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CARF ANULA MULTAS MILIONÁRIAS APLICADAS EM IMPORTAÇÕES

17 de junho de 2025

Decisões, que beneficiam a Unilever e a Richemont, foram proferidas por colegiado especializado em questões aduaneiras.

A Unilever e a Richemont do Brasil, dona das marcas Cartier e Montblanc, conseguiram afastar no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) multas milionárias aplicadas pela Receita Federal por suposta fraude em importações.  As decisões, da 2ª Turma da 4ª Câmara da 3ª Seção, apontam que é necessário haver provas concretas para a acusação, e não apenas indícios.

O entendimento é importante por ter sido proferido por um dos novos colegiados especializados em questões aduaneiras. Segundo tributaristas, isso poderia aumentar a chance de vitória na Câmara Superior, última instância do Carf, que tem jurisprudência contrária ao contribuinte. Esses conselheiros, afirmam, trazem análises mais precisas e, nos dois casos, indicam que é necessário verificar se a autoridade fiscal foi capaz de apresentar provas inequívocas de que houve ocultação do real adquirente da operação, mediante fraude ou simulação.

No processo da Unilever, a turma derrubou uma autuação de R$ 482 milhões. O caso envolve importações de desodorantes da Argentina. A Receita Federal aplicou multa de 100% sobre o valor aduaneiro, em substituição à pena de perdimento. Para a fiscalização, os produtos foram desembaraçados mediante fraude e simulação, com a ocultação do real interessado (processo nº 18130.720036/2022-15).

A alegação foi a de que as importações já se destinavam à adquirente, a Unilever Brasil (UBR), apesar de terem sido feitas por intermediária, a Unilever Brasil Industrial (UBI), entre janeiro de 2018 e dezembro de 2020. De acordo com o órgão, o intuito da ocultação do real adquirente seria sonegação de tributos, especificamente o PIS e a Cofins, que são recolhidos com base no preço praticado pelo estabelecimento importador, não incidindo no próximo elo da cadeia, a Unilever Brasil, onde, segundo a Receita, se concentra a margem de lucro esperada pelo grupo.

Em seu voto, porém, a relatora do caso, conselheira Mariel Orsi Gameiro, considerou que, para se configurar a infração, não basta a existência de meros indícios, como a proximidade das datas de desembaraço, entrada e saída das mercadorias. Para ela, a fiscalização fez uma análise “presunçosa” de estimativas de custos da mercadoria em comparação aos valores praticados em operação de compra e venda entre UBI e UBR, apontando como mero indício a baixa margem de lucro na operação, e a suposta desvantagem sofrida pela UBI.

“Não se está a negar que o levantamento realizado pela fiscalização em relação aos indícios do presente processo seriam hábeis a ensejar abertura de procedimento fiscalizatório e aprofundamento na produção de provas, mas definitivamente não são suficientes para sustento da acusação de interposição fraudulenta de terceiro punível com a multa substitutiva da pena de perdimento”, afirma no voto.

A conselheira aponta que há diferença entre o direito aduaneiro e o tributário, e a Receita Federal, “de forma equivocada”, usa o pano de fundo da indignação quanto ao planejamento realizado para redução da base de PIS e Cofins para enquadramento em infração aduaneira. O mesmo entendimento foi adotado por ela, como relatora, no caso da Richemont do Brasil (processo nº 10314.720148/2023-89).

A empresa, segundo a Receita, realizou importações de mercadorias com objetivo de ocultar o real adquirente, a RLG do Brasil Varejo. De acordo com a fiscalização, a primeira informava seu próprio nome nas importações, indicando que as mercadorias seriam adquiridas por conta própria, quando, na verdade, tratava-se de operações por encomenda. Isso configuraria uma infração usada como artifício para afastar obrigações tributárias, ocasionando a quebra da cadeia do IPI – a ocultação impediria o recolhimento do imposto pelo preço real de venda dos produtos.

