O Brasil precisa de uma legislação que acompanhe a evolução das relações de trabalho, respeitando os princípios fundamentais do Direito do Trabalho.
Fundamentada na necessidade de evitar conflitos jurisprudenciais e garantir segurança jurídica, a recente decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendendo todos os processos judiciais que discutem a existência de vínculo empregatício em casos de “pejotização”, teve efeitos imediatos e gerou intenso debate no meio jurídico. A deliberação dividiu opiniões e reforçou a necessidade de modernização da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Logo após o anúncio, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) e a Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas (Abrat) manifestaram preocupação com os impactos da medida. Para muitos críticos, a suspensão de milhares de processos pode comprometer a proteção de direitos fundamentais trabalhistas, sobretudo em casos de fraude na pejotização.
Por outro lado, empresários veem na decisão a possibilidade de maior estabilidade jurídica, com a definição de uma tese vinculante pelo STF. Segundo Camila Funaro Camargo Dantas, CEO da Esfera Brasil, a imprevisibilidade judicial encarece contratações, desestimula investimentos e impulsiona a informalidade. Para ela, a falta de segurança jurídica impõe custos elevados ao setor produtivo, tornando o Brasil um dos países com maior custo trabalhista indireto.
Segundo Gilmar Mendes, a Justiça do Trabalho vem descumprindo sistematicamente as orientações do STF, o que contribui para um cenário de insegurança jurídica e sobrecarga de demandas na Corte Constitucional. De fato, o número de reclamações constitucionais ajuizadas no STF contra decisões trabalhistas e julgadas procedentes reforça essa percepção.
Além da pejotização, em fevereiro de 2024 o STF já havia decidido apreciar o Recurso Extraordinário nº (RE) 1446336, reconhecendo a repercussão geral (Tema 1.291). No caso, a Uber do Brasil Tecnologia Ltda. questiona decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que entendeu que a relação de um motorista com a plataforma cumpria os requisitos da CLT para o reconhecimento do vínculo de emprego.
Os dois casos em questão (pejotização e uberização) levantam uma questão fundamental: afinal, a quem cabe interpretar e aplicar a legislação trabalhista? O Tribunal Superior do Trabalho não seria o órgão mais adequado para essa função? A explicação para esse embate entre as instâncias judiciais pode estar, na verdade, na defasagem da legislação trabalhista frente às mudanças estruturais do mercado.
Embora tenha passado por reformas – sendo a de 2017 a mais significativa -, a Consolidação das Leis do Trabalho ainda reflete uma realidade ultrapassada, concebida para um modelo econômico industrial que já não predomina. Esse descompasso entre lei e realidade resulta em interpretações jurídicas inconsistentes, gerando insegurança tanto para empregadores quanto para trabalhadores.
O TST, ao aplicar normas obsoletas a novas relações de trabalho, corre constantemente o risco de produzir decisões incoerentes e, por vezes, descoladas das necessidades atuais da sociedade, obrigando uma intervenção do Supremo. Assim, não estamos diante de um simples embate entre STF e TST, mas de um problema estrutural: uma legislação que já não responde de maneira eficaz às transformações do mundo contemporâneo.
Muitos são os exemplos que ilustram a defasagem da lei trabalhista no Brasil. Uma das vertentes dessa defasagem é o caráter uniforme da legislação trabalhista brasileira. Se, sob a ótica do trabalhador, houve avanços com a reforma trabalhista que introduziu a figura do empregado hipersuficiente – aquele que pode negociar suas condições de trabalho com maior liberdade -, para pequenos empregadores, a rigidez das obrigações trabalhistas continua a mesma.
Muitos profissionais que iniciam suas carreiras como pejotizados acabam prosperando e se transformando em micro e pequenos empreendedores. Contudo, ao se tornarem empregadores, enfrentam as mesmas exigências legais impostas a grandes corporações. Essa assimetria contribui para um ciclo de informalidade e limita o crescimento de pequenas empresas.
Segundo dados do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), em 2022, micro e pequenas empresas representavam 27% do Produto Interno Bruto (PIB) do país, com destaque para os setores de comércio e serviços, empregando 52% da força de trabalho formal. A legislação trabalhista deve reconhecer essas diferenças e oferecer um regime mais adequado para esses empregadores, sem comprometer a proteção dos trabalhadores.
A crescente judicialização de temas trabalhistas no STF é, na verdade, sintoma da inércia do Congresso Nacional na atualização das leis. O Supremo, contudo, não deve assumir o papel de legislador, criando novas formas jurídicas de trabalho por meio de decisões judiciais.
O caminho para uma solução sustentável passa por uma nova lei, um código do trabalho moderno e flexível, que substitua integralmente a CLT. Esse código deve garantir proteção ao trabalhador e, ao mesmo tempo, regular as relações jurídicas decorrentes das novas tecnologias, além de incentivar a formalização das relações de trabalho, especialmente entre pequenos empregadores.
O Brasil precisa de uma legislação que acompanhe a evolução das relações de trabalho, respeitando os princípios fundamentais do Direito do Trabalho, mas permitindo adaptações coerentes com a realidade atual. O futuro das relações trabalhistas exige coragem institucional, diálogo social e inovação legislativa responsável.
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.
FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR ALEXANDRE LAURIA DUTRA