A EC 132/23 impõe novos desafios às holdings familiares. Este artigo analisa impactos e traz orientações jurídicas para sucessão, estrutura societária e adaptação à reforma tributária.
Introdução
A holding familiar, figura jurídica cada vez mais presente no planejamento patrimonial e sucessório brasileiro, encontra-se em um momento de inflexão diante da promulgação da emenda constitucional 132/23, que instituiu a reforma tributária sobre o consumo. Embora o foco principal da reforma recaia sobre a unificação de tributos como PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS na CBS – Contribuição sobre Bens e Serviços e no IBS – Imposto sobre Bens e Serviços, seus efeitos indiretos e as discussões paralelas sobre a tributação da renda e do patrimônio acendem um alerta para as famílias empresárias e detentoras de patrimônio relevante. Este artigo visa analisar os principais impactos e desafios que a nova conjuntura tributária impõe às holdings familiares, bem como discutir estratégias jurídicas para a adaptação e preservação de sua eficácia como instrumento de gestão e sucessão.
A holding familiar no cenário pré-reforma
Tradicionalmente, a constituição de holdings familiares no Brasil tem sido motivada por uma confluência de objetivos: a organização e proteção do patrimônio familiar contra riscos empresariais e litígios diversos; a facilitação do planejamento sucessório, permitindo a transferência gradual de cotas aos herdeiros e evitando os percalços e custos de um inventário judicial; e, não menos importante, a busca por uma maior eficiência tributária. No âmbito fiscal, as holdings patrimoniais, especialmente aquelas dedicadas à administração de bens próprios (como aluguéis), frequentemente optavam pelo regime do lucro presumido, beneficiando-se de alíquotas reduzidas de PIS e Cofins e, em muitos casos, de uma carga global inferior àquele incidente sobre a pessoa física.
A jurisprudência dos tribunais superiores, embora reconheça a legitimidade do planejamento tributário, sempre esteve atenta à necessidade de substância econômica e propósito negocial nas operações envolvendo holdings. Decisões do STJ e do Carf – Conselho Administrativo de Recursos Fiscais reiteradamente afastaram planejamentos considerados abusivos, onde a estrutura societária era utilizada primordialmente para dissimular doações, evitar a incidência de ITCMD ou fraudar credores, sem uma real atividade empresarial ou de gestão patrimonial que a justificasse (vide discussões sobre “propósito negocial” em julgados do CARF, como no acórdão de 1201-005.567, e menções em acórdãos do STJ.
Impactos diretos e indiretos da reforma tributária (EC 132/23 e projetos complementares)
A EC 132/23, ao redesenhar a tributação sobre o consumo, impacta as holdings de forma indireta, mas as discussões que a acompanham sobre a reforma da tributação da renda e do patrimônio são cruciais.
Estratégias jurídicas e recomendações
Diante deste panorama, a atuação do advogado especialista torna-se fundamental para guiar as famílias na adaptação de suas estruturas:
Diagnóstico e revisão: É indispensável um diagnóstico completo da estrutura societária e tributária da holding existente, avaliando sua conformidade legal e sua eficiência frente às novas regras. A revisão dos contratos sociais, acordos de sócios e protocolos familiares é essencial;
Planejamento sucessório integrado: O planejamento sucessório deve ser reavaliado à luz das novas regras do ITCMD e da possível tributação de dividendos. Estratégias como a doação de cotas com reserva de usufruto, a instituição de cláusulas de incomunicabilidade, impenhorabilidade e inalienabilidade, e a utilização de testamentos devem ser consideradas de forma integrada e estratégica, sempre observando a legítima dos herdeiros necessários e os limites legais, afastando eventual discussão sobre doação inoficiosa.
Análise de regime tributário: A escolha ou manutenção do regime tributário demandará análises detalhadas e projeções financeiras, considerando a nova sistemática do IBS/CBS e os potenciais mudanças na tributação da renda.
Fortalecimento do propósito negocial: É crucial demonstrar a substância econômica da holding, evidenciando atividades de gestão patrimonial, administração de bens, participação em outras sociedades ou outras finalidades empresariais que justifiquem sua existência para além da mera economia fiscal.
Acompanhamento legislativo: Manter-se atualizado sobre a tramitação das leis complementares que regulamentarão a reforma tributária é vital para antecipar impactos e ajustar o planejamento.
Conclusão
A reforma tributária inaugura um período de incertezas, mas também de oportunidades para a reestruturação patrimonial e sucessória. As holdings familiares, longe de se tornarem obsoletas, exigirão uma análise jurídica e contábil ainda mais sofisticada para continuarem a ser instrumentos eficazes. A chave reside na adaptação proativa, na busca por estruturas robustas e com claro propósito negocial, e na assessoria especializada para navegar pelas complexidades do novo sistema tributário brasileiro. A advocacia consultiva e preventiva assume, neste contexto, um papel de protagonismo na preservação do legado familiar e na segurança jurídica das operações.
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1 Emenda Constitucional nº 132, de 20 de dezembro de 2023.
2 Constituição Federal de 1988 (Arts. 155 e 156).
3 Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995.
4 Código Civil (Lei nº 10.406/2002) – Direito Sucessório e Societário.
5 Jurisprudências selecionada do STJ e CARF sobre planejamento tributário, propósito negocial e holdings familiares, em especial o AgInt no AREsp 1.278.858/SP do STJ e Acórdão nº 1201-005.567 CARF.
6 Artigos e notícias recentes publicadas em portais jurídicos como Migalhas, Conjur e veículos de imprensa especializados (Ex: Jornal Contábil, Valor Econômico) sobre a Reforma Tributária e seus impactos.
(Nota: Este artigo tem caráter informativo e não constitui parecer jurídico. Cada caso deve ser analisado individualmente por um profissional qualificado.)
FONTE: MIGALHAS – POR PEDRO LAZZARETTI