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A REFORMA TRIBUTÁRIA E AS PLATAFORMAS DIGITAIS

13 de junho de 2024

Grandes plataformas digitais assumiram posição privilegiada em novo modelo econômico e se tornaram verdadeiros “orquestradores” da atividade em várias cadeias produtivas

A reforma da tributação sobre o consumo no Brasil, iniciada pela EC 132/2023, ganhou um novo capítulo com a proposta de Lei Geral do IBS e da CBS. Dentre os diversos temas importantes, assume relevo o tratamento tributário dispensado às plataformas digitais. Mas o que são essas plataformas?

O termo plataforma compreende uma série de significados. Desde as plataformas físicas, que se destinam a agregar indivíduos para a realização de uma atividade comum (e.g. embarque de passageiros); as plataformas político-ideológicas, que buscam unir as pessoas para a promoção de certas missões coletivas (e.g. manter o aquecimento global em 2º C até 2030); até as plataformas técnicas, que visam atrair os agentes econômicos para o aprimoramento de um mesmo produto ou serviço (e.g. iPhone). Em comum, todos os significados do termo apontam para estruturas com um certo grau de abertura, para a interligação de indivíduos ou entidades, e para a persecução de objetivos compartilhados.

Em sentido jurídico, as plataformas de comércio eletrônico podem ser definidas como infraestruturas digitais controladas por pessoas jurídicas que têm como objeto principal a intermediação, em sentido amplo, da produção e comercialização de bens e serviços, inclusive financeiros. Estas plataformas podem ser ainda classificadas como: (i) transacionais; ou (ii) não-transacionais.

Plataformas não-transacionais são aquelas que simplesmente aproximam fornecedores e adquirentes (e.g. serviços de busca de fornecedores, comparação de preços, simples classificados ou ainda publicidade), mas não detêm qualquer controle sobre as operações concluídas pelas partes totalmente fora do seu ambiente digital – isto é, sem que haja qualquer participação da plataforma sobre as receitas ou lucros auferidos nessas transações.

Plataformas transacionais, a seu turno, são aquelas que, além de aproximar fornecedores e adquirentes, controlam um ou mais aspectos relevantes atinentes às operações concluídas dentro do seu ambiente digital, tais como: (i) o preço final; (ii) a forma e condições de pagamento (mesmo que a cobrança ou liquidação financeira sejam efetuados por terceiros); ou (iii) os termos ou modalidades de transporte (mesmo que a entrega seja realiza por terceiros). Nesse último caso, a plataforma tem controle direto sobre a realização das operações e pode, por meio de seus termos de uso e regras de governança, impor condicionalidades e outros requisitos, inclusive de conformidade tributária.

Com o fenômeno da digitalização da economia, acelerado pela pandemia da covid-19, essas grandes plataformas digitais assumiram um papel central na economia contemporânea, a ponto de alguns já se referirem a uma nova etapa do desenvolvimento econômico, denominada de economia de plataformas.

No modelo anterior de pipeline business, típico do capitalismo industrial, cada setor organizava-se sob cadeias produtivas lineares, cujos elos tradicionais eram o produtor, o atacadista, o varejista e o consumidor final. Já no modelo de platform business, a despeito da manutenção dos agentes das cadeias produtivas existentes, surge um novo elo central a essas estruturas empresariais: a grande plataforma digital.

Nesse novo modelo, característico da economia de plataformas, as grandes plataformas digitais assumem posição privilegiada em termos de processamento de dados e retenção de lucros. Ao controlar o cruzamento da oferta e da demanda de diversos agentes econômicos, assim como exercer a governança sobre as suas operações em seus ecossistemas digitais, essas grandes plataformas se tornam verdadeiros “orquestradores” da atividade econômica em cada cadeia produtiva. Isso se traduz na onisciência sobre os dados transitados e na enorme concentração de poderes, figurando, ao mesmo tempo, como administrador de fluxos, legislador de regras e juiz de condutas em seus domínios.

Nesse contexto, andou bem o PLP 68/2024 da Lei Geral do IBS e da CBS ao prever, no art. 23, a atribuição de responsabilidade tributária às plataformas transacionais. De acordo com a proposta, a responsabilidade será atribuída a essas plataformas: (i) por substituição, quando o fornecedor estiver situado do exterior; ou (ii) solidariamente com o fornecedor nacional, caso este não tenha inscrição no cadastro do IBS/CBS ou não realize a emissão de documento fiscal eletrônico.

Considera-se que tal modelo de responsabilidade no IBS/CBS seja compatível com a Constituição Federal de 1988 (CF/1988), especialmente com os princípios da capacidade contributiva e da cooperação (art. 145, §§ 1º e 3º, CF/1988), na medida em que recairá exclusivamente sobre as plataformas de natureza transacional, ou seja, aqueles agentes econômicos: (i) vinculados à operação que constitui o fato gerador; (ii) em posição de se ressarcir de forma direta e imediata junto aos contribuintes desses tributos; e (iii) que detêm efetivo controle sobre a conclusão das transações e amplo acesso às informações necessárias para realizar o monitoramento das obrigações acessórias de inscrição no cadastro do IBS/CBS e de emissão de documento fiscal.

Além disso, ao buscar a concretização da igualdade no cumprimento das obrigações tributárias, tanto de fornecedores estrangeiros quanto de nacionais, o PLP também promove os direitos fundamentais econômicos, especialmente da livre concorrência, da dignidade do trabalho e do pleno emprego (art. 170, CF/1988), considerando ainda ser o próprio mercado interno um patrimônio nacional a ser protegido, em favor do desenvolvimento do país (art. 219, CF/1988).

Em conclusão, as plataformas transacionais, em função da posição de superioridade que atualmente ocupam nas cadeias produtivas e da sua capacidade de impor padrões de conduta a todos os participantes dos seus ambientes digitais, estão juridicamente habilitadas a desempenhar os papéis descritos no PLP da Lei Geral do IBS/CBS.

Gabriel Demetrio Domingues é advogado do BNDES, mestre em Finanças Públicas, Tributação e Desenvolvimento pela UERJ e doutorando em Direito Econômico pela USP. As opiniões emitidas neste artigo refletem a visão autor, e não, necessariamente, a visão do Sistema BNDES sobre o assunto.

FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR GABRIEL DOMINGUES

 

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