O ideal seria que IBS e CBS fossem julgados por um tribunal único ou, pelo menos, que o contencioso desses tributos fosse regido pelas mesmas regras processuais
A Câmara dos Deputados aprovou, na noite de terça-feira (13), o segundo projeto de lei para regulamentação da reforma tributária, o PLP 108/2024, sobre a criação do Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (CG-IBS) e do processo administrativo tributário do IBS. Agora, o projeto segue para votação pelo Senado Federal.
Na versão aprovada, o julgamento administrativo do IBS terá diferenças significativas em relação a seu tributo-irmão, a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Isso porque, enquanto a CBS será julgada pelo Carf e terá o contencioso regido pelas normas do processo administrativo federal, em especial o Decreto nº 70.235/1972, o julgamento de lides envolvendo o IBS será realizado pelo tribunal do CG-IBS, nos termos do que for aprovado no PLP 108/2024.
Em alguns pontos, verificam-se avanços no processo administrativo do IBS, em comparação com o da CBS. Por exemplo, para apresentar sua defesa contra um lançamento de IBS, o contribuinte terá prazo de 20 dias, contado em dias úteis e suspenso no período compreendido entre 20 de dezembro e 20 de janeiro, enquanto o mesmo lançamento de CBS deverá ser defendido em 30 dias corridos, sem qualquer suspensão de prazo.
Além disso, no caso do IBS será possível apresentar recurso para corrigir omissões, contradições e obscuridades já em primeira instância, o chamado “pedido de retificação”, enquanto as normas processuais que regem a CBS apenas autorizam semelhante expediente em segunda instância, embora adotando nomenclatura uniforme com o processo civil para o que se denominou “embargos de declaração”.
Apesar de alguns avanços, o PLP 108/2024 pode resultar em imenso retrocesso no âmbito do processo administrativo tributário, ao prevalecer a vedação aos julgadores do IBS de “afastar a aplicação ou deixar de observar a legislação tributária sob o fundamento de inconstitucionalidade ou ilegalidade”.
Enquanto isso, pelas regras aplicáveis ao processo administrativo da CBS, os julgadores apenas estarão impedidos de pronunciar a inconstitucionalidade de leis (súmula Carf nº 2), sendo plenamente possível o afastamento de atos normativos editados pela Receita Federal, como portarias e instruções normativas, sob o fundamento de contrariedade à lei federal.
A conclusão a que se chega é de que, inegavelmente, haverá divergências entre as decisões proferidas pelos tribunais a julgar a CBS e o IBS, o que ressalta a importância de um mecanismo para a solução de tais impasses, com vistas à uniformização do tratamento aplicável ao mesmo contribuinte com relação a esses tributos-irmãos. Nesse contexto, preocupa a ausência de uma instância de uniformização, ainda no âmbito do contencioso administrativo, para divergências entre julgados do IBS e da CBS proferidos para um mesmo contribuinte nos projetos de lei que regulamentam a reforma tributária.
De fato, esses se contentam em indicar que a harmonização entre IBS e CBS ficará a cargo do Comitê de Harmonização das Administrações Tributárias, órgão consultivo criado pelo PLP 68/2024 cujos pronunciamentos serão vinculantes, mas que apenas pode ser provocado pelo presidente do CG-IBS, pela autoridade máxima do Ministério da Fazenda e por entidade representativa de categorias econômicas responsáveis pela nomeação de representantes do contribuinte no CG-IBS.
Assim, o contribuinte que tiver seus casos de CBS e IBS julgados em sentido divergente, respectivamente pelo Carf e pelo tribunal do CG-IBS, não poderá levar a questão ao Comitê de Harmonização, nem este terá competência para indicar a solução adequada a seu caso concreto, o que fatalmente levará tais disputas ao Judiciário.
Outro aspecto que merece atenção é a previsão, no PLP 108/2024, de que lançamentos tributários no IBS com “incorreções ou omissões” possam ser convalidados (artigo 82), assim como a permissão para que a autoridade lançadora altere o lançamento após impugnação (artigo 84, parágrafo 3º), o que levanta questões sobre o respeito ao devido processo legal.
No âmbito administrativo federal, os limites para a convalidação de nulidades são amplamente debatidos diante das garantias do devido processo legal e da proibição ao cerceamento de defesa, sendo certo que, para a CBS, alterações que resultem em agravamento da exigência inicial, inovação ou alteração da fundamentação legal, exigem a lavratura de auto de infração complementar, devolvendo -se ao contribuinte o prazo para impugnar a matéria modificada (artigo 18, parágrafo 3º do Decreto 70.235/1972), naturalmente observando-se o prazo decadencial original.
O PLP 108/2024 ainda abre espaço para que, no IBS, haja o julgamento, em única instância, de casos de menor valor ou complexidade, em franca negativa ao duplo grau de jurisdição. Enquanto isso, na CBS, embora a lei vede o recurso ao Carf em causas de valor inferior a 60 salários mínimos, ao menos está prevista a interposição de recurso a um colegiado: as turmas recursais das Delegacias de Julgamento da Receita Federal.
O ideal seria que IBS e CBS fossem julgados por um tribunal único ou, pelo menos, que o contencioso desses tributos fosse regido pelas mesmas regras processuais. Todavia, parece que não há mais tempo para o ideal e, no atual contexto, só nos resta esperar o melhor diante do possível. Então, que os debates para aprovação do PLP 108/2024 no Congresso Nacional tenham em conta o objetivo de harmonização entre as normas processuais de IBS e CBS, e que nesse caminho não sejam perdidas as tão caras garantias processuais já conquistadas pelos contribuintes.
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FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR LIVIA GERMANO