As medidas ajustadas que as empresas usam para apresentar seus números, numa versão alternativa às regras contábeis, podem estar carregadas de uma dose de otimismo.
Pesquisa da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/USP) mostra que 85% das empresas usaram em seus informes o lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda, na sigla em inglês) e 74%, o Ebitda ajustado. A comparação das medidas não contábeis mostra que os valores do Ebitda ajustado foram superiores em 72% dos períodos em que as duas métricas foram divulgadas concomitantemente.
O estudo considerou relatórios trimestrais e anuais de 2014 e 2015 das companhias listadas no IBrX 100, índice da B3 com as 100 ações mais negociadas em bolsa.
Gabriela Vasconcelos de Andrade, mestre em controladoria e contabilidade e autora da pesquisa, concluiu que a ausência de uma regulação sobre o que se deve ou não incluir para a apuração do Ebitda ajustado, bem como a não obrigatoriedade de validação por uma auditoria independente, “podem estar dando espaço para que empresas ajustem mais frequentemente itens negativos em relação a itens positivos, favorecendo o Ebitda ajustado”.
A métrica é muito utilizada para apresentar o resultado da empresa livre de efeitos não operacionais, como baixas contábeis, provisões, correções de erros, entre outros. “Essa é uma reivindicação e prática do mercado, já que a performance operacional e potencial crescimento não podem ser refletidos adequadamente por meio de uma medida única”, comentou Gabriela.
Teoricamente, o número ajustado está mais perto da realidade do negócio e do setor de atuação, já que traz nuanças que escapam às normas contábeis.
O professor e supervisor da pesquisa, Fernando Dal-Ri Murcia, reiterou que o uso do Ebitda e Ebitda ajustado muitas vezes é feito com boa intenção. “Empresa com boa governança às vezes ajusta para dar uma informação melhor.”
Desde 2012, o cálculo “oficial” do Ebitda foi estipulado pela instrução 527 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Entre os pontos previstos, os cálculos devem ter como base números das demonstrações contábeis e os valores acompanhados da descrição, cálculo e justificativa. A norma permite que sejam excluídos itens, desde que apareçam com o termo ajustado e estejam alinhados com períodos anteriores.
Não estão previstas multas, mas a CVM pode solicitar esclarecimentos e instaurar processo administrativo sancionador. Procurada, a autarquia limitou-se a indicar a instrução, sem comentários.
Na pesquisa da FEA/USP, também foi realizado um levantamento sobre a conciliação com o lucro contábil e 37% e 45% das conciliações do Ebitda e Ebitda ajustado, respectivamente, não estavam de acordo com os requisitos. Em 100% das companhias com inconsistências, o Ebitda ajustado foi superior.
Romina Lima, diretora da consultoria e auditoria BDO, admite que, como está fora das normas contábeis, o Ebitda “dá margem de manobra”. No entanto, ressalta que é importante para mostrar ao investidor um evento que foi pontual e não é da realidade operacional, mas as empresas precisam ter “bom senso”, apresentar a informação de maneira clara, detalhada e comparar historicamente.
Ela explicou que dentro do escopo da auditoria independente o Ebitda não é abordado, mas é uma “boa prática”. “Não é necessário, mas as empresas gostam que haja uma validação para mostrar aos investidores que houve verificação e há maior transparência.”
Mauro Cunha, presidente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec), diz que o mais importante na divulgação do Ebitda e seus ajustes é a consistência dos números, divulgação e transparência. “É importante que o
investidor enxergue os números da mesma maneira que a administração”, comentou, ressaltando que a crítica “é válida” pela possibilidade de a métrica não estar bem explicada e levar a conclusões simplistas.
“É preciso ter no Brasil uma discussão de auditoria de métricas não contábeis, muito além do Ebitda, como também de indicadores setoriais. Seria saudável, pelos menos setorialmente, a padronização e segurança dos números”, comentou.
O presidente-executivo da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca), Eduardo Lucano da Ponte, ressalta que o Ebitda ajustado não é contábil, mas sim uma prática do mercado para análise financeira e de investimento.
Ele defendeu que o mais importante é que seja realizado de forma transparente, em base confiável e ressaltou que o analista pode reverter os cálculos, já que há a obrigação de que o Ebitda ajustado seja divulgado junto com o Ebitda da instrução 527. Ponte reiterou que o Ebitda ajustado não tem números “errados”, já que é calculado com dados contábeis.
FONTE: Valor Econômico – Por Marcelle Gutierrez