Mercadorias ficaram paradas nas alfândegas em razão da greve dos auditores fiscais, encerrada oficialmente ontem à noite.
Com o acúmulo de mercadorias importadas paradas nas alfândegas, em razão da greve dos auditores fiscais da Receita Federal, várias empresas decidiram recorrer ao Judiciário em busca de liminares. As decisões, em geral, dão prazo de 48 horas para a liberação dos produtos.
Mesmo com o fim do movimento, anunciado ontem à noite pelo Sindifisco Nacional, que representa os auditores fiscais, o prazo de liberação de mercadorias ainda deve ser longo até se atingir a normalidade. Foram 81 dias de paralisação, deixando produtos parados, em muitos casos, por mais de um mês em alfândegas da Receita Federal.
O principal argumento das empresas está no Decreto nº 70.235, de 1972, que dispõe sobre o processo administrativo fiscal. Pelo artigo 4º, o servidor deve executar atos processuais no prazo de oito dias. Passado esse prazo, segundo especialistas, as empresas teriam direito de buscar liminares para ter o seu direito garantido.
“Existe o direito de greve assegurado constitucionalmente, mas também existe o princípio do livre exercício da atividade econômica. Nesses casos, deve haver uma sobreposição porque a economia não pode parar”, afirma o advogado Artur Ratc, sócio do escritório Ratc & Gueogjian Advogados.
Nesta semana, uma empresa assessorada por Ratc obteve, na 14ª Vara Cível Federal de São Paulo, liminar que determina a liberação, em 48 horas, de aparelhos de radionavegação parados na Alfândega da Receita Federal de São Paulo. As mercadorias chegaram no dia 12 de janeiro.
Com greve, quem não tem liminar vaificando sem perspectiva” — Carlos E. Navarro
A juíza Noemi Martins de Oliveira, ao analisar o caso, entendeu que estavam presentes os requisitos para se admitir a liminar e que, por imposição do artigo 4º do Decreto nº 70.235, de 1972, deveria ser efetuado o desembaraço das mercadorias no prazo de 48 horas.
De acordo com a decisão, “os princípios que regem a atuação da administração pública, presentes na Constituição Federal, entre os quais o da legalidade e o da eficiência, impõem o dever de uma solução pronta, afastando a demora na atividade processual”.
A magistrada acrescenta que “não obstante o reconhecimento do direito de greve dos servidores públicos, a própria Constituição Federal prevê, em seu artigo 37, inciso VII, que o direito de greve será exercido nos termos e limites definidos em lei específica”.
Para ela, a atividade aduaneira tem natureza de serviço público essencial, que não pode ser paralisada. “Dessa forma, eventual descontinuidade desse serviço representaria, ao final, prejuízo evidente para atividade empresarial nacional, com reflexos negativos em toda a economia brasileira” (processo nº 5001085- 07.2024.4.03.6100).
Outras liminares nesse sentido foram proferidas no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), com sede em São Paulo. A 4ª Turma foi unânime ao manter o imediato prosseguimento e conclusão do procedimento de despacho aduaneiro de mercadorias que estavam paradas no Aeroporto Internacional de Viracopos, em Campinas (SP).
No entendimento do relator, desembargador André Nabarrete Neto, o direito de greve “deve ser exercido com respeito e observância do princípio da continuidade”. “Não pode o movimento paredista prejudicar a fiscalização e liberação de mercadorias importadas, dado que a descontinuidade do serviço, considerado essencial, pode acarretar sérios prejuízos aos administrados, ao criar óbice ao pleno exercício de sua atividade econômica”, diz o julgador (processo nº 50023933420224036105).
O Judiciário, segundo Ratc, tem sido a saída para as empresas que aguardam a liberação de suas mercadorias em um prazo maior do que oito dias – que é o determinado pelo Decreto nº 70.235, de 1972. Essa argumentação, acrescenta o advogado, já era usada anteriormente e pode continuar a ser adotada, “como forma de assegurar um prazo razoável às companhias”.
O advogado Carlos Eduardo Navarro, do escritório Galvão Villani, Navarro, Zangiácomo e Bardella, destaca que, em toda greve da Receita Federal, acontece a mesma coisa: os processos começam a acumular e o tempo para a liberação das mercadorias fica maior. “Aí começam a vir essas liminares. Mas a partir do momento que vem a liminar, o fiscal tem que pegar o processo que estava lá atrás da fila para apreciar porque tem uma ordem judicial e isso vai bagunçando tudo”, diz.
Com esse movimento, acrescenta o advogado, chega num determinado momento que quem não tem liminar vai ficando sem perspectiva. Para Navarro, mesmo com o fim da greve dos auditores fiscais, ainda deve demorar um tempo para a situação voltar à normalidade.
Procurada pelo Valor, a Receita Federal informou, por meio de nota, que não comenta decisões judiciais. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) também informou que não vai se manifestar sobre o assunto.
FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR ADRIANA AGUIAR — DE SÃO PAULO