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UM TEMA FORA DO RADAR NA REFORMA TRIBUTÁRIA

22 de julho de 2024

É essencial a criação de obrigação dos Estados e municípios para que regulamentem, no âmbito das legislações estaduais, a cessão de créditos de ICMS, antes do início da vigência do novo sistema e da exigibilidade do IBS

Com a aprovação da Emenda Constitucional 132/23, que implementou a reforma tributária no final de 2023, a Câmara dos Deputados deu início à sua regulamentação por meio de projetos de lei complementar. O governo encaminhou dois projetos sobre o tema: o PLP 68/24, que institui o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), a Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto Seletivo e o PLP 108/24, que institui o Comitê Gestor do IBS e dispõe sobre o processo administrativo tributário, disciplina a distribuição, entre os entes federativos, da arrecadação do IBS, trata das infrações e penalidades, dentre outros temas. Nem todos os assuntos da reforma foram tratados nesses projetos, e ainda são esperadas normas adicionais no futuro.

O PLP 68/24 é foco de maior atenção dos parlamentares, da mídia e dos contribuintes, já que traz as disposições mais relevantes e temas mais polêmicos, como regimes especiais de tributação, a composição da cesta básica, os bens e serviços que estarão sujeitos ao Imposto Seletivo, as regras da Zona Franca de Manaus etc. Esse projeto foi votado pela Câmara dos Deputados no início de julho e aguarda envio ao Senado Federal. O senador Eduardo Braga (MDB-AM) será o relator naquela Casa e já prometeu mudanças adicionais ao texto.

Já o PLP 108/24 tem tido menos destaque na mídia. A proposta traz matérias mais afetas aos interesses dos Estados e municípios, especialmente por dispor sobre regras de composição e funcionamento do Comitê Gestor do IBS – o ente supranacional que coordenará a fiscalização e distribuição das receitas do novo tributo. Além disso, o projeto regulamenta o processo administrativo fiscal dos novos tributos e a devolução dos créditos acumulados do ICMS.

Apesar do menor destaque, tem havido debate em relação às regras do processo administrativo, em especial sobre a exclusão dos contribuintes da composição das instâncias superiores do Comitê Gestor. Esse ponto foi revisto na nova proposta apresentada pelo grupo de trabalho que analisa o PLP e os contribuintes passaram a compor o órgão na última versão do projeto. No entanto, pouco se tem discutido em relação ao tema dos créditos acumulados do ICMS.

O tema, apesar de sua enorme importância, vem passando quase desapercebido. E isso preocupa, já que o projeto foi originalmente gerido no âmbito do Comsefaz, que congrega representantes das secretarias de fazenda estaduais e, por isso, atende aos seus interesses, e não dos contribuintes.

Isso fica claro, por exemplo, na regra que impedia o aproveitamento de créditos de ICMS quando o contribuinte tivesse outros débitos estaduais – ainda que não relacionados ao IBS ou ao ICMS. A primeira versão do projeto autorizava somente a compensação dos créditos de ICMS com o IBS. Ou seja, caso o contribuinte tivesse enorme crédito de ICMS a receber, ficaria impossibilitado de utilizar esses valores caso tivesse, por exemplo, débitos de IPVA ou de outro tributo estadual, ainda que em valor inferior àquele que lhe fosse devido.

Ou seja, de um lado, o PLP vedava o uso do crédito remanescente de ICMS com qualquer outro tributo que não o IBS e, de outro, vedava o ressarcimento quando houver débito de outro tributo estadual que não o IBS. Um completo contrassenso. Os alertas de alguns contribuintes surtiram efeito e esse ponto também foi revisto pelos deputados. A nova versão do projeto restringe o aproveitamento de créditos apenas se houver débitos de ICMS ou de IBS, mas não de outros tributos.

Outra “maldade” que constava do projeto original, era a previsão de prazo bastante extenso para que os Fiscos estaduais apreciem os pedidos de homologação de créditos – dois anos. É certo que o PLP previa uma regra de homologação tácita caso o prazo fosse descumprido, porém também se estabelecia que os contribuintes somente poderiam transferir créditos que decorram da homologação tácita a terceiros a partir de 2038!

O Grupo de Trabalho reduziu o prazo de análise para um ano, mas não mudou a regra de uso dos créditos a partir de 2038. Com isso, o PLP privilegia a inércia estatal na análise dos pedidos de homologação, atrasando, em cinco anos, o direito do contribuinte transferir seus créditos. Ou seja, o efeito perverso dessa regra será o de desincentivar os Estados na análise dos pedidos de homologação de créditos, o que adiará, por cinco anos, o direito de sua negociação pelos contribuintes.

É certo que o PLP traz avanços ao prever a possibilidade da cessão de créditos de ICMS a terceiros – ainda que, ao fazê-lo, apenas acate a determinação constitucional estabelecida na Constituição. No entanto, incorre em erro ao estabelecer que as regras da cessão devem observar as normas estaduais.

O grande problema é que nem todas as legislações do ICMS possibilitam a cessão desses créditos e, na ausência de lei local, a regra do PLP 108/24 seria letra morta. É essencial a criação de obrigação dos Estados e municípios para que regulamentem, no âmbito das legislações estaduais, a cessão de créditos de ICMS, antes do início da vigência do novo sistema e da exigibilidade do IBS.

Surpreende que tais temas estejam sendo pouco debatidos e ofuscados pelas controvérsias do PLP 68/24, igualmente importantes. O lado positivo é que o segundo projeto deverá ser votado na Câmara apenas no próximo semestre, havendo algum tempo para debate e aprimoramento, sem a urgência com a qual foi conduzido o projeto de lei do IBS/CBS.

No entanto, é urgente que esse projeto seja mais discutido e que seus impactos fiquem claros para os contribuintes. Devemos manter a vigilância para que nossos congressistas aprovem uma regulamentação da reforma tributária que garanta o direito dos contribuintes, e que seja verdadeiramente justa e eficiente.

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR GIUSEPPE PECORARI MELOTTI E BRUNO TOLEDO CHECCHIA

 

 

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