra que mais da metade das empresas que detectaram aumento do custo tributário deve rever localização. São Paulo pode se beneficiar
O fim dos incentivos fiscais concedidos pelos Estados previsto na reforma tributária sobre o consumo em curso no país tem levado as empresas a reavaliarem suas estratégias logísticas e o posicionamento geográfico das suas operações.
Além da mudança radical na forma de cálculo no pagamento dos novos tributos a serem criados – a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) e o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) -, que passarão a ser devidos para Estados e municípios destinatários dos bens e serviços, o texto estabelece a extinção de todos os incentivos fiscais, com exceção daqueles relacionados à Zona Franca de Manaus.
A fase de transição entre o atual e o novo sistema tributário terá início em 2026, mas na avaliação de especialistas, as empresas já podem fazer simulações para avaliar os impactos das mudanças sobre as suas operações e estratégias comerciais, embora muitos pontos ainda dependam de regulamentação por meio de leis complementares.
Uma pesquisa da Deloitte, chamada “Tax do Amanhã”, realizada com 172 empresas dos setores da indústria, comércio e serviços, mostrou que menos da metade das companhias (46%) realizaram estudos sobre os impactos da reforma tributária em seus negócios. Destas, mais da metade (56%) constatou aumento da carga tributária, com possível repasse de preço em bens e serviços ou redução da margem de lucro. Como consequência, dentre as empresas que usufruem atualmente de benefícios fiscais, 61% avaliam mudanças em seu posicionamento geográfico e cadeia de suprimentos.
“A logística e localização das empresas não podem mais ser baseadas em benefícios fiscais, mas na proximidade com o seu mercado consumidor, seja interno ou externo”, diz a advogada tributarista Kelzer Schneider.
De acordo com a tributarista, muitas empresas já estão revendo suas estratégias de negócios no quesito localização. “De dezembro de 2023 até o momento, já é possível observar um aumento significativo da procura por armazéns e galpões nos estados das regiões Sul e Sudeste”, informa.
No caso do varejo, destaca, as empresas já possuem logística mais estruturada e adequada para o novo modelo tributário, pois grande parte já está concentrada nessas regiões. A questão é mais crucial no caso dos setores do agronegócio, couro, farmacêuticas e de bebidas, que deverão rever com urgência sua logística e posicionamento de seus centros de distribuição.
SIMULAÇÕES
Para o consultor tributário da Athros Auditoria e Consultoria, Douglas Campanini, o PLP 68, que trata da primeira fase da regulamentação do novo sistema tributário, em tramitação do Senado, dá diretrizes importantes para as empresas se anteciparem às mudanças.
“É possível, sim, não com tanta profundidade, pois estamos na fase de regulamentação, simular cenários para conseguir mensurar os impactos futuros do novo modelo tributário”, diz.
Neste novo cenário desenhado pela reforma, considerando que as regiões Sul e Sudeste, sobretudo São Paulo, são grandes mercados consumidores, muito provavelmente as empresas vão reposicionar suas plantas, prevê o consultor.
“Há empresas que estão analisando os seus cenários logísticos para avaliar se é prudente, após a reforma, manter todos os seus estabelecimentos em outros Estados ou se vale a pena remodelar sua logística de tal forma que fiquem mais próximas dos mercados consumidores”, analisa.
EXEMPLOS DE FORA
Na opinião de Kelzer Schneider, as experiências internacionais com a cobrança do IVA dual podem dar sinais de como serão os impactos nas empresas com a reformulação da tributação sobre o consumo no Brasil.
A Índia, por exemplo, que enfrentava distorções no sistema tributário parecidas com as atuais do Brasil, reformulou seu modelo de cobrança de impostos sobre o consumo em 2003, com a adoção do IVA nos mesmos moldes do imposto brasileiro a ser implementado.
Mais de 10 anos depois de implementada a reforma naquele país, uma pesquisa na jurisprudência realizada pelo IBDT (Instituto Brasileiro de Direito Tributário), do qual a tributarista faz parte, mostrou que um número expressivo de empresas de pequeno porte dos setores de manufatura, couro e roupas, fortemente dependentes de benefícios fiscais, fecharam as portas ou foram absorvidas por empresas maiores.
“O desafio imposto pela reforma tributária em andamento é ainda maior para as pequenas empresas, que têm menos estrutura financeira e acesso à informação, e correm sérios riscos de perderem competitividade no mercado e até desaparecerem”, conclui.
A reforma tributária mantém o regime do Simples Nacional. A novidade é que as empresas vão poder optar por recolher IBS e CBS fora da cesta de tributos atual caso queiram acumular créditos tributários e manterem a competitividade. Mas o texto prevê restrições na transferência de créditos, o que pode trazer aumento da carga tributária.
FONTE: DIÁRIO DO COMÉRCIO – POR SILVIA PIMENTEL