Na ação, o partido Solidariedade alega que a Taxa Referencial não corrige os depósitos de forma adequada.
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) deve julgar na tarde de hoje se a Taxa Referencial (TR) representou correção real para os depósitos de FGTS entre 1999 e 2013. Segundo estimativa da Caixa Econômica Federal (CEF), o impacto do julgamento para a União pode chegar a R$ 661 bilhões, se o pedido for aceito e a Corte não estabelecer um limite temporal para a proposição de ações judiciais.
Quem entrou com a ação no STF?
A ação foi proposta pelo partido Solidariedade. O partido alega na ação que a TR não corrigiria adequadamente os depósitos. Argumenta também que a maior diferença de valor entre a TR e outros índices de correção ocorreu entre 1999 e 2013.
Como a Caixa chegou a este valor de possível impacto financeiro?
O valor do impacto estimado pela Caixa supera o patrimônio público do fundo. Poderia causar sua insolvência ou exigir um aporte da União na casa dos R$ 543 bilhões, segundo a Advocacia-Geral da União (AGU). O dado considera que o patrimônio líquido do FGTS, nos termos do balanço constante do Relatório de Gestão de 2021, girava em torno de R$ 118 bilhões. O cálculo foi feito levando em consideração o período de 1999 a 2022 e utilizando o INPC de forma retroativa como índice.
Por que os trabalhadores entendem que a TR não serve para corrigir esses depósitos?
De acordo com Ayres Britto, ministro aposentado do STF que passou a atuar na ação por indicação da Associação Nacional dos Funcionários do Banco do Brasil (Anabb), os direitos dos trabalhadores são caracterizados pela perspectiva de melhoria de condição social e pela ideia de hipossuficiência. Por isso, defende que os trabalhadores precisam receber um tratamento jurídico superior para compensar sua inferioridade factual.
Decorre dessa ideia que o FGTS deve ser corrigido por índice que, no mínimo, seja igual ao da inflação, segundo Ayres Britto. “Se não houver um índice de correção monetária pelo menos igual à inflação os trabalhadores, quanto ao seu direito fundamental ao FGTS, sofrerão prejuízos e enfrentarão perdas crescentes”, afirmou.
O FGTS tem sido corrigido pelo pior índice, segundo Ayres Britto. O pedido é para que o governo aplique qualquer outro índice – como Selic, IPCA, entre outros utilizados para a correção de tributos e precatórios. “Nós não queremos obter ganhos, queremos evitar perdas”, afirma Ayres Britto.
Por que a União defende a aplicação da TR?
Para a AGU, a adoção da TR como critério para a remuneração dos depósitos do FGTS não viola os direitos constitucionais de propriedade e ao próprio fundo de garantia porque o FGTS não é um “mero bem” pertencente ao trabalhador. O fundo teria dupla finalidade: primeiro, servir como instrumento de garantia à subsistência dos trabalhadores em caso de fim do vínculo empregatício; segundo, fomentar políticas públicas por meio do financiamento de programas de habitação popular, de saneamento básico e de infraestrutura urbana.
Ainda segundo a AGU foi a adoção de um sistema de remuneração baseado na TR que tornou possível a concessão de crédito pelo FGTS a custos menores. “O equilíbrio do fundo depende do pagamento dos saldos de FGTS aos trabalhadores pela mesma taxa referencial, sob pena de se inviabilizar a realização de programas”, segundo a AGU afirmou em resposta ao Valor.
De acordo com a AGU, as Leis nº 13.446/2017 e nº 13.932/2019 alteraram a forma de remuneração das contas do FGTS e modificaram o panorama questionado na ação.
Com a alteração legislativa, o FGTS passou a distribuir uma parcela de seus lucros aos cotistas do fundo, levando a remunerações superiores às da TR e à inflação.
Existem decisões judiciais anteriores favoráveis ao pedido da União?
De acordo com a AGU, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou o tema em repetitivo (Resp nº 1.614.874), que serve de orientação para as instâncias inferiores do Judiciário. No julgamento, a Corte decidiu que a remuneração das contas vinculadas ao FGTS tem disciplina própria, ditada por lei, que estabelece a TR como forma de atualização monetária, sendo vedado ao Poder Judiciário substituir o índice.
Também há precedentes favoráveis ao pedido dos trabalhadores?
Os beneficiários fazem um paralelo da discussão sobre o FGTS com a decisão do STF sobre precatórios. No caso, o Supremo decidiu favoravelmente à revisão pela Selic.
“O precedente nos favorece. Queremos um tratamento paritário com a correção já julgada pelo Supremo dos precatórios”, afirma Ayres Britto.
O valor em jogo pode influenciar o voto dos ministros?
De acordo com Ayres Britto, o valor de uma causa não é argumento no direito, mas não é possível prever como os ministros vão analisar. A Corte ainda pode trabalhar com a modulação dos efeitos da decisão, que impõe um limite temporal para os pedidos.
Já a AGU entende que o julgamento não deve se dissociar dos possíveis efeitos que podem ser causados ao FGTS. Ainda segundo a pasta, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei nº 4.657/1942) prevê que “nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão”.
FONTE: Valor Econômico – Por Beatriz Olivon — Brasília