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O IBS E A CBS INTERFERIRÃO NA FORMAÇÃO DE CUSTOS E DE PREÇOS DE VENDA DE PRODUTOS E SERVIÇOS?

5 de julho de 2024

Especialista analisa de forma aprofundada como o IBS e a CBS não vão interferir na formação de custos, mas o IBS poderá interferir na formação de preços de venda de produtos e serviços a depender do município de destino.

Uma das preocupações colhidas dos participantes dos módulos da Jornada da Reforma Tributária sobre o consumo, realizada pelo Sescon Campinas, é sobre como ficará a formação de preços de produtos pela indústria, comércio e serviços a partir da entrada em vigor do IBS e da CBS em 01.01.2026.

A justificativa para esta preocupação faz sentido, uma vez que pelo projeto de lei complementar, em discussão no Congresso Nacional, a parcela da alíquota total do IBS a ser fixada pelos municípios poderá ficar diferente para cada município, já que estes entes federativos ficarão responsáveis por determinar a alíquota do IBS que lhes cabem. Claro, esta percentagem poderá ser balizada pela alíquota de referência a ser fixada pelo Senado da República e, em caso de o município não baixar sua própria lei, será aplicada a alíquota referencial.

A questão de ordem prática também se torna relevante, tendo em vista que o país dispõe atualmente de 5.565 municípios, segundo dados do IBGE. Cabe salientar que a tributação e, por conseguinte, a distribuição da arrecadação do IBS será feita em favor do Município e Estado de destino e não mais no de origem da operação. Assim, para cada operação deverá ser aplicada a alíquota de destino da mercadoria ou do serviço e não mais a de origem.

Neste ponto, a questão que se coloca é como as empresas deverão se preparar para a fixação de preços, uma vez que, no limite, poderá haver 5.565 alíquotas diferentes do IBS fixadas pelos municípios, porquanto, com a EC nº 132/2023, o único ponto que cabe à municipalidade legislar é sobre a alíquota do IBS que caberá ao município. A alíquota final de apuração do IBS será a soma da alíquota do Município acrescida da alíquota do Estado.

Também precisamos responder se haverá uma tabela de preços para cada município de destino, já que para o emitente do documento fiscal o IBS a ser recolhido será custo ou despesa, portanto poderá interferir no preço final.

Vamos lá!

É preciso ter muito claro todos os contornos jurídicos sobre a questão, primeiramente, em relação ao que dispõe a EC nº 132/2024, já que ela trouxe como resultado várias alterações na CF/1988 e que não poderá ser modificada neste momento. Além do mais, é preciso ter em conta o que dispõe no PLP nº 68/2024, que, muito embora, esteja em discussão atualmente nas Casas do Congresso Nacional, pouco interesse se vê entre os parlamentares e bem menos, propostas de alterações. Como o presidente da Câmara dos Deputados vem se manifestando pela deliberação sobre o referido projeto de lei complementar até o início da segunda quinzena de julho do corrente, temos razões suficientes para crer que poucas serão as alterações no PLP nº 68/2024 a serem feitas pela Câmara Federal.

Por isso, é bem razoável considerarmos na presente análise exatamente o que diz a EC nº 132/2023 e o que consta atualmente do PLP em questão, sobre a incidência, alíquotas, bases de cálculo e apuração do IBS e da CBS, cuja entrada em vigor está prevista para 01.01.2026.

Para uma discussão sobre a formação de preços com base nos custos de bens e serviços de consumo pelas empresas é imperativo que tenhamos um grau de segurança mínima sobre como ficará a sistemática de tributação dos novos impostos e se estes interferirão ou não sobre os custos de produção e preços de venda das empresas.

Inicialmente é preciso registrar que os novos impostos serão do tipo IVA (compensação de crédito e débito do tributo) e terão como forma aritmética de cálculo do imposto debitado a aplicação pura e simples de uma alíquota sobre o valor da operação. Na sequência o tributo calculado será somado, no próprio documento fiscal, ao valor do produto ou serviço e ambos deverão ser pagos ao emitente. Ou seja, o cálculo dos tributos será um cálculo matemático dito “por fora”, sem qualquer tributação de imposto sobre imposto. Com a reforma tributária acaba o cálculo do imposto “por dentro” tal como ocorre hoje em relação ao ICMS, ISSQN, PIS e Cofins.

O inciso IX do Art. 156-A da CF/1988, com as modificações trazidas pela EC 132/2023, diz que o IBS:

“IX – não integrará sua própria base de cálculo nem a dos tributos previstos nos arts. 153, VIII, e 195, I, “b”, IV e

(…)” (grifamos).

