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SCP, FII E CONFLITOS DE INTERESSE

24 de novembro de 2020

É necessário uma reflexão sobre os desdobramentos adicionais relacionados a situações de conflito de interesses.

É prática relativamente comum para acomodar interesses de sócios de capital em projetos imobiliários a constituição de Sociedades em Conta de Participação (SCP), reunindo os investidores, na qualidade de sócios ocultos, e o empreendedor imobiliário, na posição de sócio ostensivo.

O Código Civil regulamenta as SCP (nos artigos 991 a 996) definindo-as como entidades não personificadas – que não assumem, portanto, em seu próprio nome, obrigações perante terceiros – e que se constituem independentemente de qualquer formalidade (não se exigindo registro em Junta Comercial, por exemplo) e podem-se provar por todos os meios de direitos.

É necessário uma reflexão sobre os desdobramentos adicionais relacionados a situações de conflito de interesses.

Nesta dinâmica, o sócio ostensivo é o responsável por todas as questões imobiliárias e os investidores, como sócios ocultos, não respondem por pleitos e reclamações de terceiros. Os investidores permanecem, todavia, obrigados ao sócio ostensivo pela realização do aporte financeiro.

A segregação jurídica de responsabilidades nesta estrutura atrai investidores que desejam aplicar capital no setor imobiliário, assumindo o seu risco comercial sem correr todos os demais riscos da incorporação (cível, criminal, trabalhista).

A aquecida indústria de Fundos de Investimento Imobiliário (FII) frequentemente se depara com oportunidades de investimento em empreendimentos mediante a aquisição de quotas de SCP.

Os FII são regulados pela Instrução da CVM nº 472, de 31 de outubro de 2008, a qual estabelece (em seu artigo 45) os ativos que podem compor a sua carteira, dentre eles “ações ou cotas de sociedades cujo único propósito se enquadre entre as atividades permitidas aos FII”.

Neste contexto, vale destacar que, em 2018, a CVM (por intermédio da GIES) em análise de um caso específico indicou que “(…) cotas de SCP não são consideradas cotas de sociedades previstas no inciso III do art. 45, uma vez que as SCP não são personificadas e não envolve uma atividade empresarial propriamente dita, traduzindo-se como um mero empréstimo ao empreendedor (…)”.

A Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) enviou este ano um ofício à CVM formulando consulta sobre a possibilidade de aquisição quotas de SCP por FII, sustentando que, pelo ordenamento jurídico brasileiro, as SCP são sociedades para todos os fins de direito e alinham-se ao propósito das normas que institui e regulamentam os FII. A entidade de autorregulação solicita, ainda, que a CVM emita orientação ao mercado caso entenda que a aquisição direta destes ativos não esteja expressamente contemplada no art. 45, inciso III da Instrução CVM 472.

Além do mérito da interpretação do referido dispositivo pela autarquia, é preciso refletir sobre desdobramentos adicionais relacionados a situações de conflito de interesses (caso a CVM não embargue essa alternativa de investimento pelo FII).

Para ilustrar, imagine-se um caso no qual um player é proprietário de um imóvel, diretamente ou por meio de veículo de investimento, e deseja desenvolvê-lo para renda ou ganho de capital. Para captar os recursos necessários ao projeto pretende constituir uma SCP específica e distribuir as suas quotas no mercado.

Caso um FII que esteja em posição de conflito de interesses, conforme rol exemplificativo da ICVM 472, venha adquirir estas quotas (aventando aquiescência desta possibilidade pela CVM), neste empreendimento específico o FII figurará como sócio oculto e não desenvolverá propriamente a atividade imobiliária. Lembrando que a SCP, por natureza, segrega a figura do empreendedor e do investidor, sendo que este último nutre expectativa de remuneração do capital a partir do esforço do sócio ostensivo.

Aqui as quotas da SCP seriam encaradas como um ativo financeiro ou um ativo imobiliário não financeiro?

Esta é uma configuração importante. Pois, considerando a posição de conflito no FII, o investimento na SCP deve ser previamente aprovado pelos cotistas em assembleia-geral.

Nos termos do Ofício CVM/SRE nº 1/2020, especificamente para ativos financeiros não há necessidade de aprovação específica e prévia a cada operação, sendo permitida a realização de uma assembleia única deliberando critérios de elegibilidade adequadamente delimitados para a negociação destes ativos. Sem que isso se confunda com pré-aprovação da matéria.

Ora, caso a CVM entenda ser possível o investimento do FII em SCP e, ainda, que estas quotas são configuradas como ativos financeiros (exclusivamente no contexto acima), quais seriam as sugestões de critérios de elegibilidade para delimitar a negociação de quotas de SCP em situações de conflito de interesses?

Considerando a complexidade da matéria, é oportuno fomentar esta discussão esperando que na resposta da CVM a orientação abarque também estas nuances e não se limite a responder objetivamente à questão formulada em consulta pela Anbima.

FONTE: Valor Econômico – Por William Koga

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