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NOVA FASE DA REFORMA TRIBUTÁRIA PREOCUPA AINDA MAIS

29 de maio de 2024

Realizado na semana passada, em merecidíssima homenagem ao emérito e querido professor baiano Edvaldo Brito, o III Congresso Internacional de Direito Tributário do IAT, presidido pelo professor Tácio Lacerda Gama, teve entre uma de suas principais plenárias dedicada ao tema “O Novo Federalismo Fiscal”.

Essa plenária foi sede de intensos e calorosos debates sobre a reforma tributária do consumo e sobre o primeiro projeto de lei complementar enviado pelo governo ao Congresso Nacional: o PLP 68/24, pelo qual se propõe a instituição do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e do Imposto Seletivo (IS).

O encontro se deu no deslumbrante anfiteatro do espaço L’Occitane, em Trancoso (BA), e contou com a participação de Fernando Facury Scaff, Suzy Hoffmann, Mary Elbe Queiroz, Eduardo Maneira, Lina Santin e Raquel Preto. A mim, coube a condução e o fomento dos debates.

Na plateia, tivemos a satisfação de contar com a presença do professor Eurico de Santi, um dos principais idealizadores da PEC 45/19. A sua determinação e resiliência na condução do projeto lhe renderam merecida salva de palmas ao final do evento.

Prós

Como nas edições anteriores desse já tradicional congresso de Trancoso, a experiência de vivenciar o confronto de ideias ocorrido nesse painel teve o condão de sedimentar, ainda mais, a minha convicção sobre diversos aspectos positivos e negativos dessa reforma, cuja regulamentação se encontra em andamento.

Os aspectos positivos estão, em sua grande maioria, relacionados à ampliação da regência axiológica de todo o Sistema Tributário Nacional, bem como à sensível melhora das regras relativas ao cumprimento de obrigações acessórias por parte dos sujeitos passivos dos tributos cuja instituição se propõe.

De fato, traz grande amparo jurídico ao Sistema Tributário Nacional a menção expressa que a EC 132/23 fez inserir no texto constitucional quanto à necessária observância dos princípios da simplicidade, transparência, justiça tributária, neutralidade, cooperação e defesa do meio ambiente.

No que diz respeito às novas regras relativas ao cumprimento de obrigações acessórias, o PLP 68/24 propõe excelentes inovações, tais como o cadastro único de contribuintes, a unificação das notas fiscais, o preenchimento automático de declarações (com a ressalva de que, diversamente do que dispõe o PLP,  a utilização dos documentos assim preenchidos dependerá de expressa anuência por parte do contribuinte), a possibilidade de centralização da apuração e compensação de créditos e débitos centralizada em um único estabelecimento do contribuinte.

Contras

Se esses aspectos da reforma trazem alento aos contribuintes, há outros que são geradores de indesejada perplexidade ou, no mínimo, de intensa preocupação.

O primeiro desses aspectos diz respeito à forma inadequada como as discussões dessa disruptiva reforma da tributação do consumo estão se dando, tanto no Congresso quanto no Ministério da Fazenda.

No Congresso, já tivemos oportunidade de demonstrar neste espaço o mais absoluto açodamento com que a PEC 45/19 foi examinada e votada na Câmara dos Deputados, sob a presidência do deputado Arthur Lira.

Essa injustificada precipitação deu no que vimos: a aprovação de uma emenda constitucional (EC 132/23) marcada por equívocos, com a criação de:

(a) normas desestruturadas e topograficamente confusas, com regras sobre um mesmo tema (regimes especiais, por exemplo) sendo reguladas ora no texto constitucional (regimes específicos de tributação), ora no âmbito da EC 132/23 (regimes diferenciados), ora em ambos os textos (regimes favorecidos);

(b) normas tecnicamente equivocadas, como aquela que condiciona os créditos de não cumulatividade ao pagamento do imposto pelo elo anterior da cadeia; e

(c) normas inusitadas, como aquela cuja introdução no texto da PEC 45/19 ocorreu já no curso da sua votação na Câmara dos Deputados, conferindo competência aos estados para, por meio de uma esdrúxula contribuição, tributar produtos primários e semielaborados, entre eles o feijão, que integra a cesta básica…

Grupos de trabalho

A regulamentação das novas regras está sendo, agora, elaborada no âmbito do Ministério da Fazenda, por 19 grupos de trabalho (GTs), de cuja composição participaram exclusivamente representantes das Fazendas dos três níveis da Federação. Apesar de solicitações nesse sentido, não foram admitidos nesses GTs quaisquer representantes da sociedade civil ou das diversas categorias de contribuintes, dos mais variados setores.

