O apelo a tributos regulatórios como fonte de receita é um marcador inelutável de uma política fiscal que tem no improviso um verdadeiro programa de ação, disposta a agravar o custo do crédito sem maiores acanhamentos para que o colapso às portas dos próximos exercícios fiscais pareça cada vez menos iminente.
O mal estar com os decretos que majoraram a alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras movimentou a sociedade política em torno de alternativas menos canhestras ao socorro das finanças públicas, materializadas enfim na MP nº 1.303/2025. Não obstante a edição da medida provisória, o governo federal não recuou quanto ao Decreto 12.499, o mais recente na guerra do IOF, e a recíproca é verdadeira da parte do Congresso Nacional, que efetuou o primeiro disparo de advertência no dia 16 de junho ao aprovar requerimento para que o Projeto de Decreto Legislativo nº 314/2025 tramite em regime de urgência.
O PDL nº 314/2025 é um dentre tantos que impugnam o Decreto 12.499, e o saldo da votação pelo regime de urgência é um retrato infalível do sentimento parlamentar que imbuirá a apreciação do mérito.
Constitucionalidade de decreto
Em texto recente nesta Conjur, Carlos Frederico Alverga argumenta, apoiado na disciplina constitucional do tributo em debate, que o Poder Executivo não exorbitou os limites do poder regulamentar, sendo o Decreto 12.499 constitucionalmente válido em detrimento, por conseguinte, da constitucionalidade de eventual decreto legislativo que venha a sustá-lo.
Sustenta em adição que:
um último aspecto que os juristas têm levantado é o de que o IOF não poderia ser utilizado porque seria um tributo regulatório, logo não poderia ser utilizado com intuito arrecadatório, para aumentar a receita tributária pública. Contudo, creio que seja mais uma construção doutrinária, na lei não consta referência a esse assunto.
Com efeito, o controle do poder regulamentar pelo legislador, na forma do artigo 49, V, da Constituição não deve ser movido por insatisfação, aborrecimento ou pelo exercício em si mesmo do direito de oposição. No entanto, o tratamento constitucional do imposto em análise não são os únicos parâmetros que abalizam a sua validade.
O regulamento, independentemente da espécie, é primeiramente um ato administrativo, sujeito, portanto, à legalidade sacramentada pelo artigo 37, caput, da Constituição. Em que pese o argumento no sentido de que a vocação regulatória do IOF seria uma construção doutrinária, não é esse o sentido do artigo 65 do Código Tributário Nacional, o qual secunda a habilitação do Poder Executivo para alterar a alíquota do imposto em referência, porém, a fim de ajustá-lo aos objetivos da política monetária. [1] Longe, portanto, de uma veleidade concebida pela doutrina aplicável.
Desvio de finalidade
Assim, a deturpação do IOF para responder a calamidades orçamentárias consubstancia flagrante desvio de finalidade, fulminando, consequentemente, a sua validez constitucional à luz do artigo 37, caput, da Constituição. Quanto ao desvio de finalidade no direito tributário, invoquemos as considerações de Tércio Sampaio Ferraz Jr [2], segundo o qual:
no caso dos impostos, haverá inconstitucionalidade por desvio de finalidade quando e se a lei instituidora do imposto pretender alcançar objetivo diverso do que lhe é dado pela norma constitucional atribuidora de competência, com o fito de provocar finalidade prevista para outro tipo de tributo, adequada a este em virtude dos correspondentes meios. (…)
A ofensiva congressista prenuncia uma resposta enérgica do legislador, a qual, evoluindo para um litígio constitucional, ensejará desdobramentos importantíssimos para o direito público brasileiro quanto à margem regulamentar franqueada ao chefe do Poder Executivo, oportunizando, sem embargo, o engajamento dos três Poderes a um promissor diálogo institucional em favor de soluções responsáveis para a espiral em que sangram as contas públicas.
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[1] SENADO FEDERAL. LEI Nº 5.172. Brasília, 1966.
[3] FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio.Direito Constitucional: liberdade de fumar, privacidade, estado, direitos humanos e outros temas. São Paulo: Manole, 2007, p. 364
FONTE: CONSULTOR JURÍDICO – POR PEDRO MERHEB