Na autuação, a Receita aponta que a mera existência de um grupo econômico já é indício suficiente à interposição fraudulenta e que as duas empresas funcionam no mesmo endereço e eram administradas pelas mesmas pessoas físicas, no período de outubro de 2015 a agosto de 2020, e cerca de 66% das operações da Richemont eram direcionadas à RLG.

Em seu voto, a relatora indica que a simples antecipação de recursos ao importador de mercadoria estrangeira que age como o real interessado da operação não deve resultar necessariamente na classificação da importação como por conta e ordem de terceiros. Se comprovada a legitimidade e o interesse do importador em adquirir para si as mercadorias importadas, a importação teria ocorrido somente “por conta”, e não “por ordem” de terceiro.

“Engana-se a fiscalização quando se utiliza dessas prerrogativas como fortes indícios para ocorrência de interposição fraudulenta”, afirma a relatora no voto. Segundo a conselheira, os indícios são rotina operacional de grandes grupos econômicos, sem qualquer indicação de fraude. “O cerne da conduta fraudulenta é justamente o contrário: a identificação de pessoas jurídicas que se declaram perante todas as obrigatoriedades legais, totalmente independentes, mas apresentam características que evidenciam a prática de sua atividade econômica através de um grupo empresarial de fato.”

A fiscalização, acrescenta, “se utiliza de subterfúgio para alocar a discordância de uma estrutura empresarial com objetivo de um planejamento tributário no direito aduaneiro, de forma totalmente equivocada, porque nitidamente o pano de fundo da autuação é a quebra da cadeia do IPI, e não interposição fraudulenta, diferenciando-se tais institutos não só pelo estresse existente entre o direito aduaneiro e o tributário, como também pela diferença gritante das provas colacionadas para tais acusações, bem como pela diferença dos argumentos técnicos a serem utilizados”.

Em nota, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) informa que são julgamentos isolados, que deverão ser reformados na Câmara Superior. Segundo o órgão, o entendimento consolidado do Carf é que deve ser aplicada a multa substitutiva à pena de perdimento em casos de interposição fraudulenta de terceiros, sem que seja necessária a comprovação de prejuízo no recolhimento de tributos e contribuições. A Fazenda cita o entendimento da Súmula nº 160.

“Nesse tipo de autuações, o Fisco apresenta diversos indícios que, juntos, formam um corpo probatório robusto acerca da existência de interposição de terceiros na importação. O Carf, ao julgar esses casos, tem manifestado entendimento favorável às acusações fiscais de interposição fraudulenta e mantido os autos de infração”, afirma o órgão.

O advogado e ex-conselheiro da Câmara Superior Caio Quintella, destaca que a discussão é interessante porque, nos casos, a turma especializada que julga o tema aduaneiro apresenta parâmetros de segurança para o que seria simulação e fraude na operação de importação, diferenciando do que é planejamento tributário abusivo ou simplesmente não aceito pelo Fisco, que sempre foi uma definição problemática. “Exigir provas concretas é muito diferente de discutir abuso ou ilegalidade do planejamento”, diz.

Ainda segundo o advogado, o mero questionamento e não aceitação de validade da estrutura de planejamento tributário não se confunde nem basta para caracterizar fraude e simulação. “Na decisão há exigência específica para caracterizar infração específica que demanda conjunto probatório muito mais robusto que o Carf aceita para desconsiderar planejamento tributário.”

“A fiscalização não conseguiu demonstrar que teria havido ocultação proposital por parte dos sujeitos dessa operação”, afirma Leandro Alves, especialista em Direito Tributário, do escritório Bento Muniz Advocacia. De forma geral, diz, em matéria aduaneira, o que se tem observado é que as turmas julgadoras têm exigido a demonstração efetiva de indícios apurados na fiscalização. “A palavra do fiscal tem fé pública, mas especificamente para fins de lançamento de multa sancionatória tem sido exigida a comprovação efetiva de fraude ou simulação.”

Procurada, a Unilever informou que não comenta casos em andamento. Representantes da Richemont no Brasil não foram localizados pelo Valor.

FONTE:VALOR ECONÔMICO – POR BEATRIZ OLIVON — DE BRASÍLIA

 

 

 

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