Entidades empresariais se reuniram na FecomercioSP para debater pontos polêmicos do texto e apontar aos relatores do PLP 68 o que precisa ser ajustado. O economista Marcel Solimeo representou a ACSP
Split Payment, cashback, não-cumulatividade, devolução dos créditos… Esses são só alguns pontos polêmicos da reforma tributária que continuam alvos de debates entre governo, parlamentares e entidades representativas de setores da economia.
A complicação é tamanha que levou sete congressistas a elaborarem uma nova redação para o PLP 68, apresentado pelo governo em abril último. Essa alternativa, e os pontos negativos e positivos da reforma em tramitação, foram debatidos na FecomercioSP na última sexta-feira (21).
Entre as principais divergências está a promessa da não-cumulatividade, um dos pilares da reforma, segundo os especialistas: apesar do artigo 156 da Constituição exigir o princípio da neutralidade e a compensação do tributo cobrado (exceto sobre as operações de uso e consumo), os especialistas questionam se o PLP 68 assegura esse princípio plenamente.
E o split payment, que prevê o recolhimento do tributo na liquidação financeira: não seria temerário construir um sistema tributário baseado na sistemática, já que ele é complexo e sem garantia de eficiência? Com a restrição do crédito para o efetivo pagamento do tributo, como será afetado o fluxo de caixa da empresa em aquisições a prazo?
Considerando que mais de 90% das empresas do país são optantes do Simples, também é imprescindível discutir os impactos de uma possível perda de competitividade se elas forem tributadas pelo regime único e inseridas no meio da cadeia produtiva. Sem contar a indefinição de alíquota (a reforma prevê o IVA com alíquota de 26%). Ou ainda a restrição de créditos do PIS/Cofins ao tributo efetivamente pago.
Economista-chefe da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), Marcel Solimeo, que participou do encontro, citou o economista holandês Jan Tinbergen para dizer que, na reforma, todos estão perseguindo vários objetivos e a simplificação com um único instrumento. Mas isso cria contradições entre objetivos, por isso estamos experimentando grandes dificuldades.
“O grande problema da reforma está na concepção: além de desrespeitar o pacto federativo, complica em vez de simplificar. Por isso estão tentando mudar tudo isso agora, e o que resta fazer é tentar ver o que daria para amenizar.”
Veja a seguir os pontos mais sensíveis da reforma apontados pelas entidades que participaram do debate, apresentados para o deputado federal Luis Gastão (PSD-CE), um dos sete relatores da modificação do PLP 68. Ele se comprometeu a apresentar as propostas ao grupo, e fazer um parecer o quanto antes, já que a previsão é apresentar o novo texto até o próximo dia 13 de julho.
ADVOGADOS TRIBUTARISTAS, representados pela Abat
Citando a polarização entre os entusiastas, pelo caráter disruptivo de tributação no destino pela não-cumulatividade plena, e os críticos da atual reforma, Halley Henares, presidente da Associação Brasileira de Advocacia Tributária (Abat) destacou como preocupações:
Simplificação: mesmo visando a simplicidade do sistema, há 724 artigos e dispositivos para disciplinar a EC 132. E não há uma redução efetiva de impostos. O IPI, por exemplo, continua, e sua alíquota pode ser aumentada no futuro.
Alíquotas: ainda não está definido um dos aspectos fundamentais do fato gerador. Há apenas um tributo (IVA), dividido em CBS e IBS, da mesma materialidade, que pode gerar interpretações diferentes dos tribunais, gerando insegurança jurídica.
Contencioso: com a tributação no destino, do ponto de vista judicial, como será o lançamento deste tributo? Como será a cobrança, a execução fiscal? Haverá convênio entre as procuradorias? Ou seja, quem vai fiscalizar?
A ‘pegadinha’ do PIS/Cofins: a indefinição sobre como os contribuintes podem aproveitar os créditos até 31 de dezembro de 2026, já que a reforma determina que o acúmulo de créditos e sua compensação será efetuada segundo legislação futura – um cheque em branco, que pode levar a empresa a morrer com os créditos, ou ficar sujeita aos precatórios, alertou Henares.
COMÉRCIO, representado pela ACSP
A preocupação da Associação Comercial de São Paulo, segundo seu economista-chefe Marcel Solimeo, é o fato de a reforma entrar em seara desconhecida, já que nenhum de seus dispositivos novos foi usado no resto do mundo.
Como o split payment. Solimeo lembrou que um relatório da OCDE mostra que esse recurso pode ser útil para alguns produtos, mas para outros burocratiza a empresa e afeta o capital de giro por instaurar o pagamento do imposto no ato da compra. Uma pesquisa com os países-membros do bloco que tributavam pelo IVA mostra que a maioria acabou não adotando o split payment, e quem adotou, usou pouco tempo.
Solimeo lembrou que não há exemplo conhecido de reforma dessa magnitude enfrentando os problemas básicos que essa enfrenta. Por isso, mais do que críticas, há preocupações, e um dos maiores problemas, disse, é o pacto federativo. “Estamos passando por cima do pacto federativo e colocando pontos extremamente problemáticos, como o Conselho Gestor.”
