É essencial que os contribuintes reavaliem periodicamente seus contratos de cost sharing, incorporando inovações tecnológicas para maior segurança e precisão na alocação de despesas.
Imaginemos um grupo empresarial com várias entidades, cada qual responsável por uma atividade específica dentro do conjunto de negócios do grupo. Para operar com eficiência, elas dependem, em graus distintos, de suporte administrativo e operacional, como contabilidade, TI, jurídico, financeiro e compliance.
Sem um critério uniforme de alocação, algumas empresas arcam com despesas desproporcionais à sua demanda e capacidade financeira, enquanto outras usufruem dos serviços sem absorver parcela equivalente dos gastos. Essa distribuição assimétrica compromete a eficiência financeira e a racionalidade econômica dentro do grupo.
Para evitar esse tipo de ineficiência, uma solução muito utilizada por grupos empresariais, nacionais e multinacionais, é a adoção do chamado contrato de compartilhamento de custos e despesas, conhecido como “cost sharing”.
Esse instrumento traz mais racionalidade e eficiência aos dispêndios administrativos de grupos econômicos, permitindo realocar despesas para reduzir encargos e desperdícios, além de maximizar vantagens por meio da especialização de tarefas e ganhos de escala.
Geralmente, a centralização das despesas recai sobre a holding ou uma entidade operacional que concentra os aparatos para o suporte administrativo. Essa empresa então assume as despesas iniciais, enquanto as demais arcam com sua parcela proporcional, conforme a utilização dos serviços.
Um marco importante quanto ao tratamento tributário dos contratos de cost sharing no Brasil foi a publicação da Solução de Divergência Cosit nº 23/2013, em que a Receita Federal manifestou o entendimento quanto à possibilidade de concentração de gastos administrativos em uma única empresa para posterior rateio entre as demais empresas do grupo econômico.
Para que os reembolsos de despesas compartilhadas sejam dedutíveis do IRPJ e da CSLL no lucro real apurado pela companhia beneficiária da estrutura, a Receita Federal exigiu que correspondessem a custos e despesas necessários, normais e usuais, devidamente comprovados e pagos. Além disso, consignou a necessidade de a empresa centralizadora registrar apenas sua própria parcela como despesa, enquanto os valores a serem ressarcidos pelas demais deveriam ser contabilizados como créditos a recuperar. A Receita também esclareceu que esses reembolsos não compõem a base de cálculo do PIS/Cofins apurado pela empresa centralizadora.
É interessante notar que a Receita Federal condicionou nessa manifestação a dedutibilidade das despesas e a não tributação do reembolso à existência de critérios objetivos e previamente ajustados entre as partes para a repartição dos gastos. Esse requisito, a nosso ver, é um dos pontos mais sensíveis nos riscos tributários ligados ao compartilhamento de custos e despesas.
Afinal, o que caracteriza um critério objetivo capaz de refletir de forma justa e coerente o rateio dos custos e despesas entre as empresas do grupo, proporcionalmente à respectiva utilização da estrutura compartilhada?
É prática comum entre grupos empresariais adotar o faturamento de cada entidade como critério principal para o rateio de despesas administrativas compartilhadas. Essa abordagem parte da premissa de que a capacidade de geração de receita de cada empresa reflete, de forma plausível, sua demanda por serviços administrativos e sua capacidade de absorver despesas.
Sob a ótica da eficiência financeira e da praticidade, esse método nos parece razoável e, em alguns casos, o mais viável. No entanto, recentes decisões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) indicam riscos de questionamento fiscal. A Receita Federal tem desconsiderado esse critério de rateio, glosando despesas compartilhadas e, em certos casos, tratando reembolsos à empresa centralizadora como receita tributável. No acórdão nº 1402-007.205 proferido em 11/12/2024, a 2ª Turma Ordinária da 4ª Câmara da 1ª Seção do Carf concluiu que a proporção do faturamento não justifica a repartição dos custos e despesas, pois não refletiria a efetiva utilização das utilidades por cada entidade.
Assim, embora sejam mais simples e práticos, a adoção exclusiva dos métodos indiretos, como o do faturamento, expõe as companhias a um risco maior de questionamentos, uma vez que a Receita parece não aceitar a simples premissa de que um faturamento mais alto implique, necessariamente, um maior consumo dos serviços ou benefícios gerados pelas despesas rateadas.
Diante desse cenário, convém aos contribuintes se esforçarem na busca de métodos diretos (como horas trabalhadas, tempo de uso de equipamentos ou consumo mensurável de recursos), que permitam uma vinculação mais precisa e verificável entre as despesas incorridas e o uso efetivo por cada entidade, garantindo um rateio mais adequado e menos suscetível a questionamentos fiscais.
O avanço tecnológico amplia as possibilidades de utilização de métodos diretos, cuja viabilidade no passado se limitava a poucas metodologias como o tradicional “time sheet” (registro manual de horas trabalhadas). As ferramentas digitais disponíveis atualmente permitem mensurar com mais precisão o consumo real de serviços e recursos, reduzindo a dependência de métodos indiretos e, com isso, os riscos tributários envolvidos.
Diante desse cenário, é essencial que os contribuintes reavaliem periodicamente seus contratos de cost sharing, incorporando essas inovações tecnológicas para maior segurança e precisão na alocação de despesas.
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações
FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR MICHEL SIQUEIRA BATISTA E CAIO MALPIGHI