Já o parágrafo 17 do Art.195 da CF/1988, com as alterações dadas pela EC 132/2023 garante que:

“§ 17. A contribuição prevista no inciso V do caput não integrará sua própria base de cálculo nem a dos tributos previstos nos arts. 153, VIII, 156-A e 195, I, “b”, e IV, e da contribuição para o Programa de Integração Social de que trata o art. 239. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023).

(…)” (grifamos).

Ainda bem que agora os contribuintes têm a garantia de que tanto o IBS quanto a CBS não incidirão sobre suas próprias bases de cálculo, ou seja, matematicamente, os novos impostos deverão obrigatoriamente serem calculados “por fora” e não mais “por dentro” como ocorrem hoje com os impostos sobre o consumo.

O parágrafo 2º do Art. 12 do PLP 68/2024 ratifica a garantia constitucional de que o IBS e CBS não integrarão a sua própria base de cálculo, conforme transcrito abaixo:

“§ 2º Não integram a base de cálculo do IBS e da CBS:

I – o montante do IBS e da CBS incidentes sobre a operação;

(…)” (grifamos).

Quanto às alíquotas, a União deverá fixar a percentagem da CBS e os Estados, municípios e o DF definirão, de forma diferenciada, as suas próprias alíquotas, conforme prevê o Art. 14, incisos de I a IV do PLP 68/2024, como segue:

“Art. 14. As alíquotas da CBS e do IBS serão fixadas por lei específica do respectivo ente federativo, nos seguintes termos:

I – a União fixará a alíquota da CBS;

II – cada Estado fixará sua alíquota do IBS;

III – cada Município fixará sua alíquota do IBS;

IV – o Distrito Federal fixará sua alíquota do IBS, que corresponderá à soma da alíquota estadual e municipal.” (grifamos).

Portanto, de acordo com os dispositivos legais acima, o IBS e a CBS serão calculados “por fora”. Isto faz toda a diferença para a fixação de critérios de formação de preços com base nos custos para bens e serviços de consumo, exatamente por não haver mais a contaminação de impostos incidentes nas operações de saída sobre o custo de produtos vendidos (CPV), o custo de mercadorias vendidas (CMV) ou o custo de serviços prestados (CSP).

A metodologia utilizada pelo IVA, mesmo sendo dual, garante que a soma do valor pago por todos os agentes econômicos, em cada uma das etapas de industrialização e/ou comercialização, seja igual ao valor cobrado do consumidor final. O montante do tributo devido e pago por todos os contribuintes intermediários (fabricante de insumos, industrial, comercialização no atacado e no varejo), tomados individualmente, importam no mesmo valor do imposto pago pelo consumidor final do produto ou serviço. Este ponto é importante e será retomado mais abaixo.

O leitor mais desavisado poderá achar que está havendo um duplo pagamento do IVA: a) o IVA pago individualmente pelos agentes de cada etapa da produção e comercialização e b) o IVA pago pelo consumidor final.

A resposta é não!!

O valor do IBS e CBS cobrado do consumidor final pelo último elo da cadeia de produção e distribuição (varejo) cumprirá o papel de “ressarcir” / “compensar” todos os débitos pagos pelos agentes econômicos em cada elo da cadeia produtiva, no momento das aquisições.

Por exemplo, o valor do IVA dual recebido do consumidor final pelo varejo (último elo da cadeia), através do documento fiscal por ele emitido, servirá para quitar o seu próprio imposto devido (débito menos crédito) e o restante será destinado à compensação do valor do imposto que lhe foi debitado e pago no ato da compra. Esta é a contrapartida financeira do tal ressarcimento de custo tributário, que do ponto de vista do regramento jurídico, dá ao varejo o direito de crédito do imposto pago na etapa anterior. Por esta razão, do ponto de vista econômico, se justifica a sua dedução de imediato do CPV ou CMV.

Isto ficará mais claro com o exame detido nos números do quadro 1 abaixo, onde são dispostos os valores das operações e impostos devidos por um produto que contém 4 etapas entre a produção e a venda a varejo ao consumidor final.

Suponha o mercado de camisas de algodão, com 4 etapas de produção e comercialização bem definidas: (1) produtor rural do algodão, (2) tecelagem, (3) indústria de roupas e (4) varejo. Suponha também que o IVA dual neste caso seja de 27%, correspondendo à soma das alíquotas do IBS (Estado + Município) e da CBS. Vamos supor ainda que o preço de venda (receita bruta das operações) de cada agente econômico seja de:

(a) Produtor rural: venda de algodão R$ 20;

(b) Tecelagem: venda do tecido R$ 45;

(c) Indústria de roupas: venda de camisa ao varejo R$ 80 e

 (d) Varejo: venda de camisa ao consumidor final R$ 150.

