O artigo 64 da recente Medida Provisória (MP) nº 1.303/2025 promoveu uma ampliação importante nas hipóteses de compensações tributárias consideradas como “não declaradas”, ou seja, aquelas em que, a partir de um juízo de mera discordância de uma autoridade fiscal federal, os débitos compensados são diretamente encaminhados para inscrição em dívida ativa. A discreta introdução de duas alíneas no inciso II do § 12 do artigo 74 da Lei nº 9.430/1996 permitiram essa alteração.
Foram acrescentadas as seguintes hipóteses de compensações não declaradas: as baseadas em pagamento indevido ou a maior com fundamento em documento de arrecadação inexistente; e as relativas a créditos da não cumulatividade da Contribuição ao PIS (Programa de Integração Social), Pasep (Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público) e da Cofins (Contribuição para Financiamento da Seguridade Social) que não guardem qualquer relação com a atividade econômica do sujeito passivo.
Na prática, a ampliação das situações envolvendo compensações tidas por não declaradas tende a representar uma forma indireta de livrar a União da obrigação de devolver valores pagos a maior ou indevidamente pelo contribuinte. Ou, no mínimo, a partir da MP, é provável que haja um diferimento na devolução de valores devidos pela União.
Tanto se justifica pelos impactos que o contribuinte que ousar exercer o direito de compensar diante destas duas novas hipóteses deverá suportar, os quais certamente demandarão cuidadosas preparação e avaliação. Será necessário, a partir de agora, não só muito mais atenção à retificação de obrigações acessórias (tema amplamente debatido administrativa e judicialmente) como também a difícil interpretação das restrições à utilização de créditos de PIS e Cofins diante das particularidades das operações de cada contribuinte.
Insegurança jurídica
Quanto a este último ponto, especialmente, o emprego de conceitos jurídicos indeterminados, como os contidos na expressão “não guardar qualquer relação com a atividade econômica”, introduz um grau elevado de insegurança jurídica, na medida em que abre margem para a Receita Federal, quer de forma discricionária, quer de forma juridicamente equivocada, rejeitar contundentemente compensações legítimas, com a imediata exigibilidade dos débitos. E quiçá tenha sido este mesmo o objetivo do Executivo federal, em busca de alívio orçamentário às custas da inibição do livre exercício de direito regular do contribuinte.
A sistemática introduzida pela MP 1.303/2025, por ter se valido do uso de cláusulas abertas e conceitos jurídicos indeterminados na definição de hipóteses legais que trazem consequência jurídica tão grave quanto o enquadramento de uma compensação como não declarada, parece afrontar o devido processo legal, na medida em que impede o contribuinte de discutir administrativamente a validade de seu crédito antes de ser compelido a garantir o débito e ajuizar a respectiva ação anulatória de débito fiscal (lembrando que não lhe restou a oportunidade de embargar execuções fiscais que tenham por fundamento débito originário de compensação).
Entre as consequências da supressão ao devido processo legal administrativo, estão, portanto, assumir desde logo os custos financeiros inerentes ao desejo ou à necessidade do contribuinte de se manter em situação de regularidade fiscal, além dos riscos de sucumbência trazidos pela ação judicial.
Decisões no STF
Limitações ao exercício do direito de compensação como as promovidas pela MP 1.303/202 já foram repudiadas pelo STF (Supremo Tribunal Federal), como no caso do Tema 736 da Repercussão Geral e da ADI 4905. Na oportunidade, em decisão unânime, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade da multa isolada de 50% sobre compensações não homologadas.
Para o relator, ministro Edson Fachin, o artigo 74, §17 da Lei nº 9.430/1996 viola o devido processo legal em suas dimensões processual e substancial. Segundo ele, não há garantia adequada aos contribuintes no exercício de seus direitos durante o processo administrativo fiscal. Além disso, a regra não atende aos princípios de eficiência e justiça fiscal, prejudicando a legitimidade da tributação.
Já para a ministra Carmen Lúcia, a multa prevista no dispositivo tem caráter intimidatório e desestimula o contribuinte a exercer seu direito de petição, mesmo quando há boa-fé. Para ela, a norma não diferencia erros técnicos de fraudes deliberadas, punindo igualmente quem age corretamente. A ministra defendeu ainda que a multa de 50% é desproporcional, pois não exige comprovação individual de má-fé para ser aplicada.
Seguindo a ratio do referido julgamento, não parece exagero afirmar que as inovações introduzidas MP 1.303/2024 impõem ao contribuinte um obstáculo desarrazoado e desproporcional ao exercício do direito de petição e de repetição mediante compensação do indébito tributário, criando um ambiente de incerteza e risco incompatível com os princípios constitucionais da segurança jurídica, do contraditório e da ampla defesa.
FONTE: CONSULTOR JURÍDICO – POR LÍVIA TROGLIO STUMPF