Outro ponto problemático apontado pelo economista é o período de transição, já que não há exemplos no mundo de países com prazo assim longo e com a convivência entre os dois sistemas, o atual e o previsto. Se todos os problemas do ICMS são muito urgentes de se mudar, disse, vamos levar oito anos convivendo com eles, e mais um outro regime. “Tudo isso, para as empresas, cria grandes dificuldades burocráticas, aumenta custos e gera insegurança para os negócios.”
AGRONEGÓCIO, representado pela Faesp
Outra crítica do período de transição entre os sistemas, a jurista Ângela Gandra, representante da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo (Faesp) e diretora do departamento jurídico-internacional da FecomercioSP, considera a reforma “esquizofrênica”. Ela disse que os pontos mais preocupantes dizem respeito à definição da lista de produtos da cesta básica e a alíquota reduzida.
O crédito presumido integral para o produtor não-contribuinte também serviria para dar embasamento para o agricultor, o pequeno produtor, para a agricultura familiar crescer e não ser “sufocada” pela contribuição, destacou. “Também vamos trabalhar para que o imposto seletivo não se torne o grande sabotador de investimentos no agronegócio.”
TRANSPORTE DE CARGAS, representado pela Fetcesp
O setor de serviços, responsável por 65% do transporte de bens e mercadorias que circulam pelo país, que entregou seis propostas de emendas ao PLP 68, não pode ficar esquecido, nem ter tratamento diferenciado, imunidades, isenções ou alíquotas reduzidas na reforma se não for entendido que os bens serão transportados, disse a advogada Valdete Marinheiro, da Federação das Empresas de Transportes de Cargas do Estado de São Paulo (Fetcesp) e vice-presidente do Conselho de Defesa do Contribuinte do Estado de São Paulo (Codecon).
“O transporte de mercadorias ao porto, ao aeroporto, também é uma operação de exportação, e merece o mesmo tratamento das operações com destino de mercadorias ao exterior, que já estão contempladas na reforma tributária”, afirmou.
Aqui, o grande ponto de preocupação são os créditos presumidos de PIS e Cofins, ainda não definidos pela reforma, em relação à subcontratação de transportadores autônomos, não contemplados como contribuintes. Eles têm um custo, e as empresas comerciais pagam tributos sobre combustível, pneu… Mas como vão fazer preço sem saber que crédito terão, questionou.
“O setor de serviços vai ter pouco crédito, e um acúmulo deles. Ainda não se sabe como vai ser devolvido”, disse a advogada. “O adquirente pode efetuar o pagamento do imposto antecipado para garantir crédito, mas eu preciso pagar imposto para ver se terei crédito. Não faz sentido: não existe neutralidade na reforma se a não-cumulatividade não for ampla.”
INDÚSTRIA, representada pela Fiesp
Mesmo com o consenso de que o setor produtivo construiu uma “reforma possível, embora não perfeita”, ela ainda traz preocupações, reforçou Igor Rocha, economista-chefe da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).
Ele também destacou como ponto de atenção o split payment. Se não existe em nenhum lugar do mundo, então é uma preocupação.
Ainda segundo ele, os setores não podem ter um caráter fiscalizatório entre as etapas da cadeia, como prevê a reforma, e o prazo de transição é considerado muito longo, assim como o prazo de devolução de crédito. “Não existe em nenhum lugar do mundo prazo tão longo, e uma vez que você já tem um modelo do IVA, isso precisa ser revertido.”
Outra preocupação da indústria é a isonomia entre os produtos nacionais e importados, já que os de fora hoje têm uma vantagem – vide a questão dos marketplaces. Rocha lembrou que a tônica da Fiesp quanto à reforma tributária é isonomia: se todo mundo pagasse, todo mundo pagaria menos.
Por isso, em sua avaliação, um ponto importante do IVA é a neutralidade, especialmente em relação ao B2B. “Se você prestar operação de uma pessoa jurídica para outra, você toma crédito, e hoje não existe isso.”
MICRO E PEQUENAS EMPRESAS, representadas pelo Sescon-SP
Por atenderem praticamente 100% das micro e pequenas empresas, a preocupação dos contabilistas, segundo o vice-presidente do sindicato da categoria Jorge Segeti, é o Simples Nacional, já que principalmente as empresas de serviços não devem ser contempladas com a não-cumulatividade dentro da reforma. “Existe claramente um desinteresse da Receita Federal na continuidade do Simples, já que toda vez ela cria formas de mexer nesse regime, atrapalhando a pequena empresa.”
Ele destaca como ponto problemático o artigo 38 do PLP 68, que fala do não-crédito do IVA em tudo o que está ligado ao trabalhador, pois não permite créditos de serviços em benefícios contratados, como vale-refeição, plano de saúde ou seguros.
“Isso cria maior dificuldade para quem precisa de contratação CLT e, novamente, vai onerar mais a folha, porque os planos de saúde vão passar pelo IVA, e isso vai encarecê-los ainda mais para a empresa, além de sobrecarregar o SUS.”
Por isso, disse Segeti, o setor pede aos relatores análise cuidadosa desse artigo: enquanto o país precisa de emprego qualificado, a reforma desincentiva benefícios. O mesmo artigo também deixa para regulamentar depois equipamentos de segurança e uniformes, sem definir se vão ou não gerar créditos para as empresas. “Já estamos lutando pela desoneração da folha, mas enquanto isso não acontecer, temos que tomar cuidado para que ela não fique mais cara do que já está.”
Diário do Comércio
FONTE: FENACON – POR FERNANDO OLIVAN