Decisão da 3ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Amazonas beneficiou uma empresa de afretamento marítimo
Uma decisão da 3ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Amazonas isentou uma empresa de afretamento marítimo do pagamento de impostos sobre o Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM). O entendimento foi o de que a nova Lei das Subvenções (nº 14.789/23) não abrangeu essa contribuição específica.
Segundo explica Paulo Alecrim, sócio na A&C Advogados Associados, que defendeu o contribuinte, o AFRMM é considerado uma Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) e é cobrado do dono da carga que contratou uma empresa de navegação. No caso, com a decisão que impediu a incidência do Imposto de Renda (IRPJ), CSLL, PIS e Cofins, a empresa de afretamento deixou de recolher cerca de R$ 1,5 milhão, referente a um ano.
O adicional é alocado no Fundo de Marinha Mercante e direcionado para as empresas de transporte marítimo. Mas só pode ser usado para renovação de frota ou construção de novos navios ou balsas, como forma de o governo apoiar o desenvolvimento da indústria naval brasileira. Assim, configura uma subvenção.
Quando foi editada, a Lei nº 14.789/2023 revogou todos os artigos existentes até então a respeito das subvenções, mas deixou de fora o artigo 68 da Lei nº 4.506/64, que diz que o AFRMM não compõe a receita bruta operacional das empresas. A manutenção do dispositivo, de acordo com Paulo Alecrim, justifica a não incidência dos tributos.
O advogado levou à Justiça, então, o argumento do princípio da especialidade: na existência de duas normas conflitantes, o imbróglio deve ser resolvido aplicando aquela que é especial, mais específica a respeito de um determinado assunto. No caso, o dispositivo da lei de 1964 que foi mantido dispõe especificamente sobre as empresas de navegação.
O juiz Ricardo Augusto Campolina de Sales considerou que, ao não revogar o artigo quando teve a oportunidade, o ente legislativo manteve em vigor uma legislação mais benéfica, que deve prevalecer. “Entendo que a cobrança, da forma como exercida pelo ente no caso em questão, estaria ferindo o princípio da legalidade tributária, visto que o legislado, podendo revogar, assim não o fez, mantendo em vigor legislação mais benéfica, o que nos leva a analisar o caso sob a ótica democrática do tributo”, afirma.
O magistrado concluiu que, nesse caso, o Judiciário não pode “criar obrigação tributária ainda dada como válida perante o Legislativo”. Entender que houve revogação tácita, acrescenta, seria extrapolar matéria tributária “restrita ao regramento legal específico” (processo nº 1017334-28.2024.4.01.3200).
Segundo Paulo Alecrim, a tese tem amplo impacto e pode ser replicada para outras empresas de navegação de transporte de carga. “Mas é preciso ressaltar que essa exceção só vale para empresas que operam no regime de apuração de lucro real. No lucro presumido, já não pagava antes, porque é outra forma de apuração”, afirma.
O precedente é incomum, segundo tributaristas. Marcelo Siqueira, advogado do Kincaid Mendes Vianna Advogados, diz que essa discussão está inserida em outra mais ampla, a respeito do que constituiria a subvenção para investimento, e que foi acirrada com a edição da Lei das Subvenções.
Com a edição da lei, afirma o advogado, o governo tentou restringir a não tributação da subvenção para investimento. O Ministério da Fazenda divulgou que a lei poderia trazer R$ 35 bilhões aos cofres públicos. Isso gerou uma reação do setor produtivo e três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) tramitam no Supremo Tribunal Federal (STF) questionando pontos da nova norma.
Uma delas foi apresentada pelo Partido Liberal e aponta que a União desconsiderou as prioridades estabelecidas por Estados e municípios na definição de suas políticas fiscais, além de ter tratado de tema que só poderia ser instituído por lei complementar (ADI 7551).
Autora de outra ação, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) argumenta que a nova modalidade de tributação impede Estados e municípios de incentivar o desenvolvimento de determinadas atividades por meio de incentivos fiscais. A entidade defende ainda que a sistemática desrespeita o conceito constitucional de receita (ADI 7604).
Por fim, a Confederação Nacional do Comércio (CNC) também foi ao Supremo, corroborando o argumento da violação ao conceito constitucional de renda e receita porque a nova lei parte do princípio de que as subvenções constituem receitas tributáveis (ADI 7622).
Devido à complexidade da controvérsia, afirma Marcelo Siqueira, muitas empresas ainda estão avaliando se faz sentido judicializar as cobranças agora. “No uso do AFFRM, especificamente, é preciso analisar caso a caso, já que nem todo gasto pode ser enquadrado como subvenção para investimento.”
FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR LUIZA CALEGARI – DE SÃO PAULO