Quadro único. FUNCIONAMENTO DO IMPOSTO DO TIPO “IVA”. Valores em R$

Etapa 1 Etapa 2 Etapa 3 Etapa 4
Produtor Rural Tecelagem Indústria Roupas Varejo
Produz e Vende Algodão Produz e Vende Tecido Produz e Vende Camisa Loja Compra e Vende Camisa
Preço Venda  20 Preço Venda 45 Preço Venda 80 Preço Venda 150
IVA 27%             5,40 IVA 27%                  12,15  IVA 27%               21,60  IVA 27%                40,50
Total                   25,40 Total                      57,15  Total                 101,60  Total                  190,50
Apuração IVA   Apuração IVA    Apuração IVA    Apuração IVA  
VA= 20 – 0 = 20     20,00 VA= 45-20 = 25         25,00  VA= 80 – 45 = 35     35,00  VA= 150 – 80 = 70      80,00
IVA 27% s/ 20 = 5,40 ou 5,40 – 0 = 5,40      5,40 IVA 27% s/ 25 = 6,75 ou 12,15 – 5,40 = 6,75          6,75  IVA 27% s/ 35 = 9,45 ou 21,60 – 12,15 = 9,45       9,45  IVA 27% s/ 70 = 18,90 ou 40,50 – 21,60 = 18,90     18,90
5,40 6,75 9,45 18,90  40,50

 Fonte: Cálculos do autor.

Teremos então no Quadro 1 acima os seguintes dados de apuração do IVA dual (IBS + CBS) da primeira etapa de produção (produtor rural): o IVA será de 27,0% sobre o preço de venda do algodão (receita bruta) de R$ 20, o que resulta em R$ 5,40.  O valor do documento fiscal a ser emitido pelo contribuinte é de R$ 20 para o produto (receita bruta) e IVA de R$ 5,40, calculado “por fora”, resultando num total de R$ 25,40. Este último valor será recebido por este contribuinte no ato da venda.

É importante frisar sempre que a apuração do IVA, no caso brasileiro, será feita pelo confronto de imposto contra imposto, ou seja, o IBS e a CBS devidos ou a recolher correspondem à diferença entre o imposto devido pela venda e o seu correspondente crédito pela aquisição. Excepcionalmente no caso deste contribuinte, o IVA dual devido é o mesmo valor cobrado do seu cliente, uma vez que, por suposição, o produtor rural não terá crédito algum a compensar, por ser o primeiro elo da cadeia de produção de camisas.  Ou seja, toda sua receita corresponde ao valor que adicionou (agregou) nesta etapa de produção.

Já a tecelagem, ao adquirir o algodão, poderá e deverá tomar o crédito do IVA dual debitado no documento fiscal emitido pelo produtor rural. A tecelagem fará a seguinte apuração do tributo: (a) o IVA devido será os 27% aplicados sobre sua receita bruta de R$ 45, resultando em R$ 12,15. Nesta etapa a tecelagem irá cobrar do seu cliente o valor do produto de R$ 45, acrescido de R$ 12,15, a título de IVA, o que resultará numa entrada de recursos de R$ 57,15.  (b) o IVA devido será então o débito dos R$ 12,15 descontado o crédito do IVA debitado na etapa anterior de R$ 5,40, ocasionando um imposto devido de R$ 6,75 (R$ 12,15 menos R$ 5,40 = R$ 6,75).

Isto prossegue assim até chegarmos à última etapa de produção e comercialização (loja de varejo), que vende a camisa por R$ 150, debita e cobra do seu cliente (consumidor final) o IVA de 40,50 (R$ 150,00 x 27,0% = R$ 40,50), encerrando a emissão do documento fiscal no total de R$ 190,50. A apuração do IVA (IBS + CBS) no caso será o débito de R$ 40,50 menos o crédito da etapa anterior de produção (indústria de roupas) no valor de R$ 21,60, o que resulta em R$ 18,90 (R$ 40,50 menos R$ 21,60 = R$ 18,90).

O ponto relevante que aqui merece destaque é o fato de que sempre o valor total dos créditos do imposto tomados individualmente por esses contribuintes será o valor do IVA pago pela totalidade dos insumos aplicados na produção, produtos, mercadorias adquiridas ou serviços tomados. Se bem que esta condição só é válida na hipótese de uma efetiva estrutura de IVA de “não cumulatividade plena”, como consta em um dos princípios elencados à CF/1988 pela EC nº 132/2023, que criou a reforma tributária sobre o consumo. Por isso torna-se importante os contribuintes, por meio de suas associações de classe, permanecerem sempre vigilantes, a fim de que estes princípios constitucionais sejam efetivamente aplicados.

Seguindo o curso do raciocínio, no exemplo acima, o consumidor final da camisa pagou ao varejista o IVA de R$ 40,50, mas o contribuinte desta etapa só recolheu aos cofres públicos o valor de R$ 18,90.

