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NÃO INCIDÊNCIA DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE CBIOS

27 de junho de 2024

É possível discutir se os produtores de biocombustíveis que realizarem a venda de CBIOs deverão submetê-la à incidência da contribuição previdenciária substitutiva.

A Lei nº 13.576/2017, que dispõe sobre a Política Nacional de Biocombustível (Renovabio), previu a criação do Crédito de Descarbonização (CBIO), que permite que as distribuidoras de combustíveis cumpram suas metas individuais de redução de gases causadores do efeito estufa.

Os CBIOs podem ser considerados uma espécie de “créditos de carbono” gerados em decorrência das metas de redução de gases causadores de efeito estufa pelas distribuidoras de combustíveis, cuja emissão é autorizada a produtores de biocombustíveis, dentre os quais as agroindústrias que realizam atividades agrícolas (rurais) e industriais de cultivo e processamento da cana-de-açúcar para a produção do açúcar, etanol e energia elétrica. Eles são definidos pela referida lei como “instrumentos registrados sob a forma escritural, para fins de comprovação da meta individual do distribuidor de combustíveis”.

Os produtores e importadores de biocombustíveis habilitados no programa pela Agência Nacional de Petróleo (ANP) são considerados os emissores primários, os quais podem realizar a geração e venda dos CBIOs em mercados organizados, inclusive em leilões. As distribuidoras de combustíveis fósseis, por sua vez, são obrigadas a adquirir esses CBIOs para fins de atingir as metas compulsórias estabelecidas pela Lei nº 13.576/2017.

Apesar de a venda dos CBIOs gerar uma receita para essas agroindústrias, tal receita não decorre da comercialização de sua produção. Por essa razão, a venda de CBIOs encontra-se fora do âmbito de incidência das contribuições devidas pela agroindústria, que de acordo com o artigo 22-A da Lei nº 8.212/1991 incide sobre a receita bruta proveniente da comercialização da produção.

Os CBIOs não se encaixam no conceito de “produção” da empresa. A legislação que institui o Renovabio os trata como documentos comprobatórios da meta de redução de gases efeito estufa no âmbito do mercado de carbono do Renovabio. Não se confundem com a produção e, consequentemente, a receita decorrente de sua venda não pode ser enquadrada no âmbito da tributação pelas contribuições tratadas nesse artigo, restrito à “comercialização da produção”.

E muito embora seja expressa a exclusão da base legal de incidência das contribuições, o Decreto nº 3.048/199 (Regulamento da Previdência Social) estabelece alargamento da base de incidência da contribuição. De acordo com o artigo 201-A, a incidência das contribuições previdenciárias devidas pelas agroindústrias se dá sobre o valor total da receita proveniente da produção própria e de terceiro, industrializada ou não.

O artigo 201-B do mencionado ato normativo estabelece, ainda, que a incidência se dá também sobre as receitas de outras atividades que não a comercialização da produção.

Em nosso entender, contudo, o alargamento da base de cálculo pelos atos normativos infralegais não é capaz de autorizar a incidência das contribuições em questão sobre a venda de CBIO, diante da aplicação do princípio da legalidade em matéria tributária (artigos 150, I, da CF e 97 do CTN).

Apesar de não possuir um entendimento específico sobre o tema da inclusão da receita de venda dos CBIOs, a Receita Federal já se manifestou na Solução de Consulta Cosit nº 34/2016 acerca da incidência das contribuições previdenciárias devidas pela agroindústria, afirmando a incidência sobre a receita de qualquer atividade – o que abrangeria, em tese, a venda de CBIOs.

A jurisprudência judicial também não analisou, até o momento, a incidência de contribuições sobre a venda de CBIOs. Há, contudo, manifestações a respeito da extensão da incidência dessas contribuições sobre outras atividades econômicas desenvolvidas pelas agroindústrias que não se amoldam bem ao conceito de “produção”.

Historicamente, o Carf tem afastado a aplicação da Instrução Normativa nº 2110/2022 nos casos em que adultera a hipótese de incidência prevista no artigo 22-A da Lei nº 8.212/1991, como nos casos em que definiu o conceito de “atividade autônoma” para fins de não incidência da contribuição previdenciária substitutiva. Contudo, ao analisar a obrigação de incluir todas as receitas (exceto as de serviços) na base de cálculo da contribuição previdenciária substitutiva, o Carf não tem afastado a aplicabilidade do artigo 201-B do Regulamento da Previdência Social e mantém a tributação integral.

Portanto, apesar de haver manifestações contrárias aos aspectos fundamentais da tese, fato é que não há até o momento jurisprudência consolidada a respeito da extensão possível da base de cálculo da contribuição substitutiva da agroindústria, tampouco sobre a possibilidade de a venda de CBIOs estar contida nesse conceito.

É possível discutir se os produtores de biocombustíveis que realizarem a venda de CBIOs e auferirem, assim, uma receita decorrente dessa venda, deverão submetê-la à incidência da contribuição previdenciária substitutiva prevista no artigo 22-A da Lei 8.212/1991, tendo em vista que esse dispositivo estabelece a incidência sobre a receita bruta decorrente da comercialização da produção, sem que o dispositivo legal deixe qualquer margem para interpretação distinta desta.

Como a venda de CBIOs não pode ser equiparada à comercialização da produção da agroindústria – trata-se de venda de direitos de emissão de gás efeito estufa, não podendo ser confundida com a produção rural -, ela estará fora do âmbito de incidência da contribuição previdenciária devida pela agroindústria por aplicação clara e expressa do texto legal. Desse modo, entendemos que o amadurecimento da discussão nas esferas administrativa e judicial deverá levar ao reconhecimento da ilegalidade do regulamento da Previdência Social em seus artigos 201-A e 201-B, com o consequente reconhecimento da impossibilidade de incidência de contribuições previdenciárias de que trata o artigo 22-A da Lei nº 8.212/1991 sobre a receita da venda dos CBIOs pelos produtores de biocombustíveis.

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.

FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR VIVIANE STRACHICINI E PEDRO BINI

 

 

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