Telefone: (11) 3578-8624

INCIDÊNCIA DE ICMS SOBRE TARIFAS DO SISTEMA ELÉTRICO: LIMITES E EFEITOS DA DECISÃO DO STJ

13 de maio de 2025

O governo do Estado de São Paulo lançou a iniciativa de autorregularização dos débitos do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) incidentes sobre as tarifas de Uso do Sistema de Transmissão (Tust) e de Uso do Sistema de Distribuição (Tusd). A intenção é quitar débitos do imposto de maneira simples, sem procedimento de fiscalização ou aplicação de multas punitivas, tendo como base o Programa “Nos Conformes”, instituído pela Lei Complementar Estadual 1.320/2018.

A iniciativa de autorregularização decorre da decisão da 1ª Seção do STJ no Tema 986​ dos Recursos Repetitivos, que estabeleceu a tese de que a Tust e/ou a Tusd, quando lançadas na fatura de energia elétrica, como encargo a ser suportado diretamente pelo consumidor final (seja ele livre ou cativo), integra, para os fins do artigo 13, § 1º, II, ‘a’, da LC nº 87/1996, a base de cálculo do ICMS.

Restaram, no entanto, alguns questionamentos a respeito da aplicação desta iniciativa: seria válida para todos os contribuintes de ICMS indistintamente? Após a decisão do STJ no Tema 986, todos os contribuintes de ICMS em âmbito nacional deverão recolher ICMS sobre a Tust/Tusd?

A resposta a tais questionamentos depende da correta compreensão da decisão do STJ no Tema 986.

Contexto histórico: criação da Tust e da Tusd

A Tust e a Tusd foram instituídas no contexto da reestruturação do setor elétrico brasileiro, iniciada na década de 1990, que tinha como objetivo principal promover a modernização, a eficiência e a abertura à concorrência no setor, até então concentrado nas mãos do poder público.

Nesse cenário, surgiu a necessidade de remunerar adequadamente o uso das redes de transmissão e distribuição por diferentes agentes do setor, garantindo o acesso isonômico à infraestrutura elétrica.

Criada em 1996, a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) passou a ser responsável por regular essas tarifas, assegurando equilíbrio entre os custos dos prestadores de serviço e os encargos suportados pelos consumidores. Assim, a Tust passou a representar a remuneração pelo uso das instalações de transmissão, que transportam energia em alta tensão das usinas geradoras até os centros de carga, enquanto a Tusd remunera o uso das redes de distribuição, responsáveis por levar a energia até os consumidores finais.

Nesse sentido, considerando que tais encargos são repassados aos consumidores finais em suas faturas de energia elétrica e, consequentemente, incluídos na base de cálculo do ICMS, iniciou-se uma intensa discussão acerca da legalidade da inclusão das tarifas pagas a título de Tust e Tusd na base de cálculo do referido imposto.

Decisão do STJ no Tema 986

Em resumo, os contribuintes de ICMS defendiam que o ICMS deveria incidir apenas sobre a energia elétrica consumida, com a exclusão da Tust e da Tusd, na medida em que tais tarifas não representavam operação de circulação de mercadoria, que é a hipótese de incidência prevista na Constituição.

A discussão ganhou grande notoriedade no Judiciário, sobretudo em razão das decisões proferidas pelo STJ a favor da exclusão de tais tarifas da base de cálculo do ICMS, como, por exemplo, o acórdão no REsp nº 1.278.024/MG, julgado pela 1ª Turma do STJ.

No entanto, em 2017, a 1ª Seção do STJ afetou a discussão para julgá-la sob o regime de recursos repetitivos, com a finalidade de pacificar a interpretação da legislação infraconstitucional com efeitos vinculantes para as demais instâncias.

Nesse ínterim, sobreveio a Lei Complementar nº 194/2022, que alterou o texto da Lei Complementar nº 87/1996 (Lei Kandir), para incluir o inciso X ao artigo 3º, excluindo o ICMS sobre os serviços de transmissão e distribuição e encargos setoriais vinculados às operações com energia elétrica, dentre os quais se incluem a Tust e a Tusd.

Posteriormente, a referida alteração levada a efeito pela LC 194 foi suspensa pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7.195.

Passados quase sete anos após a decisão de afetação da matéria, em março de 2024, o STJ fixou a tese no Tema 986 da seguinte forma: “A Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão (TUST) e/ou a Tarifa de Uso de Distribuição (TUSD), quando lançada na fatura de energia elétrica, como encargo a ser suportado diretamente pelo consumidor final (seja ele livre ou cativo), integra, para os fins do art. 13, § 1º, II, ‘a’, da LC 87/1996, a base de cálculo do ICMS.”

A quem é aplicável o Tema 986?

Além dos consumidores de energia elétrica, os sistemas de distribuição também são utilizados pelas chamadas empresas geradoras de energia elétrica, que possuem autorização especial do Ministério de Minas e Energia para realizar a produção independente, com a finalidade de futura comercialização com os “consumidores livres”.

Tais empresas formalizam os chamados contratos de uso dos sistemas de distribuição, que não têm como objetivo o consumo de energia, mas sim possibilitar o acesso ao sistema de distribuição e viabilizar a comercialização da energia elétrica produzida pelas empresas.

Considerando essas questões, as empresas geradoras de energia elétrica passaram a questionar, juntamente com os consumidores finais de energia elétrica, a inclusão da Tust e da Tusd na base de cálculo do ICMS.

Com base na premissa de que as operações de transmissão, distribuição e consumo de energia elétrica são etapas indivisíveis, o Tema 986 fixou a tese estabelecendo, de forma inequívoca, que a Tust e a Tusd sofrerão a incidência do ICMS “quando lançada na fatura de energia elétrica, como encargo a ser suportado diretamente pelo consumidor final (seja ele livre ou cativo)”.

As empresas geradoras de energia elétrica não são consumidoras finais de energia elétrica, inclusive contando com regras específicas nas Leis n°s 9.074/1995 e 9.427/1996, além de disposições expedidas pela Aneel.

As diferenças regulatórias das empresas geradoras de energia elétrica frente ao Tema 986 já vem sendo reconhecidas pelo Poder Judiciário, a exemplo da sentença proferida nos autos da Ação Declaratória nº 8018611-80.2019.8.05.0001, em trâmite perante a 11ª Vara da Fazenda Pública de Salvador.

Em igual sentido, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais proferiu decisão no Pedido de Efeito Suspensivo nº 0497146-65.2025.8.13.0000, para suspender a exigência do ICMS sobre a Tusd devida por empresa de geração de energia elétrica.

Conclusão

Tanto a iniciativa de autorregularização dos débitos de ICMS sobre a Tusd/Tust pelo estado de São Paulo, bem como outras que venham a ser lançadas pelos demais estados são excelentes oportunidades de regularização do passivo tributário relacionado ao tema.

Todavia, tais oportunidades são aplicáveis apenas aos consumidores (livres ou cativos) de energia elétrica, quando a Tust e/ou a Tusd forem lançadas na fatura representativa do consumo de energia elétrica.

FONTE: CONSULTOR JURÍDICO – POR RENATO LOPES DA ROCHA E ANDRÉ ANDRADE

 

 

Receba nossas newsletters