Mudanças na lei 14.754/23 geram insegurança na DIRPF 2025, com falhas no programa da Receita e falta de campos e orientações claras.
A lei 14.754/23 introduziu mudanças significativas na forma de tributação de entidades controladas localizadas no exterior, impactando diretamente o preenchimento da DIRPF de 2025. A expectativa era de que o programa disponibilizado pela Receita Federal trouxesse fichas e campos adicionais para refletir o novo arcabouço legal, de modo a permitir que os contribuintes prestassem informações mais detalhadas sobre os resultados apurados fora do Brasil. Contudo, a versão efetivamente lançada tem frustrado contribuintes e profissionais da área tributária, pois apresenta apenas dois campos específicos direcionados a esses investimentos: um para declarar o lucro sujeito à alíquota de 15% e outro para registrar o valor de eventuais impostos pagos pela própria offshore que possam ser deduzidos do saldo de imposto devido em território nacional.
A frustração decorre da necessidade de prestar informações muito mais complexas e variadas do que a mera indicação de um lucro sujeito à tributação e do valor de impostos estrangeiros. Em determinados casos, entidades controladas no exterior obtêm lucros oriundos do Brasil, isentos ou já sujeitos à tributação na fonte nacional, o que tornaria redundante submeter tais montantes a uma nova incidência de imposto. Na prática, o contribuinte que observa esse tipo de situação não encontra, na declaração atual, um campo específico para registrar esse fato com a clareza necessária, correndo o risco de efetuar o recolhimento indevido de um tributo ou ser obrigado a buscar retificações posteriores.
Outro ponto que preocupa diz respeito às controladas que registram prejuízo em determinado exercício. Diversos dispositivos legais permitem a consideração de resultados negativos com a finalidade de compensação em períodos futuros, mas, no programa atual, não há espaço para declarar o montante negativo, tampouco para indicar como esse prejuízo será aproveitado. Esse vazio declaratório gera insegurança, pois impede o contribuinte de demonstrar à Receita Federal que não houve renda efetivamente disponível para tributação. Além disso, levanta temores sobre autuações ou questionamentos futuros, caso a fiscalização venha a entender que a ausência de declaração formal equivaleria a uma omissão de informações.
A situação piora diante do fato de que, faltando aproximadamente um mês para o encerramento do prazo de entrega da declaração, a Receita Federal ainda não divulgou o arquivo de ajuda ou instruções específicas para orientar os contribuintes quanto ao correto preenchimento. Nos anos anteriores, o manual explicativo costumava ser disponibilizado junto do programa, esclarecendo pontos controversos e facilitando o entendimento de novidades legislativas. Agora, porém, a falta de instruções oficiais deixa profissionais, sejam advogados tributaristas ou contadores, com dificuldade para orientar seus clientes, e faz com que pessoas físicas sem assistência especializada sintam-se ainda mais vulneráveis ao erro involuntário.
Muito se especula que a limitação do programa de preenchimento decorra do escasso intervalo de tempo entre a publicação da lei 14.754/23 e a necessidade de adaptação do software. Também não se pode ignorar que houve greve de auditores fiscais durante o período de desenvolvimento, o que teria contribuído para a lentidão e a elaboração de uma versão parcial do sistema. Fica, portanto, a impressão de que a solução apresentada seja provisória, servindo apenas para atender minimamente às obrigações formais dentro do cronograma. É provável que, em condições ideais, novos campos e fichas tenham sido planejados pela Receita Federal, mas não puderam ser entregues a tempo.
A consequência imediata dessa lacuna de funcionalidades e orientações é o clima de maior insegurança por parte dos contribuintes, que temem tanto a possibilidade de pagar mais imposto do que deveriam quanto a hipótese de serem autuados por divergências ou omissões eventuais. Se o próprio programa não comporta as especificidades trazidas pela lei, como detalhar corretamente as operações realizadas pelas controladas e os resultados efetivamente obtidos? Nesse cenário, muitos optam por soluções improvisadas, acumulando documentos de suporte para eventuais questionamentos administrativos. Outros aguardam, com ansiedade, novas instruções que poderiam, porém, chegar tarde, após o prazo de entrega da declaração.
É importante destacar que a percepção geral do mercado é de que não há oposição quanto à necessidade de prestar dados sobre rendimentos em controladas no exterior. O cerne do descontentamento é a inconsistência entre as normas mais específicas, inauguradas pela lei 14.754/23, e a atual limitação do programa, que parece não ter sido devidamente adaptado para cumprir a função de coleta dessas informações. Enquanto isso, a aproximação do prazo final para entrega da declaração tende a acentuar o receio de muitos sobre possíveis inconsistências e obriga contribuintes a tomarem decisões pouco respaldadas em orientações oficiais.
A nosso ver, o ideal seria que o programa, já neste exercício, tivesse incorporado fichas pormenorizadas sobre lucros e prejuízos de controladas, com campos destinados à especificação da natureza das receitas e às deduções permitidas em lei. Além disso, o arquivo de ajuda da Receita Federal deveria contemplar exemplos básicos e complexos envolvendo a nova legislação, para orientar aqueles que se encontrassem em dúvidas como as mencionadas acima. Por ora, face aos entraves evidenciados, resta a recomendação de cautela no preenchimento, guarda de documentos comprobatórios e, quando possível, a consulta a profissionais especializados.
FONTE: MIGALHAS – POR LUCAS BABO