Embora a nova Lei de Recuperação Judicial e Falências, de 2020, tenha entrado em vigor com aplicação imediata aos processos pendentes, foram mantidos os “atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas” sob a vigência da norma anterior. As novas regras sobre supervisão judicial, portanto, não se aplicam aos planos de recuperação que foram aprovados e homologados antes de lei entrar em vigor.
Com base nessa interpretação, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu que o tempo de carência para início dos pagamentos da recuperação da rede Hotéis Othon não afeta o início do prazo de supervisão judicial.
Quando o plano foi aprovado e a recuperação judicial da rede hoteleira foi concedida, a nova lei ainda não havia entrado em vigor. O artigo 61 da lei original, de 2005, previa apenas que, a partir da decisão de concessão, o devedor permaneceria em recuperação até cumprir todas as obrigações previstas no plano que vencessem até dois anos depois.
Após a mudança na legislação, o mesmo artigo passou a prever que o juiz pode ordenar a manutenção do devedor em recuperação judicial até o cumprimento dessas mesmas obrigações, “independentemente do eventual período de carência”.
No plano aprovado e na decisão que concedeu a recuperação à Hotéis Othon, havia a previsão de um prazo de carência de quatro anos para o início do pagamento da maior parte dos débitos.
Após a nova lei entrar em vigor, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro determinou que o prazo de supervisão judicial começasse “independentemente do prazo de carência”.
Em recurso ao STJ, a Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae), uma das credoras da rede hoteleira, alegou que a regra não se aplicava ao caso, já que a recuperação foi concedida antes de a nova lei entrar em vigor. O TJ-RJ, porém, decidiu aplicar o entendimento da nova norma.
O ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, relator do caso, acatou os argumentos da Cedae. Ele lembrou que a nova Lei de Recuperação Judicial faz menção ao artigo 14 do Código de Processo Civil, segundo o qual “a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada”.
Recurso negado
Apesar de ter concordado com os argumentos da Cedae sobre a supervisão judicial, a 3ª Turma do STJ negou o recurso e manteve a decisão tomada pelo TJ-RJ. Isso porque a estatal pediu a nulidade do prazo de carência de quatro anos concedido à Hotéis Othon, e o relator considerou que esse prazo não pode ser alterado devido à teoria do isolamento dos atos processuais.
Ele ressaltou que o TJ-RJ não poderia decidir sobre o início do prazo de supervisão judicial ou do prazo máximo de carência previsto no plano de recuperação, pois são temas reservados à deliberação dos credores.
“Assim, ainda que não se possa aplicar a nova redação do art. 61 da Lei nº 11.101/2005 ao caso, observado o disposto no art. 14 do Código de Processo Civil e a teoria do isolamento dos atos processuais, a hipótese é de manutenção do resultado do julgado, que reflete a vontade dos credores ao aprovarem os termos do plano de recuperação judicial, com a previsão de carência de 48 (quarenta e oito) meses para início dos pagamentos, sem nenhuma ressalva quanto à prorrogação do termo inicial do prazo de supervisão judicial”, escreveu o relator.
Voto do Relator: https://www.conjur.com.br/wp-content/uploads/2025/05/voto-Cueva-supervisao-judicial-nova-lei-de-recuperacao-prazo-de-carencia.pdf
REsp 2.181.080
FONTE: CONSULTOR JURÍDICO – POR JOSÉ HIGÍDIO