Para fecharmos o circuito, é necessário responder à seguinte pergunta: Com quem ficou e porque houve a diferença de R$ 21,60 (R$ 40,50 – R$ 18,90 = R$ 21,60) na última operação? O valor simplesmente ficará com o próprio contribuinte desta etapa (varejista) da cadeia de produção para se ressarcir/compensar do IVA pago ao contribuinte da etapa anterior (indústria de camisa). Por sua vez, a indústria irá recolher o IVA apurado de R$ 9,45, porém recebeu de seu cliente os R$ 21,60, ficando a diferença de R$ 12,15 para o ressarcimento/compensação do IVA pago pela compra à tecelagem. Na sequência, a tecelagem cobrará da indústria de camisa um IVA de R$ 12,15, mas recolherá apenas o IVA apurado de R$ 6,75. A diferença de R$ 5,40 ficará com a própria tecelagem para se ressarcir/compensar das despesas com o IVA pago na etapa anterior (produtor de algodão).

É fácil perceber que o valor do IVA devido em cada uma destas etapas de produção e comercialização é o equivalente à alíquota do IVA de 27,0% aplicada sobre o valor adicionado em cada uma destas etapas.

Com o produtor rural de algodão não será diferente. Os R$ 5,40 são exatamente a aplicação de 27,0% do IVA sobre o valor da sua própria receita (R$ 20) e que, por suposição do exercício, corresponde ao seu valor adicionado na cadeia produtiva.

O corolário de todo o processo de operacionalização do IVA, como descrito acima é: A soma do IVA apurado e recolhido em cada uma das etapas de produção será sempre equivalente ao IVA cobrado do consumidor final;

  1. Não obstante o valor do IVA recebido do consumidor final pelo contribuinte da última etapa da cadeia de produção e comercialização não seja recolhido integralmente ao erário público, o valor permanecerá com este contribuinte e servirá para o ressarcimento/compensação do imposto pago como adquirente e a diferença, recolhida em favor do erário. Por isso, na determinação dos custos deverá ser feita a dedução do imposto pago como adquirente de insumo, produto, mercadoria ou de serviço tomado;
  2. A afirmativa da letra “b” acima é válida para cada um dos elos da cadeia produtiva;
  3. Portanto, o valor pago pelos contribuintes e apontado nos documentos fiscais não é custo de produção e nem despesa para o adquirente, porquanto será sempre deduzido na apuração de custos, por gerar crédito naquela etapa da cadeia. Mesmo que haja desembolso pelo contribuinte do valor do IVA destacado no documento fiscal, este não será custo de produtos vendidos, custo de mercadorias vendidas ou custo de serviços prestados, devendo ser lançado no ativo circulante como impostos a recuperar.
  4. Finalmente, o consumidor que comprou a camisa pagará diretamente ao contribuinte desta etapa da cadeia apenas o IVA de 27,0%, sem qualquer resíduo tributário acrescido no processo. Este valor servirá, portanto, para a anulação de todo imposto pago ao longo da cadeia produtiva, em razão do direito de crédito, sem, contudo, privar o erário do recebimento da sua parte. O Estado receberá de cada um dos contribuintes presentes na cadeia produtiva a sua parcela contributiva no valor de 27% sobre o seu valor adicionado, o que resultará, ao final do processo, nos exatos 27% sobre o preço final da camisa pago pelo consumidor.

Desta forma, independentemente das alíquotas diferenciadas por municípios ou por estados para o IBS, conforme consta do PLP nº 68/2024, não haverá nenhuma interferência nos custos de produção de mercadorias ou serviços, uma vez que o novo imposto em nada interfere nos custos.

O mesmo raciocínio se aplica em relação à CBS. Muito embora, a alíquota da CBS seja fixada pela União como alíquota única em todo o país, porém, na hipótese de alteração, também não haverá qualquer interferência na formação de custos do contribuinte.

Por fim, infelizmente, tudo indica que deverá haver alguma diferenciação na tabela de preços de venda, levando-se em conta alíquotas ou faixas de alíquotas do IBS a serem adotadas pelos municípios de destino. O diferencial de preços de venda por município não deverá ser muito significativo, uma vez que as diferenças de alíquotas entre eles devem ser pequenas. Enquanto isso, em relação ao Estado de destino, não deverá haver diferenciação de preços de venda para aquele território, tendo em vista que a alíquota estadual do IBS será única para cada Estado. Tampouco deverá haver diferenciação de preços de venda em razão da CBS devida na operação, já que também terá alíquota única em todo o país.

FONTE: CONTÁBEIS – POR JOSÉ HOMERO ADABO

 

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