Ideia é estabelecer hierarquia das medidas que poderão para reduzir a alíquota.
Integrantes do Ministério da Fazenda e do Senado já negociam meios para garantir a efetividade do dispositivo incluído na regulamentação da reforma tributária do consumo para limitar em 26,5% a alíquota padrão. Sobre a mesa, está em discussão a criação de um programa que estabeleça uma hierarquia das medidas que poderão ser adotadas para reduzir a alíquota, caso ela ultrapasse o limite máximo. Segundo o Valor apurou, a ideia é incluir esse detalhamento no texto durante sua tramitação no Senado.
O Projeto de Lei Complementar (PLP) 68, principal proposta de regulamentação da reforma tributária do consumo, foi aprovada na noite da quarta-feira (10) pela Câmara dos Deputados. Conforme o Valor antecipou na véspera, os deputados incluíram no texto um instrumento para limitar em 26,5% a alíquota padrão, na soma da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).
A iniciativa ocorreu diante do aumento de exceções, com o objetivo de evitar que elas acabem elevando a alíquota padrão do novo Imposto sobre Valor Agregado (IVA). No entanto, parlamentares, integrantes do Executivo e especialistas ponderaram que não ficou suficientemente claro como essa trava funcionaria na prática.
Dessa forma, interlocutores da equipe econômica já entraram em contato com senadores para estabelecer um programa que estabeleça responsabilidades e um cronograma de ações. O primeiro mecanismo seria um comando para que o governo reduza o número de exceções à tributação geral. Em seguida, viriam outras providências como cortar as excepcionalidades de forma linear e a elevação da tributação sobre a renda para compensar o tributo sobre consumo. Ou ainda, uma combinação dessas medidas. Os detalhes ainda estão sendo trabalhados.
Numa primeira sondagem, a ideia foi apresentada à cúpula da Casa Legislativa presidida pelo senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Segundo fontes, houve boa receptividade.
Os negociadores têm argumentado que o teto da alíquota precisa ser amparado por um conjunto de “gatilhos” que permitam seu cumprimento. É uma lógica parecida com a do arcabouço fiscal, em que a meta fiscal é sustentada por uma “escadinha” de restrições às despesas, em caso de descumprimento. Na sugestão apresentada pelo Executivo, a própria superação do limite de 26,5% poderia ser um “gatilho” para disparar as revisões das excepcionalidades da reforma tributária que, de outra forma, serão feitas a cada cinco anos.
Dessa forma, as medidas para garantir que a alíquota do IVA não supere o patamar estipulado seriam acionadas de forma automática. A versão aprovada pelos deputados prevê apenas que, em caso de estouro do teto, o governo envie um projeto de lei complementar para revisar a lista de exceções. No entanto, não impõe nenhum tipo de sanção caso o texto não seja aprovado, o que abre espaço para que a regra não seja cumprida na prática.
Esse mecanismo não estava inicialmente no radar do governo e da cúpula do Congresso, mas foi uma saída política para incluir as proteínas na cesta básica com alíquota zero. A desoneração das carnes vinha enfrentando resistências porque, em tese, provocaria uma elevação de 0,53 ponto percentual na alíquota-padrão, estimada em 26,5% sem considerar essa exceção.
“Objetivo de manter a neutralidade da carga tributária será mantido” — Eduardo Braga
O aumento aconteceria porque a reforma tem como premissa manter a arrecadação atual. Assim, reduzir a tributação de produtos como proteína animal, queijos e medicamentos, como fez a Câmara dos Deputados, teria como consequência o aumento da alíquota-padrão cobrada sobre os demais produtos.
Segundo parlamentares aliados que defenderam a inclusão das proteínas na cesta básica, a contradição entre aumento da lista de exceções e o teto da alíquota poderia ser amenizada com ganhos de eficiência no combate à sonegação, à inadimplência e à judicialização na cobrança dos tributos. Esse ganho pode ocorrer, disse fonte da área técnica, mas vai depender de como ficará estruturada a cobrança do IBS e da CBS.
A ambição do governo é ter um sistema na ponta tecnológica, a exemplo de como são hoje os serviços bancários no Brasil. Isso daria eficiência à arrecadação e faria da tributação sobre o consumo no país a mais moderna do mundo.
As articulações em torno dessas mudanças serão feitas ao mesmo tempo em que a Fazenda dará tração à próxima etapa: a tributação sobre a renda. O tema vem sendo estudado pela área técnica desde o ano passado, mas a proposta começará a ser formatada a partir de agosto. O plano é enviá-la ao Congresso no final deste ano, após as eleições, para discuti-la no primeiro semestre de 2025.
Tão logo foi confirmado oficialmente na relatoria do projeto de regulamentação, o senador Eduardo Braga (MDB-AM) sinalizou a jornalistas que manterá neste caso o objetivo de garantir a neutralidade da carga tributária. Ele também foi o relator da proposta de emenda constitucional (PEC) que estabeleceu a reforma tributária.
A expectativa é que a matéria passe pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) antes de seguir para o plenário do Senado. Como o projeto de lei complementar deve ser alterado por Braga e eventuais emendas de outros senadores, a tendência é que a proposta ainda retorne para a Câmara dos Deputados neste ano. A intenção do governo é concluir a aprovação dessa parte da regulamentação da reforma tributária do consumo até dezembro. Em paralelo, a Câmara ainda debate o projeto do comitê-gestor do novo IBS.
FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR FERNANDO EXMAN, JULIA LINDNER, CAETANO TONET E LU AIKO OTTA – DE BRASÍLIA