A simplificação prometida pela reforma tributária ainda está longe de ocorrer
A simplificação prometida pela reforma tributária ainda está longe de ocorrer. Com sorte, lá em 2033. Afirmo isso ancorado em dados.
Utilizando inteligência artificial e a partir dos dados do Sistema Público de Escrituração Digital (Sped), em conjunto com documentos fiscais, a “Calculadora da Reforma Tributária”, desenvolvida pelo time de profissionais da ROIT, indica que as combinações de regras atualmente em tramitação vão resultar na existência de até 22,5 milhões de novos cenários possíveis. E essa quantidade poderá aumentar ou diminuir dependendo das mudanças que os projetos de lei de regulamentação da reforma sofrerão no Congresso.
Quase um ano atrás, a Calculadora foi extremamente precisa ao mostrar que a alíquota da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e do Imposto sobre Serviços (IBS), criados pela reforma tributária, resultaria na alíquota de 29,5%. Essa foi a conclusão do governo agora, caso não seja implementado o split payment, sistema que permite o recolhimento dos tributos no momento da liquidação financeira. O percentual, estimado pelo Ministério da Fazenda, foi cravado pela solução da ROIT 10 meses antes, profetizando o cenário com exatidão.
O tema ainda é bastante delicado. A regulamentação da reforma tributária (Emenda Constitucional 132/2023) está baseada, no momento, em dois projetos de lei complementar. O primeiro (PLP 68/2024) trata da Lei Geral do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), da Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS) e do Imposto Seletivo (IS). O texto, entregue pelo Executivo à Câmara em abril, tem 306 páginas e 499 artigos. O projeto prevê uma alíquota de 26,5%, mas pode variar entre 25,7% e 27,3%, segundo o governo, considerando o uso do Split Payment, sem ele: 29,5%.
Está nesse projeto um ponto que apresentei aos deputados federais: um eventual aumento de arrecadação de PIS/Cofins neste ano e em 2025, provocado pela ânsia arrecadatória do Governo Federal e que poderá elevar significativamente a alíquota da CBS, diante da fórmula de cálculo indicada no PLP 68/2024.
Outro projeto (PLP 108/2024), entregue no mês de junho, vai tratar da atuação do Comitê Gestor do IBS e da distribuição das receitas do IBS entre os entes federativos. O secretário extraordinário da Reforma Tributária, do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, disse à imprensa que o novo sistema não vai exigir nada mais do que apenas a ‘simples emissão de nota fiscal’. Ora, essa simplificação, mesmo que dessa forma, só será efetiva em 1º de janeiro de 2033 e, até lá, as empresas precisam sobreviver aos dois sistemas.
São muitas mudanças e preparativos necessários para conviver com os dois sistemas até 2033. Em especial, a preparação de caixa para capital de giro, revisão de preços de compra, preços de venda, margem, processos de gestão e muito mais. Nada disso está sendo dito e o empresário vai acordar em breve com um baita desafio para resolver (necessidade alta de capital de giro, por exemplo), e talvez seja tarde demais.
Recomendo e defendo a necessidade de um “plano B” para os casos em que o split payment (modalidade de recolhimento do IBS e da CBS, em duas partes) não seja desenvolvido no prazo pretendido pelo governo. Todo mundo sabe que desenvolver um software não é nada simples e podemos ter surpresas e atrasos. O contribuinte precisa continuar apurando os créditos pela nota fiscal até que o sistema esteja implantado, não é possível seguir com uma solução incompleta, ou ainda, com a compra emergencial de uma solução de mercado de split payment, eventualmente até estrangeira.
Além disso, na Câmara e no Senado, os textos seguramente vão receber emendas, acrescentando ainda mais exceções e particularidades. Serão centenas de novas regras a serem interpretadas e aplicadas por quem? Pelo Fisco sozinho? ‘Apenas emissão de nota fiscal?’ São mais de 2 bilhões de cenários tributários possíveis para emitir uma nota hoje, somados às milhões de novas regras que estão por vir, algo bastante complexo de se calcular.
É fundamental que as empresas de todos os tamanhos e os profissionais de contabilidade e tributação comecem, desde já, a preparar estudos profundos de impactos e, principalmente, organizem sua gestão para a nova sistemática de créditos e débitos do novo Imposto sobre Valor Agregado (IVA), constituído pela CBS e pelo IBS.
Por Lucas Ribeiro, fundador e CEO da ROIT, professor e advogado tributarista, idealizador da “Calculadora da Reforma Tributária” e especialista em inteligência artificial
FONTE: CONTÁBEIS – POR LILIANE SCARATTI