No contexto da reforma tributária, a Emenda Constitucional nº 132/2023 acrescentou o inciso VIII ao artigo 153 da Constituição, inserindo nova competência à União para instituir, mediante lei complementar, imposto sobre produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente.
Além de introduzir essa nova competência, a Emenda Constitucional também acrescentou o § 6º ao artigo 153, estabelecendo as principais diretrizes que orientam a estrutura e a aplicação do novo imposto, dentre as quais, destaca-se a sua forma de incidência única sobre os bens e serviços.
Nesse sentido, o legislador constituinte, ao reformular o desenho constitucional do sistema tributário nacional, incluiu a previsão de um novo imposto, aparentemente, com nítido caráter extrafiscal e estrita seletividade, voltado a incidir uma única vez sobre produtos notoriamente prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.
Basicamente, os contornos constitucionais do imposto evidenciam o interesse do Estado brasileiro em adotar práticas mais modernas no tratamento tributário do consumo, por meio de um imposto seletivo voltado à oneração de bens considerados prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente.
Ressalte-se, contudo, que a simples elevação do preço não garante, por si só, a efetiva redução do consumo desses produtos. Além disso, a ausência de vinculação da receita arrecadada indica um contrassenso em relação à sua finalidade, uma vez que os recursos acabam sendo destinados ao financiamento geral do Estado, e não à mitigação dos efeitos nocivos gerados pela prática que se pretende desincentivar.
Diante dos contornos constitucionais, a Lei Complementar nº 214/2025 instituiu e regulamentou o Imposto Seletivo, definindo, principalmente, os bens e serviços considerados prejudiciais ao meio ambiente e à saúde, como: veículos, embarcações e aeronaves, produtos fumígenos, bebidas alcoólicas, bebidas açucaradas, bens minerais, concursos de prognósticos e fantasy sport.
Contudo, ao assim proceder, a legislação não estabeleceu de forma expressa e objetiva os critérios para a definição do que se considera bem ou serviço prejudicial à saúde ou ao meio ambiente, trazendo taxatividade aos itens indicados na legislação complementar e eventual discrepância no que concerne aos bens que estão sujeitos e os que não estão sujeitos ao imposto seletivo.
Incidência única
Além disso, o Imposto Seletivo ainda suscita outras controvérsias, dentre as quais se destaca a discussão em torno da chamada “incidência única”. Isso porque, em relação à forma de incidência do Imposto Seletivo, o artigo 410 da LC nº 214/2025 reforçou a incidência única do imposto, determinando que o fato gerador ocorre no primeiro fornecimento a qualquer título do bem, na arrematação em leilão público, na transferência não onerosa do bem produzido, na incorporação do bem ao ativo imobilizado pelo fabricante, na extração de bem mineral, no consumo do bem pelo fabricante, no fornecimento ou do pagamento do serviço e na importação de bens e serviços, nos termos do artigo 412 da LC nº 214/2025.
Assim, a Lei Complementar nº 214/2025 estabeleceu as especificidades da incidência única do imposto, definindo o momento de sua ocorrência e vedando expressamente qualquer tipo de aproveitamento de créditos com operações anteriores ou geração de créditos para operações posteriores. Com isso, fica clara a inaplicabilidade do princípio da não cumulatividade para o Imposto Seletivo.
Ocorre que, nos moldes em que foi estruturado, poderão surgir situações em que o Imposto Seletivo incidirá mais de uma vez ao longo da cadeia de produção de determinada mercadoria, desde que tanto os insumos quanto o produto final estejam sujeitos ao Imposto Seletivo. Um exemplo é a tributação dos minerais, cuja extração está sujeita à incidência do IS, nos termos do artigo 409, § 1º, I e artigo 412, V, da LC nº 214/2025. Esses minerais, por sua vez, podem sem utilizados na fabricação de veículos automotores, os quais também estão sujeitos à tributação do imposto, conforme artigo 409, § 1º, VI, da LC nº 214/2025, o que pode ensejar a incidência em diferentes etapas da cadeia produtiva.
Sobre o tema, a legislação complementar previu uma exceção com o objetivo de evitar que uma cadeia fosse onerada duas vezes pelo IS: trata-se do gás natural (bem mineral), quando utilizado como insumo ou como combustível para transporte (artigo 423), hipótese em que a alíquota do imposto é reduzida a zero. Assim, um industrial que produz uma mercadoria sujeita ao IS pode adquirir gás natural com alíquota zero, desde que o utilize como insumo no seu processo produtivo.
No entanto, cabe uma indagação: não teria sido justamente a intenção do legislador promover a repercussão de custos nos casos em que determinados produtos utilizam, em sua composição, bens ou insumos prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente? Nesse sentido, a premissa adotada para a instituição do tributo poderia refletir uma lógica voltada ao desestímulo da utilização desses itens como insumo, mediante uma imposição de ônus fiscal ao longo da cadeia produtiva.
Isso porque, embora se afirme que o Imposto Seletivo possuirá incidência única, a geração de novos produtos acabados que contenham, em sua cadeia produtiva, itens já tributados pelo IS poderiam ensejar novas incidências, de modo que haveria o encarecimento do produto, refletindo um “sobrepreço” proporcional ao grau de utilização de componentes nocivos, o que reforçaria o viés extrafiscal do tributo.
Assim, embora a Lei Complementar nº 214/2025 contenha previsão expressa quanto à impossibilidade de apuração de crédito sobre as aquisições, com o claro objetivo de reforçar a não cumulatividade do Imposto Seletivo, entendemos que o diploma legal não afasta a possibilidade de incidência do tributo em diferentes etapas da cadeia produtiva, já que os bens tributados podem ser utilizados como insumos na fabricação de novos produtos que, por sua vez, também podem estar sujeitos à incidência do imposto, o que pode ensejar múltiplas tributações sobre uma mesma cadeia econômica.
FONTE: CONSULTOR JURÍDICO – POR SERGIO VILLANOVA VASCONCELOS