Telefone: (11) 3578-8624

O MOMENTO DO FATO GERADOR DO IVA-DUAL PARA A ENERGIA ELÉTRICA

12 de novembro de 2024

Texto da reforma levanta dúvidas sobre se pagamento se torna devido na emissão de documento fiscal ou no vencimento da fatura.

O PLP 68/24, estabelece nos dois incisos do seu art. 10, que se considera ocorrido o fato gerador no momento (i) do fornecimento ou do pagamento, mesmo que parcial, ou, (ii) em que se torna devido o pagamento, nas operações de execução continuada ou fracionada em que não seja possível identificar o momento de entrega ou disponibilização do bem ou do término do fornecimento do serviço.

A dúvida que emana do texto, então, é, quando se torna devido o pagamento? Na emissão do documento fiscal (como se considera atualmente em alguns estados da federação para fins de ICMS, e momento no qual já houve o fornecimento/consumo), ou no vencimento da fatura?

A importância desta definição decorre de estabelecer (i) quando surgirá a obrigatoriedade de se emitir o documento fiscal, e (ii) se passará a viger o período de apuração do IVA-Dual, e (iii) se define o prazo de vencimento do IBS e da CBS.

Com efeito, seja do ponto de vista da dogmática, mas, principalmente, do ponto de vista operacional e sistêmico, esta definição poderá impactar profundamente o dia a dia dos contribuintes regulares do IBS e da CBS.

Deste modo, considerando que um dos objetivos da reforma tributária é a simplificação para efeitos de redução de contencioso tributário e das horas investidas pelos contribuintes para cálculo e recolhimento dos tributos (complexidade e custos de conformidade), seria de rigor que termos e expressões que admitem múltiplas significações fossem devidamente esclarecidos no próprio texto da lei, para evitar que futuras e diversas interpretações sejam a elas atribuídas.

Breves anotações sobre o fato gerador

A expressão fato gerador, bastante criticada por alguns doutrinadores, permite interpretações diversas, e o CTN adotou o conceito de fato gerador em abstrato, estabelecendo que o “fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência”, ou, em outros termos, define o fato gerador como sendo o acontecimento necessário e suficiente para ocorrência da obrigação tributária.

Esta norma abstrata, concretiza-se, com irradiação de efeitos jurídicos, a partir do momento em que se realizam os fatos previstos abstratamente, o que, segundo Carvalho, ocorre quando há a incidência tributária mediante o ato de aplicação do direito, com relato, em linguagem competente do acontecimento previsto pelo antecedente da hipótese de incidência.

Neste contexto, tem-se que o contribuinte, ao emitir a nota fiscal competente, fazer suas escriturações fiscais e declarações fiscais, informa às autoridades fazendárias a ocorrência do fato gerador, indicando, com isso, que ocorreu a incidência tributária.

Aliás, esta incidência tributária mediante a formalização do fato jurídico em linguagem própria parece ter sido premissa do novo sistema tributário que se desenha, como se dessume do teor do disposto no art. 44, §1º, do PLP 68/24.

A nosso ver, há uma mudança de paradigma para fins de lançamento e incidência tributária, com o deslocamento da incidência para o momento da comunicação do fato ao sistema de dados das autoridades fiscais competentes, in casu, o Comitê Gestor e RFB, o que nos leva ao ponto discutido no presente artigo.

Quando ocorre, então, o momento do fato gerador do IBS e da CBS? Coincidirá com o momento da incidência tributária? E a incidência do IBS e da CBS coincidirá com o momento da emissão da nota fiscal eletrônica?

Do momento em que ocorre atualmente o fato gerador do ICMS para energia elétrica

A energia elétrica é tida como mercadoria para fins de incidência de ICMS, ou seja, é bem móvel sujeito à prática de operações mercantis, formalizados nos contratos de fornecimento de energia (art. 4º, LC nº 87/96).

De acordo com o disposto no art. 12, inc. I e XII, da LC n° 87/96, ocorre o fato gerador do ICMS no momento da entrada desta mercadoria no território do estabelecimento consumidor, exigindo-se a circulação jurídica do bem.

Especificamente no que se refere à energia elétrica, o fato gerador do imposto ocorre quando do efetivo consumo dessa mercadoria, que é o momento em que há efetiva transferência da titularidade.

