Telefone: (11) 3578-8624

NÃO HÁ FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL PARA IMPOSTO SELETIVO SOBRE ARMA DE FOGO

30 de julho de 2024

Muito tem sido discutido sobre a ausência, no PLP 68/2024, da previsão de incidência do imposto seletivo (IS) sobre armas de fogo, uma vez que, atualmente, esses bens são tributados com alíquotas majoradas de ICMS e IPI, em razão de serem considerados “não essenciais”.

Isto porque a Constituição autoriza a incidência do ICMS e do IPI, respectivamente, sobre a circulação de mercadorias e sobre produtos industrializados, de modo que as armas de fogo podem, perfeitamente, ser tributadas pelos referidos impostos.

Assim, a adoção de uma alíquota elevada, em razão do alegado caráter não essencial, possui fundamento de validade nos artigos 153, §3º, I, e 155, §2º, III, da Constituição, que permitem a adoção de alíquotas seletivas.

O imposto seletivo, por outro lado, possui como hipótese de incidência a “produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente”.

Portanto, o legislador constituinte restringiu a incidência do imposto a bens e serviços que sejam prejudicais à saúde ou ao meio ambiente, motivo pelo qual foram incluídos, no PLP nº 68/2024, bebidas açucaradas e alcoólicas, produtos fumígenos, veículos, dentre outros, no campo de incidência do IS.

Note-se que, ignorados os questionamentos quanto aos efeitos da instituição do imposto, é possível entender que o uso lícito dos bens acima mencionados acarreta prejuízo à saúde ou ao meio ambiente. Ora, o uso lícito do cigarro, por exemplo, é prejudicial à saúde cardiorrespiratória, assim como a mera utilização de um veículo automotor irá produzir gases poluentes.

No entanto, em se tratando das armas de fogo, o seu uso lícito não gera prejuízos à saúde e nem ao meio ambiente.

Ao contrário, armas fogo são utilizadas para defesa pessoal, o que garante, em verdade, a preservação da integridade física de quem as utiliza, e também para a prática do esporte que garantiu a primeira medalha olímpica ao Brasil, em 1920, o que gera benefícios à saúde física e mental do praticante.

Desse modo, argumentar que armas de fogo são instrumentos de agressão, intencional ou acidental, e, portanto, causam prejuízos à saúde, permite que uma simples faca de cozinha, tesoura ou qualquer utensílio doméstico seja tributado pelo IS, uma vez que tais objetos também podem ser utilizados para atentar contra a integridade física de alguém ou causarem acidentes.

Causa de morte de crianças

Aliás, segundo levantamento realizado pelo Ministério da Saúde [1], a principal causa de morte de crianças na faixa dos 0 aos 14 anos, entre os anos de 2020 e 2021, foram quedas, sufocamentos, queimaduras, afogamentos e intoxicações dentro de casa. Não obstante, não é nenhum pouco razoável defender que camas, brinquedos, fogões, piscinas, baldes e produtos de limpeza são, por sua natureza, prejudiciais à saúde.

Levantamento de 2016 [2] já havia mostrado esses mesmos resultados, mas os acidentes de trânsito lideravam a lista, à época.

Ou seja, se a hipótese de incidência do IS for analisada sob o prisma do potencial dano que o uso ilício ou acidental do bem pode gerar, então qualquer objeto poderá ser tributado, sob a justificativa de ser prejudicial à saúde.

Em verdade, sabe-se que as armas de fogo envolvidas em atividades delitivas, em sua esmagadora maioria, possuem origem ilegal e, por óbvio, não estão sujeitas à tributação.

Além disso, ao analisar o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024 [3], o que se observa é um aumento de 227% nos registros de armas de fogo junto à Polícia Federal, entre os anos de 2017 e 2023, e, em contrapartida, o número de mortes violentas intencionais, que vinha crescendo desde 2011, teve uma queda de 27% no mesmo período, o que demonstra a completa ausência de relação entre a aquisição legal de armas de fogo e o aumento dos índices de violência.

Ademais, os dados fornecidos pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) [4] demonstram que os homicídios com armas de fogo registraram queda ainda maior, entre 2017 e 2022, com um decréscimo de 29%.

Por fim, os dados fornecidos pelo instituto ainda apontam uma queda de 27% nos óbitos em geral causados por armas de fogo, nesse mesmo período.

Portanto, não sendo possível estabelecer nenhuma relação entre a aquisição lícita de armas de fogo e danos à saúde ou ao meio ambiente, não é possível a instituição do imposto seletivo sobre esses bens, em razão da ausência de competência constitucional para tanto.

_______________________________________________________

[1] Disponível em: https://www.gov.br/pt-br/noticias/saude-e-vigilancia-sanitaria/2022/11/ministerio-alerta-para-prevencao-de-acidentes-domesticos-envolvendo-criancas. Acesso em 24/07/2024

[2] Disponível em: https://criancasegura.org.br/noticias/acidentes/ranking-dos-acidentes-que-mais-matam-e-ferem-criancas-no-brasil-2018/. Acesso em 24/07/2024.

[3] Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2024/07/anuario-2024.pdf. Acesso em 24/07/2024.

[4] Disponível em https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/filtros-series  Acesso em 24/07/2024.

FONTE: CONSULTOR JURÍDICO – POR FELIPE DE CARVALHO ALICEDA

Receba nossas newsletters