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REFORMA TRIBUTÁRIA: O IMPOSTO SELETIVO DEVE SER ISONÔMICO

18 de junho de 2024

Sobre bebida alcoólica, desafio é encontrar alíquota que, ao mesmo tempo, desestimule o consumo, iniba falsificações e assegure a arrecadação

A implementação da reforma tributária impõe um cenário desafiador ao legislador complementar. Dentre os diversos pontos de atenção, há especial preocupação com a fixação das alíquotas do imposto seletivo para os produtos a ele sujeitos.

É este o ponto central dos debates que envolvem os fabricantes de bebidas alcoólicas, especialmente pela oportunidade de subsidiar os grupos técnicos incumbidos de construir a lei complementar do imposto seletivo. Não pode haver erro “na dose”.

O imposto seletivo sobre bebidas alcoólicas deve ser guiado pelo fato objetivo de que é o álcool ingerido, em excesso, que pode fazer mal à saúde, pouco importando a bebida na qual esteja inserido.

Entidades do setor cervejeiro apregoam publicamente em redes sociais que o álcool contido nas bebidas fermentadas causa menor dependência alcoólica devido ao fato de que nelas há menor concentração de álcool.

De outro lado, entidades do setor de bebidas destiladas revelam, em informes publicitários recentemente publicados, que “utilizando o conceito de dose padrão de 14g, uma lata de cerveja (350 ml a um teor alcoólico de 5%) possui, aproximadamente, a mesma quantidade de álcool puro do que uma taça de vinho (150 ml com teor alcoólico de 12%) ou uma medida de destilado (40 ml com teor alcoólico de 40%)”.

A contraposição de argumentos indica que a batalha de narrativas na fase de construção das leis complementares será intensa, convidando-nos a analisar os argumentos à luz do texto constitucional.

A tributação seletiva instituída pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023, é clara em relação à sua finalidade e adequação: inibir o consumo de bens e serviços que façam mal à saúde e ao meio ambiente. Trouxe finalidade extrafiscal mais fechada.: inibir o consumo de bens e serviços que façam mal à saúde e ao meio ambiente. O novo imposto seletivo não prestigia o conceito aberto de “essencialidade” que rege o atual IPI.

É razoável, portanto, que partindo da premissa de que é o álcool puro – e não a cevada, a uva, a cana-de-açúcar ou o malte – o elemento que, quando consumido em excesso, pode fazer mal à saúde, não importa a bebida ou teor alcoólico que o contenha. No fim das contas, é a quantidade de álcool que as pessoas irão ingerir que irá causar efeitos na sua saúde.

O que importa ao interesse da lei é que, ao fim, beberemos quantidade idêntica de álcool, o que conduz à ideia de que a alíquota deve ser idêntica e apta a desestimular igualmente o consumo de todas elas.

O Conselho Nacional de Saúde (CNS), por meio da Recomendação nº 004, de 14 de março de 2024, recomenda aos Ministérios da Saúde, da Fazenda, do Desenvolvimento Social e do Combate à Fome, do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura Familiar, bem como às Presidências do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e do Congresso Nacional e, ainda, à Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária, que “garantam que o imposto seletivo não varie conforme o teor alcoólico das bebidas alcoólicas, tendo em vista que esta medida reduziria significativamente o impacto sobre a cerveja, responsável por 90% do consumo de álcool no país”.

A recomendação levou em conta as particularidades do Brasil, onde o consumo de bebidas alcóolicas é altamente concentrado na cerveja, totalmente diferente dos países Europeus e outros que embasaram recomendações diversas por parte da Organização Mundial de Saúde (OMS).

O CNS chega a uma conclusão ajustada à nossa realidade, levando-se em conta a equivalência das quantidades de álcool contidas nas doses padrão das bebidas. É razoável concluir, como parece ter concluído o CNS, que o maior volume (90%) de consumo de cerveja impõe a equiparação com bebidas que tenham maior concentração de álcool e que são ingeridas em menor volume.

No que diz respeito ao álcool, o imposto deve observar a razoabilidade interna e externa da norma constitucional que determinou a sua cobrança como medida de proteção à saúde. A razoabilidade interna (Barroso, 2003) diz com a existência de uma relação racional e proporcional entre seus motivos, meios e fins, incluindo a razoabilidade técnica da medida. A razoabilidade externa, continua, é sua adequação aos meios e fins admitidos e preconizados no texto constitucional.

Nesta toada, penso que a recomendação da CNS deixa de ser uma mera recomendação, mas passa a ser um alerta decorrente dos valores e finalidades declaradas no texto constitucional que instituiu o imposto seletivo.

Deve-se ter muito cuidado ao importar conclusões de outros países com a falsa premissa de que o Brasil está sempre errado e o que vem de fora está sempre certo ou é o melhor. A experiência internacional é inegavelmente um importante elemento referencial, mas não necessariamente é mais adequada à nossa particular realidade. É ingênuo ignorar a existência de possíveis agendas setoriais nestes organismos por aí afora (como também ocorre por aqui).

Para concluir, considerando a atual proposta de Lei Complementar em discussão no Congresso Nacional, o desafio do legislador será fixar uma alíquota única ad valorem, assim como uma alíquota única específica, para todas as bebidas alcoólicas, em patamar que, ao mesmo tempo, desestimule o consumo, iniba falsificações e descaminhos, além de assegurar a desejada arrecadação.

FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR EDUARDO SALUSSE – SÃO PAULO

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