Bem por isso é que o STF, por ocasião do julgamento do Tema 176 de repercussão geral, decidiu que a demanda de potência contratada e não consumida efetivamente não pode ser base de cálculo do ICMS, e, neste mesmo sentido, é a Súmula 391 do STJ.

Tem-se, portanto, que atualmente, para que o ICMS possa incidir é necessária a efetiva circulação da mercadoria, com a consequente transmissão da propriedade ao consumidor (ou seja, com o efetivo consumo, conforme teor do art. 155, inc. II, da CF.

O momento do fato gerador do IBS e da CBS no PLP 68/24

O art. 10 do PLP 68/24, que trata especificamente das operações de energia elétrica, estabelece que o momento de ocorrência do fato gerador do IBS e da CBS coincidirá com o momento em que se torna devido o pagamento, valendo-se, para promover tal definição, do uso de um conceito multifacetário, que requer, para sua adequada aplicação pelo contribuinte, de definição quanto a quando se deve considerar que é devido o pagamento.

Ora, é evidente que há um conceito no art. 10 do PLP 68/24 que ainda precisa de esclarecimentos, sob pena de, se assim se mantiver, já dar início a um novo contencioso no 1º dia de vigência da EC 132/23.

De fato, duas interpretações podem ser adotadas in casu:

  1. será devido o pagamento assim que emitido o documento fiscal, e relatada em linguagem competente, às autoridades fiscais, a concretização dos fatos que ensejam a incidência do IBS e da CBS?; ou
  2. o contribuinte deve considerar devido o pagamento assim que ultrapassado o prazo de vencimento para pagamento do documento fiscal?

Na prática, a decisão por um ou outro caminho muda as parametrizações que os contribuintes farão em seus sistemas informatizados, e afeta substancialmente a apuração dos novos tributos.

A nosso ver, considerando as premissas adotadas para o desenho desta nova reforma tributária, parece-nos que seria mais adequado dizer que é devido o pagamento com a emissão do documento fiscal, pois é neste momento que nasce o fato jurídico tributário em concreto, e que será oficialmente comunicado ao Comitê Gestor e à RFB acerca da ocorrência do fato gerador do IBS e da CBS. Até mesmo porque, a data do vencimento da nota fiscal é fato que enseja a aplicação de penalidades moratórias, que não pode se confundir com o momento do fato gerador dos tributos.

Na prática, ao se considerar que o momento em que se torna devido o pagamento é o vencimento da nota fiscal, os contribuintes assumirão impactos e complexidades consideráveis durante todo o período de transição. Isso porque há de se considerar que os sistemas informatizados atuais apuram o ICMS considerando a data da emissão da nota fiscal, e inserir uma nova regra de cálculo para o IVA-Dual com base no vencimento da nota fiscal demandará investimentos de grande monta e um alto nível de controle pelas empresas o que, sabemos, também demanda muitos investimentos

De fato, será necessário alterar todo o fluxo de comunicação dentro dos sistemas de automação, pois os ERP (software de planejamento de recursos empresariais), deverão gerar as informações e relatórios para apuração IBS e CBS considerando a data de vencimento dos documentos fiscais, e deverão, simultaneamente, e para as mesmas operações, gerar relatórios acerca do ICMS considerando a data de emissão dos mesmos documentos fiscais.

Conclusões

Não há dúvidas da importância da reforma tributária para o país.

No entanto, também é imprescindível que uma adequada regulamentação seja elaborada de forma clara, transparente, e com o mínimo grau de possíveis interpretações, sob pena de que um novo contencioso se constitua no primeiro dia de vigência do novo sistema tributário brasileiro.

Obviamente que há um prazo de vencimento para cumprimento da obrigação tributária, cuja data se presta a contar o prazo para fins de incidência de juros e encargos moratórios, mas que, entendemos, em nada se confunde com o momento do fato gerador de per se.

E, justamente por isso é que a expressão “em que se torna devido o pagamento” requer esclarecimentos, que, a nosso ver, deve coincidir com o momento da emissão do documento fiscal, pois é a partir deste ato que surge o dever de pagamento da operação e do IBS e da CBS, vis-à-vis o teor do art. 44, §1º, do PLP nº 68/24.

FONTE: JOTA – POR LIA BARSI DREZZA E RENATA VASSAO SCARANARI

Receba nossas newsletters