Ministros podem retomar hoje a análise de norma editada em 2022 para garantir a devolução de créditos da “tese do século” a consumidores
O Supremo Tribunal Federal (STF) pode dar um desfecho hoje ao processo sobre a devolução de créditos de tributos cobrados indevidamente e usados, nos últimos anos, para reduzir reajustes das tarifas de energia. O caso discute a validade de lei federal de 2022 que garantiu o repasse integral desses valores aos consumidores. Segundo fontes afirmaram ao Valor, o julgamento é considerado o principal risco de aumento da conta de luz no curto prazo na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
A discussão da ação direta de inconstitucionalidade (ADI) nº 7324, protocolada pela Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee) em 2022, tem como pano de fundo o julgamento da chamada “tese do século”, que se refere à decisão do Supremo que determinou a exclusão do ICMS do cálculo do PIS e da Cofins.
A entidade questiona a legalidade da Lei nº 14.385, de 2022. A norma determinou à agência reguladora do setor elétrico a devolução aos consumidores dos valores advindos de ações judiciais, transitadas em julgado, que estabeleceram a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins cobrados na conta de energia.
A Aneel já vinha realizando a devolução de tributos de forma excepcional desde 2021, mas não havia uma lei editada sobre o tema. Segundo dados do boletim da agência “InfoTarifa”, divulgado nesta semana, neste ano devem ser devolvidos R$ 5,8 bilhões aos consumidores. Entre 2021 e 2024, foram repassados R$ 44,5 bilhões.
“Os consumidores suportaram o pagamento desse encargo” — Aline Bagesteiro
As empresas, contudo, defendem que parte dos recursos fiquem com elas por terem apresentado as ações judiciais para recuperar os valores pagos indevidamente. Portanto, elas tiveram custos diretos e indiretos para obter de volta o que foi pago a maior. A avaliação de fontes é que, a depender da decisão do Supremo hoje, pode haver uma sinalização contra o modelo de regulação por incentivo. Isso porque as empresas não teriam apelo para atuar em casos como as ações que buscaram recuperar os valores.
O julgamento foi iniciado em setembro de 2024. Porém, foi suspenso por pedido de vista do ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, e pode ser retomado hoje. Por ora, já há maioria formada no sentido de que a lei que prevê a devolução integral aos consumidores é constitucional, com base no voto do relator, o ministro Alexandre de Moraes. Mas os julgadores ainda podem mudar de posicionamento até a conclusão.
Contudo, ainda existem pendências que podem ser resolvidas pelos ministros e influenciar, por exemplo, nos valores que deveriam ter sido devolvidos aos consumidores: prazo de prescrição e o início dessa contagem; e a dedução de gastos das distribuidoras com as ações judiciais – esse último ponto defendido no voto do relator.
O prazo de prescrição representa o tempo de ressarcimento ao qual os consumidores teriam direito. Os ministros irão discutir se deve existir ou não e, caso determinem que sim, qual seria o prazo, de cinco ou dez anos.
Até o momento, o ministro Flávio Dino foi o único que se manifestou contra estabelecer um prazo prescricional. Já os demais ministros que votaram em relação a esse ponto se dividem entre um limite de cinco ou dez anos.
O advogado André Edelstein, sócio do escritório Edelstein Advogados, destaca que outro ponto de controvérsia diz respeito ao momento inicial da contagem desse prazo. “Existem algumas possibilidades, como a data do pagamento indevido, a da publicação da lei, a do julgamento da chamada ‘tese do século’ ou, ainda, da própria ADI 7324”, explica.
“Esse marco inicial será determinante para definir quem se apropriará, de forma definitiva, do benefício. Quanto maior o prazo, maior a vantagem para o consumidor, que terá direito a uma devolução mais ampla. E vice-versa”, acrescenta ele.
Nos dois casos, com prazo de cinco ou de dez anos, os consumidores teriam que “devolver” valores às distribuidoras, já que o desconto que vem sendo aplicado considerou todo o período em que elas pagaram ICMS na base do PIS e da Cofins e não um recorte específico com base na regulamentação – e a maior parte já foi devolvido aos consumidores como desconto em tarifa.
“Caso haja uma decisão a favor da prescrição, os resultados dos reajustes tarifários futuros poderão ser majorados, tendo os consumidores de devolver recursos às distribuidoras”, aponta a Agência Nacional de Energia Elétrica.
A conta de energia elétrica poderá aumentar, em média, 20%, a depender do que for decidido, segundo nota técnica da Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia e Consumidores Livres (Abrace), parte interessada na ação. Essa é a estimativa para prescrição em dez anos. Se forem cinco, a estimativa de impacto médio nas tarifas de energia varia de 5% a 8,2%, a depender de quando começará a ser contado o prazo prescricional.
A diretora jurídica da associação, Aline Bagesteiro, defende o repasse integral dos valores aos consumidores. “Foram eles que suportaram o pagamento desse encargo”, afirma.
A advogada Andrea Mascitto, sócia do Pinheiro Neto Advogados, aponta que é necessário ter cuidado porque, a partir do momento em que há uma lei que manda a distribuidora devolver ao consumidor via tarifa, não faz sentido correr o risco de algum provimento de ações civis públicas, que são ajuizadas por associações em busca de indenização do valor. “O cuidado é de não haver uma obrigação de devolver em duplicidade.”
Procurada pelo Valor, a Abradee informou que “acompanha com atenção a tramitação sobre o assunto no Supremo Tribunal Federal”.
FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR MARLLA SABINO E BEATRIZ OLIVON – DE BRASÍLIA