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STJ PERMITE DEPÓSITO EM JUÍZO PARA EVITAR FALÊNCIA DE EMPRESA QUE DESCUMPRIU PLANO DE RECUPERAÇÃO

18 de junho de 2025

Foi a primeira vez que o tribunal superior julgou o tema, que dividiu os ministros.

Uma decisão da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) permitiu a uma empresa que descumpriu o plano de recuperação judicial depositar em juízo o valor que deixou de pagar para evitar a falência. Foi a primeira vez que a Corte julgou o tema, que dividiu os ministros. O placar terminou apertado, em três votos a dois.

A questão é “polêmica” e “inédita”, como definiu a relatora do caso, ministra Nancy Andrighi. Na visão de especialistas, o entendimento pode estimular o descumprimento de planos de reestruturação. Isso porque seria possível não quitar parte do acordo com credores e depositar, no futuro, o valor do crédito só de quem reclamou da inadimplência.

Poderia ainda “descaracterizar o ato de falência” e “restabelecer a corrida dos credores para o recebimento de seus créditos”, segundo afirma, em seu voto, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, que ficou vencido no julgamento. Ele foi seguido pelo ministro Humberto Martins.

Para o representante legal da empresa em reestruturação, Roger Deivis Leite, do Frizzo & Feriato Advocacia Empresarial, foi caso de inadimplemento pontual, portanto, não se deveria decretar a quebra de uma companhia saudável que conseguiu depositar as parcelas atrasadas.

O caso envolve a OPP Indústria Têxtil, dona das marcas Oppnus, Empório e Caccau Jeans, que esteve em recuperação judicial entre 2016 e 2022. Para equalizar a dívida de R$ 150 milhões, o plano de reestruturação previu deságio de 45% sobre os créditos, pagos em parcelas semestrais ao longo de mais de 15 anos.

A devedora vinha fazendo os pagamentos, mas deixou de pagar três parcelas (cerca de R$ 213 mil) à credora Sicredi, o que motivou a cooperativa de crédito a pedir a falência da OPP em maio de 2023. O valor da dívida original era de R$ 3,5 milhões, reduzida para R$ 2 milhões com o desconto do plano. Segundo advogados da Sicredi, foram pagas 10 parcelas, no valor total de R$ 700 mil.

Como a fabricante fez o depósito do que devia à Sicredi, o juiz do caso extinguiu o processo. A decisão foi confirmada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJPR). No recurso ao STJ, a cooperativa pede que não seja dada a possibilidade do depósito, pois houve descumprimento do plano de recuperação judicial, hipótese de quebra.

Afirma que “a reiterada inadimplência demonstra a inviabilidade econômica da sociedade empresária, a qual deve ser excluída do mercado”. Seus advogados dizem que após a ação de falência, a OPP novamente deixou de pagar três parcelas, quitadas após notificação extrajudicial. As parcelas de novembro de 2024 e maio de 2025, contudo, estão pendentes, o que deve motivar novo pedido de falência.

A questão analisada pelos ministros está prevista no parágrafo único do artigo 98 da Lei de Recuperação Judicial, a nº 11.101, de 2005. Nele, se prevê que o devedor, 10 dias após ser intimado em ação que pede sua falência, pode “depositar o valor correspondente ao total do crédito, acrescido de correção monetária, juros e honorários advocatícios, hipótese em que a falência não será decretada”.

A lei autoriza a aplicação do dispositivo na hipótese de inadimplemento, prevista nos incisos I e II do artigo 94 da legislação, para evitar a falência. Se houver suspeita de fraude, o depósito não tem força para impedir a quebra. Esse foi o entendimento que prevaleceu no STJ, no voto da relatora, Nancy Andrighi. Ela foi acompanhada pelos ministros Moura Ribeiro e Daniela Teixeira.

“Se a obrigação descumprida for de natureza pecuniária – dívida vencida e não paga -, não há razão lógico-jurídica apta a impedir o devedor de proceder ao depósito elisivo e obstar o decreto da falência”, diz. “O depósito elisivo, assim, somente se compatibiliza com ações de falência cuja causa de pedir seja o inadimplemento.”  Para Nancy, a falência só deve ser decretada em último caso (REsp nº 2186055).

O ministro Villas Bôas Cueva divergiu. “A conjugação de prazos de carência extensos, que implicam o encerramento da recuperação judicial sem que tenha sido realizado nenhum pagamento, com a possibilidade de realização de depósito elisivo no caso de o credor pedir a falência, mesmo tendo o legislador inserido o descumprimento do plano de recuperação judicial dentre os atos de falência, incentiva o descumprimento dos planos”, diz em seu voto.

O advogado Paulo Sant’Anna, que atua pela Sicredi, afirma que vai recorrer. Defende que não foi caso de mero atraso no pagamento e sim descumprimento do plano de recuperação, hipótese em que o depósito elisivo não afasta a falência. “Não basta o pagamento de um único credor e sim a demonstração de que o plano está sendo cumprido e não há insolvência”, diz. “Esse precedente é perigoso, porque, de certa forma, estimula o descumprimento das obrigações assumidas pela recuperanda no plano.”

Também atuou no caso o advogado Carlos Araúz Filho. “É um assunto relevante, porque estamos em um cenário em que há uma utilização indiscriminada das recuperações judiciais e, muitas vezes, a empresa não tem condições ou musculatura para dar continuidade a seu negócio”, afirma.

O advogado Roger Deivis Leite, diz que a decisão foi correta, pois evita a falência de empresa saudável que emprega cerca de 200 funcionários. “A decisão se baseou em uma presunção de solvência, porque se a empresa tem capacidade de depositar todo o valor da dívida em aberto, se concretiza a presunção de que é uma empresa viável e saudável ainda”, afirma ele, acrescentando que a companhia tem cumprido o plano e nenhum outro credor entrou com ação pedindo a quebra.

É também o que pensa o advogado Júlio Mandel. “O plano de recuperação judicial é um contrato que se descumprido, pode-se executar e pedir a falência com base na impontualidade. E a lei prevê que cabe depósito elisivo nesses casos, então se aplica o que está na lei”, diz. Para ele, a decisão não incentiva o descumprimento dos acordos com credores, pois o depósito deve ser feito em dez dias com correção, juros e honorários. “Não tem um ganho, o devedor vai pagar mais caro”, completa.

Na visão da advogada e a administradora judicial Joice Ruiz, a conclusão da relatora faz sentido, pois o descumprimento ocorreu após encerrada a recuperação. “Se houver descumprimento no período de dois anos de fiscalização, os artigos 73 e 94 da lei são claros no sentido de que o juiz deve decretar a falência”, afirma. Mas após esse prazo, o credor pode entrar com ação de falência ou executar o título, sendo possível o depósito elisivo.

Para Joice, se prevalecesse o voto divergente, qualquer atraso de parcela, ao longo do pagamento de 15 anos do plano, ensejaria uma falência automática. “Não me parece que esse entendimento segue o princípio de ser feito o que for menos gravoso para o devedor” diz. “Não é que a empresa possa ficar sem pagar, mas que seja dada a possibilidade, por impontualidade no pagamento, de fazer o depósito”, adiciona.

FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR MARCELA VILLAR — DE SÃO PAULO

 

 

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