Não fossem os debates ocorridos no âmbito dos denominados GTs paralelos, criados pela Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE) e da União das Frentes Parlamentares, com o indispensável apoio do grupo Mulheres no Tributário, a sociedade civil não teria tido qualquer espaço de fala para manifestar-se sobre os seus anseios, no que diz respeito às novas regras de tributação.

Essa ausência de diálogo culminou com a apresentação de projetos ao Congresso Nacional, tanto pelo governo quanto pelas frentes parlamentares.

Split payment

O projeto entregue pelo governo (PLP 68/24), além de conter espantosa quantidade de dispositivos (499 artigos) — absolutamente incompatível com a eliminação da complexidade que antes se prometia —, deixa muito a desejar no que tange à clareza das suas disposições. Senão, vejamos a forma pouquíssimo clara com que o artigo 50 conceitua o tão controvertido “split payment”:

“Art. 50. O arranjo de pagamento que disciplina serviço de pagamento baseado em instrumento de pagamento eletrônico deverá estipular que, nas transações de pagamento relacionadas a operações com bens ou com serviços, haja vinculação entre as informações da transação e os documentos fiscais relativos às operações e, quando for o caso, os valores do IBS e da CBS.”

Complicado, não?

O split payment nada mais é do que o procedimento eletrônico pelo qual o pagamento de valores pelo adquirente ao fornecedor, em cada elo da cadeia de circulação de mercadorias e serviços, é realizado de forma dividida, a fim de que o montante correspondente ao preço da mercadoria ou serviço seja direcionado ao seu fornecedor, e o montante correspondente ao tributo por ele devido seja, de imediato, recolhido ao órgão responsável pelo registro dos créditos e débitos inerentes a cada operação, bem como pelo controle de saldos devedores e/ou credores formados em cada período de apuração.

Essa técnica foi testada na Europa, não de forma abrangente como se pretende aplicá-la no Brasil, mas somente em algumas operações e/ou setores específicos.  E, mesmo assim, a experiência foi malsucedida. De fato, em estudo encomendado à Deloitte no âmbito da União Europeia, restou evidenciada a desvantajosa relação custo/benefício decorrente da sua implementação. Tanto assim, que países como a Polônia e a Bulgária, entre outros, desistiram da sua adoção.

Ademais, esse sistema, além de prejudicar o fluxo financeiro das empresas envolvidas, impõe-lhes o pagamento do tributo, mesmo que não concordem com a sua legalidade.  Com efeito, caso o contribuinte discorde da respectiva incidência, seja por que motivo for, só lhe restará repetir o indébito. É a adoção do indesejado solve et repete como forma exclusiva de discussão da legalidade das cobranças feitas. Os autos de infração relacionados aos dois tributos criados serão instrumentos esvaziados nesse novo modelo.

Doações

Outro aspecto causador de preocupação no PLP do governo são as previsões nele constantes de que doações passarão a ser tributadas pelo IBS/CBS, numa flagrante invasão da competência privativa dos estados para fazer incidir o Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doações (ITCMD) nesses negócios jurídicos.

De fato, a competência compartilhada entre estados e municípios para a cobrança do IBS não permite que qualquer deles possa, por meio do novo imposto, tributar negócios jurídicos originariamente atribuídos exclusivamente à competência do outro.

O que se compartilha é tão somente a competência relativa à incidência do IBS, e não a competência tributária outorgada a ambos os entes políticos de forma indiscriminada.

No que concerne à CBS, a invasão perpetrada pela União Federal é ainda mais flagrante.

Eliminar os equívocos

Enfim, são múltiplas e variadas as preocupações e perplexidades que o texto desse PLP nos traz. Certamente, nós nos ocuparemos delas em diversas outras ocasiões neste espaço.

Por ora, resta-nos buscar convencer os parlamentares da necessidade de eliminar os equívocos cometidos, para que, no futuro, não tenhamos que recorrer ao Judiciário com a mesma finalidade.

FONTE: CONJUR – POR GUSTAVO BRIGAGÃO

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