O texto da Emenda Constitucional nº 132/2023, que instituiu recentemente a reforma tributária, marca um momento histórico na legislação sobre a tributação do consumo e endereçou o destino como uma nova regra para orientar o local da tributação (critério espacial) do novo IVA-Dual (IBS e CBS). Esta nova regra pretende deixar de tributar na origem, onde são produzidos os bens e o local do estabelecimento prestador, para buscar a tributação onde o consumo termina, ou seja, no destino.
A norma de tributação de origem do consumo no Brasil comportou algumas exceções já ao trazer a tributação no destino. Essas exceções ampliaram a nebulosidade dos conflitos para estabelecer o local da tributação. A Lei Complementar 116/2003, por exemplo, trouxe uma regra considerada “esdrúxula” [1] no artigo e seus incisos. Já a Lei Complementar 157/2016 adotou o destino como critério espacial, mas terminou com sua aplicabilidade suspensa no julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) nº 5.835 e 5.862[2].
Cabe pontuar que Martha Leão salienta, em artigo publicado no ano passado na revista Direito Tributário Atual, que apesar de a reforma ser a mais extensa até o momento do sistema constitucional tributário, a mesma não desencadeou uma grande ruptura paradigmática no sistema tributário.
Percebe-se, tanto pelo fato histórico quanto por ser uma nova regra posta pela Carta Magna, que a tributação no destino enfrentará desafios. Primeiramente, porque estabelecer o “átimo” em que o consumo termina exige critérios claros e coerentes com a totalidade do sistema tributário, especialmente porque não há uma ruptura pragmática no sistema tributário constitucional [3].
Hipóteses do artigo 156-A
A importância de definir o local do destino se justifica, primeiramente, pela nova competência compartilhada entre estados e municípios, prevista na Constituição Federal. O IBS será arrecadado pelo Comitê Gestor e repassado ao estado e ao município em que se configurar o local final do consumo. Essa definição impactará tanto a carga tributária, já que cada ente poderá estabelecer sua alíquota, como a repartição das receitas.
Para evitar conflitos de competência, tanto os entes federativos como os contribuintes precisarão ter clareza sobre os critérios que determinam o destino tributário, inclusive para que se evite a evasão fiscal. Os critérios para definição do destino são endereçados no novo artigo 156-A, § 5, IV[4] da Constituição Federal, sem eleger uma ordem a ser aplicada nessa disposição:
1) No local da entrega do bem;
2) No local da disponibilização do bem;
3) No local da localização do bem;
4) No local da prestação do serviço;
5) No local da disponibilização do serviço;
6) No domicílio ou localização do tomador do serviço.
Com uma singela leitura das seis hipóteses acima, depreende-se que as mesmas abarcam situações diferentes. O que traz a reflexão de que será que o consumo ocorrerá mesmo nessas situações? Ou poderá se elencar elementos de presunção ou ficção de quando o consumo ocorre?
Ainda sob essa perspectiva, será fundamental avaliar quais são os elementos de conexões que servem para atender tais critérios para definir o destino da operação.
Sendo o papel da Lei Complementar de definir o conceito posto na Constituição [5], veio a Lei Complementar 214/2025, no artigo 11 [6], trazendo a definição do que se considera local da operação. Este artigo faz um recorte a partir da materialidade, se for bem móvel ou imóvel, há uma regra específica.
No caso dos serviços, o artigo categoriza por serviço o local da operação, mas sem exaurir todos os tipos de serviços, o que aparentemente sugere que irá precisar de regulamentação anexa, como se observou na lista de serviços da LC 116/2003. Evidenciando que a exegese constitucional do conceito do destino não foi plenamente atendida.
Para a efetiva implementação da norma constitucional que determina que o critério espacial da tributação do consumo seja o destino, é imprescindível investigar os elementos de conexão vinculados a esse local de consumo, de modo que se compreenda onde efetivamente se manifesta a riqueza, ou seja, a capacidade contributiva consumida.
É fundamental que os critérios jurídicos que definem a hipótese de incidência tributária sejam estabelecidos com rigor, em estrita conformidade com o texto constitucional. A diversidade de locais que caracterizam a ocorrência do consumo não pode resultar em uma falta de densidade normativa, devendo, ao contrário, fornecer uma base clara e sólida para a aplicação da tributação onde “o consumo acaba”.
A boa notícia, diante de tamanho desafio, é que há uma regra de transição até 2033 para a alocação da tributação ser integralmente no destino. Isso nos enche de esperança de que, até lá, tais critérios ainda nebulosos sejam enfrentados em busca de segurança jurídica tanto para os entes competentes quanto para os contribuintes.
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[1] BARRETO, Aires F; BARRETO, Paulo Ayres. ISS na Constituição e na lei. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2018, p. 527.
[2] Discutiu a constitucionalidade da modificação do local onde se considera prestado o serviço e do local em que o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza será devido, em razão de alterações operadas pela LC 157/2016, e as alterações advindas pela LC 175/2020. Deslocou-se o local onde se considera prestado o serviço e o imposto devido, passando para o local do domicílio do tomador de determinados serviços.
[3]
[4] IV – os critérios para a definição do destino da operação, que poderá ser, inclusive, o local da entrega, da disponibilização ou da localização do bem, o da prestação ou da disponibilização do serviço, ou o do domicílio, ou da localização do adquirente, ou destinatário do bem, ou serviço, admitidas diferenciações em razão das características da operação;
[5] ÁVILA, Humberto Bergmann. Limites constitucionais à instituição do IBS e da CBS. Revista Direito Tributário Atual, São Paulo, n. 56, p. 701-730, maio 2024.
[6] Art. 11. Considera-se local da operação com: I – bem móvel material, o local da entrega ou disponibilização do bem ao destinatário;
II – bem imóvel, bem móvel imaterial, inclusive direito, relacionado a bem imóvel, serviço prestado fisicamente sobre bem imóvel e serviço de administração e intermediação de bem imóvel, o local onde o imóvel estiver situado; III – serviço prestado fisicamente sobre a pessoa física ou fruído presencialmente por pessoa física, o local da prestação do serviço; IV – serviço de planejamento, organização e administração de feiras, exposições, congressos, espetáculos, exibições e congêneres, o local do evento a que se refere o serviço; V – serviço prestado fisicamente sobre bem móvel material e serviços portuários, o local da prestação do serviço; VI – serviço de transporte de passageiros, o local de início do transporte; VII – serviço de transporte de carga, o local da entrega ou disponibilização do bem ao destinatário constante no documento fiscal; VIII – serviço de exploração de via, mediante cobrança de valor a qualquer título, incluindo tarifas, pedágios e quaisquer outras formas de cobrança, o território de cada Município e Estado, ou do Distrito Federal, proporcionalmente à correspondente extensão da via explorada; IX – serviço de telefonia fixa e demais serviços de comunicação prestados por meio de cabos, fios, fibras e meios similares, o local de instalação do terminal; e demais serviços e bens móveis imateriais, inclusive direitos, o local do domicílio principal do: a) adquirente, nas operações onerosas; b) destinatário, nas operações não onerosas.
FONTE: CONSULTOR JURÍDICO – POR PATRÍCIA VARGAS FABRIS ANUÁRIOS