Ministros entenderam que esses valores devem ser tributados. Especialistas apontam insegurança jurídica
Em fevereiro, por unanimidade, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeitou os embargos de declaração opostos pela IASA S.A contra um acórdão do colegiado que decidiu que as empresas não podem deduzir valores pagos a diretores empregados a título de Participação nos Lucros e Resultados (PLR) e de gratificações da base de cálculo do IRPJ e da CSLL. O caso subiu para o Supremo Tribunal Federal (STF), onde no dia 30 de abril, o ministro Dias Toffoli negou seguimento ao recurso. Ainda é possível recorrer.
Na visão de especialistas ouvidos pelo JOTA, a decisão do STJ gera insegurança jurídica aos contribuintes, já que a Corte está adotando posicionamento mais restritivo que a própria Receita Federal, que nas IN 1.700/2017 e SCs COSIT 546/2017 e 16/2018 permite a dedução da CSLL nesta hipótese. Desta forma, com a decisão do STJ, contribuintes que ajuizaram ação sobre o tema, como a IASA S.A, serão tratados de forma distinta.
Ao analisar os embargos, o ministro e relator Gurgel de Faria destacou que não há no acórdão nenhuma situação que dê amparo ao recurso. Por isso, disse que o vício alegado pela empresa contribuinte, na realidade, manifesta seu inconformismo com a conclusão adotada no acórdão embargado de que os valores pagos a diretores contratados sob o regime celetista, a título de gratificações ou PLR, não podem ser deduzidos do lucro real para estabelecer a base de cálculo do IRPJ e da CSLL.
Em seu voto, o ministro também ressaltou que tanto a Instrução Normativa 1.700/2017, da Receita Federal, quanto a Solução de Consulta Cosit 16/2018, são posteriores ao trânsito em julgado administrativo e ao ajuizamento da ação anulatória (que ocorreu em 2016), não havendo que se cogitar de sua aplicação retroativa, sob pena de ofensa ao art. 106 do Código Tributário Nacional (CTN).
Além disso, ressaltou que a orientação fixada na instância administrativa, embora tenha natureza vinculante entre Fisco e contribuinte naquela esfera, não impede que o Poder Judiciário decida de forma diversa.
Segundo o ministro, caso fosse de interesse da autoridade fazendária manter seu entendimento sobre a dedutibilidade da PLR e das gratificações pagas a diretores celetistas da base de cálculo da CSLL, bastaria ter reconhecido a procedência do pedido em relação a esse tributo.
“No caso, a partir da observância do princípio da separação dos Poderes e da interpretação sistemática e teleológica das normas envolvidas na solução da controvérsia, chegou-se à conclusão de que os valores pagos a diretores celetistas a título de PLR e gratificações não podem ser deduzidos da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, o que demonstra a ausência da apontada contradição interna”, concluiu o ministro.
Impactos da decisão do STJ
Tatiana Del Giudice Cappa Chiaradia, acredita que o acórdão da 1ª Turma pode acarretar tratamento não isonômico entre contribuintes. Isto porque em detrimento dos atos administrativos expedidos pela Receita Federal, a decisão do Judiciário prevalece, sendo aplicável apenas somente às partes do caso concreto julgado pelo STJ.
“Além disso, aqueles que antes realizavam a dedução da CSLL com base no posicionamento da Receita Federal estão inseguros, considerando ser possível eventual mudança de posicionamento da Receita Federal com base no decidido agora pelo STJ sujeitando-os a autuações”, afirma.
Thiago Braga, considera que a posição adotada pela ministra Regina Helena Costa no julgamento seria a melhor solução aplicável ao caso, visto que ela trouxe uma posição de que todas as despesas deveriam ser consideradas, inicialmente, dedutíveis para fins de IRPJ/CSSL, sugerindo que a dedução deve ser a regra e a proibição deve ser a exceção.
“Tais exceções devem constar de normas objetivas e que tenham como justificativa racional a necessidade de não deduzir despesas que não tenham relação com os interesses de geração de riqueza pela empresa”, afirmou Braga.
De acordo com ele, esse julgamento pode manter a litigiosidade que já existe acerca do tema, especialmente com relação ao IRPJ – até que haja algum julgamento em repetitivo ou repercussão geral sobre o tema –, além de criar nova litigiosidade com relação à CSLL, especialmente se a Receita decidir mudar seu entendimento atual.
Segundo Leonardo Roesler, advogado tributarista, a decisão da Corte, especialmente em confronto com as diretrizes administrativas atualmente estabelecidas pela Receita Federal, gera, de fato, relevante insegurança jurídica para os contribuintes.
Para o especialista, ao reafirmar que os valores pagos aos diretores contratados sob regime celetista a título de gratificações ou PLR não são dedutíveis na determinação do lucro real para efeitos de cálculo do IRPJ e da CSLL, o julgamento da Corte estabelece um precedente que se choca frontalmente com as normas e orientações administrativas hoje aplicadas pela Receita Federal. De acordo com ele, o cerne da insegurança jurídica se encontra justamente nessa coexistência de orientações contraditórias.
“Por um lado, o STJ reafirma uma interpretação rigorosa da legislação tributária, sustentando explicitamente que não há diferenciação entre diretores empregados e diretores estatutários para efeitos de dedutibilidade, com base nos artigos 45, §3º da Lei 4.506/1964 e 58, parágrafo único, do Decreto-Lei 1.598/1977. Por outro, a Receita Federal, órgão responsável pela fiscalização e cobrança tributária, adota postura oposta, permitindo a dedução pelo menos em relação à CSLL”, ilustrou Roesler.
Por isso, avalia, nesse contexto, os contribuintes ficam expostos ao risco de autuações fiscais, que podem ser validadas judicialmente, apesar de estarem em conformidade com as normas administrativas vigentes. Essa contradição gera insegurança quanto à aplicação efetiva das regras tributárias e ao adequado planejamento tributário das empresas, especialmente considerando o impacto financeiro significativo dessas deduções.
Além disso, segundo Roesler, há outro ponto do acórdão que intensifica a insegurança jurídica. “O Tribunal claramente afastou a possibilidade de aplicação retroativa das normas administrativas mais favoráveis ao contribuinte, sob argumento de que tais diretrizes não possuem natureza legislativa estrita e, por isso, não ensejariam a retroatividade benéfica prevista pelo artigo 106 do CTN”, destacou o especialista.
Para ele, isso indica que eventuais alterações futuras em posições administrativas podem também não beneficiar os contribuintes em disputas já constituídas, agravando o quadro de incerteza e imprevisibilidade.
Na avaliação de Tatiana Navarro, advogada tributarista, o cenário futuro é de incerteza para o contribuinte, já que, analisando casos similares ocorridos no passado, constata-se que tanto a Receita Federal quanto o Carf tendem a seguir o posicionamento pró-fisco.
Neste caso em específico, ela acredita que, apesar de não ser sua deliberação inicial – já que seu entendimento atual é a favor do contribuinte –, com o respaldo do Judiciário, poderá ter elementos para alterar sua posição no futuro por meio de edição de novas Cosits sobre o tema.
O caso foi julgado no REsp 1.948.478 no STJ e subiu para o STF como ARE 1547099.
FONTE: JOTA – POR MIRIELLE CARVALHO