Telefone: (11) 3578-8624

TENDÊNCIAS DO PROGRAMA DE LENIÊNCIA ANTITRUSTE

18 de novembro de 2019

O fortalecimento do sistema de defesa da concorrência não se dá necessariamente com a aposta no enrijecimento das sanções.

No Direito Antitruste, a responsabilização por atos ilícitos compreende as três esferas disponíveis: administrativa, cível e criminal, além de abranger pessoas físicas e jurídicas. A relevância dos bens jurídicos tutelados é grande, bem assim o tamanho da responsabilidade de quem infringe a lei.

Até aqui, nenhuma novidade, já que o Brasil simplesmente adotou a receita de melhores práticas internacionais, como as da OCDE, e seguiu a tradição de outras jurisdições – como UE e EUA.

O fortalecimento do sistema de defesa da concorrência não se dá necessariamente com a aposta no enrijecimento das sanções

No tocante à estratégia de aplicação da lei com o objetivo de reparar os danos causados à sociedade e, ao mesmo tempo, dissuadir futuras infrações, o Brasil tem se mantido alinhado às tendências globais. É o que ocorreu, por exemplo, com a introdução da leniência antitruste no início dos anos 2000, com clara influência do programa de leniência estadunidense dos anos 1990.

O modelo brasileiro inovou ao cumular imunidade penal e administrativa aos beneficiários que conduzissem as autoridades ao núcleo secreto e criminoso dos cartéis. Foi um sucesso. O programa teve considerável aderência, elevou o nível de detecção de infrações e influenciou outros diplomas voltados ao enfrentamento de crimes de coautoria ou organizações criminosas (como as Leis 12.846/13 e 12.850/13).

Não obstante, se por um lado os acordos de leniência no Brasil trataram de prever um pacote de benefícios nos âmbitos penal e administrativo, na esfera cível a história foi mais lenta. A Lei Antitruste reforça a possibilidade de os prejudicados pelos ilícitos concorrenciais ingressarem em juízo para o recebimento de indenização por perdas e danos sofridos, sem, todavia, prever qualquer tipo de vantagem às pessoas físicas ou jurídicas que chancelem o acordo.

Nos Estados Unidos, o “Clayton Act” dispõe sobre a possibilidade de ações de reparação de dano com ressarcimento três vezes o valor do dano (treble damages) para vítimas de infrações antitruste. Em 2004, com a reforma da lei antitruste daquele país, os signatários da leniência foram excluídos da reparação tripla, sendo previsto que devem apenas arcar com o dano que causaram, sem qualquer forma de responsabilização solidária.

Nesse contexto, avançou, por mais uma comissão da Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei nº 11.275/2018. A iniciativa legislativa prevê o ressarcimento em dobro pelos prejuízos sofridos em razão da prática de cartel, com exceção aos signatários de acordo de leniência ou termo de compromisso de cessação de prática, o que revela um grande avanço.

Muito embora esses se mantenham responsáveis pelo dano causado, a redação do projeto, inspirada no modelo estadunidense, consigna que a eles não haverá incidência de responsabilidade solidária pelo dano provocado pelos demais autores da infração à ordem econômica, o que se traduz em mais um incentivo para a cooperação com as autoridades.

Cumpre consignar, porém, que o fortalecimento do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência não se dá, necessariamente, com a aposta no enrijecimento das sanções. Por essa razão, o ressarcimento em dobro pode ser considerado desproporcional se tomarmos por referência as sanções existentes nas demais esferas, razão pela qual devem ser encaradas de modo holístico.

A complexidade das infrações que afrontam a ordem econômica desafia um maior requinte das técnicas investigativas, dos institutos jurídicos e das políticas públicas, notadamente porque os instrumentos clássicos não conseguem, por si só, oferecer uma resposta mais assertiva. Lado outro, a crença no trunfo punitivo não nos parece o melhor caminho.

Com a possibilidade de aprovação do projeto, inaugura-se, do ponto de vista dos acordos antitruste, uma fase mais avançada dos mecanismos de consensualização da administração pública, o que tende a imprimir maior efetividade à ação estatal. O aprimoramento dos acordos colaborativos e dos incentivos para os seus signatários, favorece a obtenção de provas e, por conseguinte, o desmonte das refinadas estruturas criminosas. Entretanto, essa técnica também não está imune a críticas.

A leniência antitruste brasileira tende a ser colocada entre as mais sofisticadas do mundo, mas é preciso que de fato a consensualização diminua a verticalização existente entre a autoridade e o administrado e seja conduzida de forma transparente, sem a utilização de expedientes coercitivos para provocar o acordo, o que pode colocar em xeque a sua legitimidade, inclusive do ponto de vista probatório.

É certo, entretanto, que o programa de leniência antitruste, comparativamente ao dos demais órgãos públicos (CGU, Bacen, CVM) oferece o melhor pacote de imunidades hoje disponível no Brasil, favorecendo, sobremaneira, a detecção e o desmantelamento de cartéis e condutas relacionadas.

FONTE: Valor Econômico – Por Eduardo Molan Gaban e Rhasmye El Rafih

Receba nossas newsletters