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STJ AFASTA LEI PENAL QUE FAVORECE RÉU EM EMPATE

25 de março de 2025

Decisão da Corte Especial pode impactar resultado final de processos criminais.

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tomou uma importante decisão para quem responde a processo criminal. Afastou a aplicação de uma recente lei federal, que mudou o Código de Processo Penal (CPP) para favorecer o réu em caso de empate em um tribunal. Os ministros definiram a tese de que o presidente do colegiado pode desempatar julgamento sobre questão penal.

Para advogados especialistas na área criminal, a decisão é preocupante. Por ter sido proferida pela mais alta instância do STJ, por maioria dos votos, afirmam, pode influenciar tribunais da segunda instância a seguirem o mesmo entendimento.

A Lei federal nº 14.836, de 2024, diz que “em todos os julgamentos em matéria penal ou processual penal em órgãos colegiados, havendo empate, prevalecerá a decisão mais favorável ao indivíduo imputado, proclamando-se de imediato esse resultado”.  A medida deve ser aplicada “ainda que nas hipóteses de vaga aberta a ser preenchida, de impedimento, de suspeição ou de ausência, tenha sido o julgamento tomado sem a totalidade dos integrantes do colegiado”.

De acordo com a justificativa do Projeto de Lei nº 3.453, depois convertido na Lei 14.836, o objetivo da mudança no CPP seria garantir tanto a presunção constitucional de inocência como a contenção do poder punitivo estatal. Ainda evitaria a procrastinação nesse tipo de julgamento – em que, muitas vezes, está em jogo a liberdade do réu.

A Corte Especial analisou o tema por meio de questão de ordem (Inq 1654/DF). O ministro Herman Benjamin sugeriu a tese vencedora. “O presidente do STJ tem o direito de proferir voto de desempate em julgamentos criminais, conforme o regimento interno. A lei não impede o exercício desse voto”, disse.

Para o ministro, há compatibilidade entre o regimento interno do STJ e a lei. O artigo 175 do regimento afirma que o presidente da Corte Especial não proferirá voto, salvo “nos casos em que o julgamento depender de quorum qualificado para apuração do resultado; em matéria administrativa; nos demais casos, quando ocorrer empate”.

“Nosso desempate é de alguém que integra o quórum da Corte e vota se chamado para desempatar, não é o mesmo voto duas vezes. Não se trata de voto de qualidade”, disse Benjamin.

O primeiro-ministro a divergir foi João Noronha, para quem deve prevalecer a decisão mais favorável ao réu. “O regimento interno não pode se sobrepor à lei específica e, diante do texto da lei, não cabe quórum excepcional para julgamento ou a lei teria dado voto ao presidente e não deu”, afirmou o magistrado ao votar.

Para o ministro Raul Araújo, que também divergiu, com base no princípio do “in dubio pro reo”, da presunção de inocência, o empate é suficiente “ou a Lei nº nº 14.836 será letra morta porque jamais haverá empate”. Ao votar nessa mesma linha, o ministro Sebastião Reis alertou ainda que “essa decisão vai repercutir nos outros tribunais”.

Renato Vieira, ex-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), considera que “a Lei 14.836 foi flagrantemente inobservada com esse resultado”. “O endereçamento e a razão de ser da alteração legislativa de 2024, em concretude aos princípios ‘favor rei’ e ‘in dubio pro reo’, são inequívocos”, afirma.

Se os tribunais estaduais seguirem esse entendimento, acrescenta Vieira, o impacto será danoso. “Vai depender do regimento interno de cada tribunal, mas uma ação penal ordinária de denúncia oferecida contra um prefeito por crime de licitação, por exemplo, se terminar em empate, o presidente poderá desempatar.”

Para o advogado criminalista Lincoln Domingues, em matéria civil a tese do STJ até faz sentido para se resolver questões de celeridade, mas não para processos penais. “Se há o princípio constitucional do ‘in dubio pro reo’, quando há empate há uma dúvida e a decisão deveria favorecer ao réu”, diz.

“O precedente ainda é preocupante porque pode acabar criando práticas decisórias contrárias à presunção de inocência nos tribunais locais”, afirma Domingues. “E o único voto de uma pessoa pode determinar a imposição ou não de responsabilidade penal, criando um monopólio de poder”, acrescenta.

FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR LAURA IGNACIO — DE SÃO PAULO

 

 

 

 

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