A derrubada, pelo Supremo Tribunal Federal, das Emendas Constitucionais 113 e 114, de 2021, vai devolver aos precatórios federais o status que tinham de títulos mais confiáveis do país. Segundo quem opera no setor, a expectativa é que o mercado de investimento em precatórios cresça significativamente.
Tradicionalmente, a União sempre foi conhecida por pagar seus precatórios em dia, diferentemente de estados e municípios, mais vulneráveis que o Tesouro Nacional. A situação mudou em dezembro de 2021, quando o governo de Jair Bolsonaro conseguiu aprovar as emendas que estabeleciam teto no orçamento para o pagamento dessas dívidas entre 2022 e 2026.
O objetivo era o de redirecionar recursos e aumentar para R$ 600 por mês o valor do Auxílio Brasil para famílias carentes em 2022. Assim, parte do dinheiro que seria usado para quitar precatórios foi usado para o programa social.
O problema é que o teto criado pelas emendas teve como consequência o não pagamento de dívidas da União já programadas para serem quitadas nos anos seguintes. Esse atraso incluiu alguns precatórios já adquiridos por plataformas de investimento e transformados em ativos que estavam prestes a ser honrados, mas não foram. Isso arranhou a confiança que o mercado tinha nesse tipo de título da União.
Já no governo Lula, a Advocacia-Geral da União foi ao Supremo contra as emendas — e ganhou. Como a decisão da corte não se limita a derrubar o teto, mas também dá ao governo federal a possibilidade de regularizar R$ 95 bilhões do estoque de sentenças judiciais em atraso, a União recuperou a sua credibilidade.
“O mercado de precatórios federais tinha perdido muitos pontos devido aos atrasos, mas isso vai mudar a partir de agora. Esses títulos voltarão a ter ‘padrão ouro’, a ser referência. E, claro, o mercado vai se aquecer com isso, porque é um tipo de investimento com rentabilidade acima da média”, afirma Victor Cajano, executivo da Kateto, empresa especializada em originação de créditos judiciais com distribuição desses ativos pela Hurst Capital.
“A recuperação do ‘padrão ouro’ dos precatórios federais é um sinal positivo para o mercado de investimentos no Brasil. E já se nota um enorme aumento na demanda por esses ativos, especialmente pela segurança e rentabilidade que oferecem”, avalia o advogado Pedro Paulo Corino da Fonseca, sócio do escritório Corino Advogados.
Cajano observa que, quando aprovadas, as Emendas 113 e 114 possibilitaram a compra de precatórios com deságios maiores, já que vários credores ficaram receosos de a demora na quitação ser muito longa. Por outro lado, isso gerou uma insatisfação no investidor, que perdeu o fator de previsibilidade de recebimento, ainda que a rentabilidade não tenha sido prejudicada.
Como funciona
Precatórios são dívidas do governo reconhecidas definitivamente pela Justiça em processos vencidos por pessoas ou empresas. Normalmente, o pagamento desses débitos pelo governo costuma levar anos e, por essa razão, é comum que os credores vendam o direito de recebimento para terceiros, que os compram com deságio porque podem esperar até a quitação.
Os precatórios se tornam ativos de investimento em razão do deságio no momento da compra e da correção por juros até a data do pagamento (os índices variam entre os tribunais). Quando somados, esses fatores trazem oportunidades de alcançar rentabilidade acima de 20% ao ano. Outra fonte de interesse das empresas é que precatórios podem ser usados na quitação de tributos.
“O preço dos ativos deve retornar ao patamar de 2020, antes das PECs, ou seja, de ativos de primeira linha. Assim, devem voltar a custar 85% para vendas ao mercado de investimentos e até 92% para o mercado de compensação tributária”, estima Pedro Corino.
Renata Nilsson, executiva da PX Ativos Judiciais, explica que esse mercado tem relação direta com o tempo de espera para o recebimento e a decisão do STF trouxe mais previsibilidade. “Os precatórios federais voltarão a ser pagos em dia e o cenário é muito mais favorável: os preços voltaram a ser melhores (com deságios menores), com mais compradores e taxas menores do que qualquer empréstimo, cheque especial ou rotativo de cartão.”
Porém, vender ou comprar um precatório depende de uma análise técnica jurídica e financeira especializada, como esclarece o advogado Marco Antonio Innocenti, sócio-diretor da banca Innocenti Advogados e ex-presidente da Comissão de Precatórios do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.
“Investidores institucionais, que o mercado chama de ‘investidores qualificados’, têm grande entendimento sobre a natureza, os desafios e os riscos que esse investimento oferece. A rentabilidade acima da média decorre de uma análise e de uma prospecção de créditos muito bem desenhada para entender os riscos”, pondera Innocenti, que também é autor da obra Precatórios: Uma Questão de Justiça, editado em 2016 pela OAB.
FONTE: CONSULTOR JURÍDICO