Telefone: (11) 3578-8624

JUSTIÇA CONDENA BANCOS POR NEGAR CRÉDITO COM BASE EM SISTEMA DO BANCO CENTRAL

28 de fevereiro de 2025

Maioria das decisões entende que registros têm restringido a obtenção de empréstimos.

Clientes de instituições financeiras estão obtendo na Justiça, na maioria das vezes, o direito a indenização por terem empréstimos negados com base em dados do Sistema de Informações de Créditos (SCR), instituído pelo Banco Central (BC). O entendimento é o de que esse instrumento está sendo usado indevidamente como um cadastro de restrição ao crédito.

O sistema é alimentado mensalmente pelas instituições financeiras. Elas são obrigadas a registrar qualquer empréstimo ou financiamento contraído por pessoa física ou jurídica. O acesso a essas informações é restrito a bancos e cooperativas de créditos e aos titulares das operações de crédito.

O problema surge quando a pessoa tem um novo pedido de empréstimo negado com base em dados que constam nesse sistema. As instituições financeiras podem verificar se há alguma operação em aberto e se houve inadimplemento e levar essas informações em consideração na hora de negar o crédito.

Nessas situações, segundo Milena Calori, sócia do Meira Breseghello Advogados, a principal confusão, que precisa ser desfeita, é tratar o SCR como um cadastro de restrição de crédito, sem levar em consideração outros fatores que podem levar uma instituição financeira a negar o crédito – como renda e a existência ou não de protestos ou de negativação.

“O SCR obriga a prestação de informações pelo banco, o que na verdade auxilia o consumidor. Porque lá estão tanto as informações positivas quanto as negativas. O problema é a insegurança, compreender que não se está diante de uma restrição ao crédito, porque se o banco não fizer o registro, desrespeitará uma norma do Banco Central”, diz.

Quando a questão é levada ao Judiciário, muitos juízes seguem precedentes antigos do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Desde pelo menos 2010, há decisões no sentido de que o SCR tem caráter de cadastro de restrição de crédito, nos mesmos moldes do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) e do Serasa.

Em 2014, a 4ª Turma, por exemplo, considerou que uma cooperativa de crédito descumpriu decisão judicial que proibia a inclusão de uma empresa em cadastros de restrição ao crédito, por ter registrado a dívida no SCR. Na ementa do julgamento, os ministros ressalvaram que ele deve ser tratado de forma diferente de órgãos como o SPC e o Serasa, mas que, mesmo assim, “também tem a natureza de cadastro restritivo de crédito, justamente pelo caráter de suas informações” (REsp 1365284).

Sérgio Fenilli, do Fenilli Advogados, que defendeu a cooperativa, lembra que na época era muito comum a ordem de baixa de restrição de crédito só com base no questionamento judicial, mesmo diante de indícios ou provas de inadimplência. “Isso deve ter refletido em muitas concessões de crédito impróprias, em que o tomador do empréstimo não tinha a idoneidade financeira se não fosse uma canetada”, afirma.

Em 2022, o Banco Central editou a Resolução CMN nº 5.037, que consolida todas as normas referentes ao SCR. Se a intenção era minimizar os desentendimentos, o propósito ainda não foi alcançado. A maioria das decisões no Judiciário, dizem especialistas, continua obrigando as instituições financeiras a remover clientes do sistema e a indenizá-los em dano moral pela inclusão em serviço de restrição ao crédito.

No Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO), há precedentes da 1ª Turma Julgadora da 5ª Câmara Cível. Um deles adotou o entendimento de que o SCR tem natureza restritiva de crédito por ser usado pelos bancos para “avaliar a capacidade de pagamento dos consumidores” (processo nº 5506830-89.2022.8.09.0146). Em outro, um banco foi condenado a indenizar por ausência de “salutar notificação prévia” para o cadastro “em sistema de proteção ao crédito” (processo nº 5677527.45.2019.8.09.0051).

No TJMT, o precedente do STJ de 2014 foi usado para reconhecer dano moral pela inscrição da dívida de uma consumidora no SCR (processo nº 1031 116- 66.2021.8.11.0041). No TJRS, há decisões da 9ª e a 10ª Câmaras Cíveis. O entendimento é o de que o SCR equivale aos cadastros de inadimplentes de natureza privada (apelações nº 70081 380891, nº 70076044429 e nº 70083155705).

Há, porém, decisões que distinguem a natureza específica do SCR. A 1ª Câmara de Direito Privado do TJRJ destaca em decisão que o SCR “tem caráter informativo e não restritivo, considerando que no referido sistema existem informações tanto positivas quanto negativas” (processo nº 0824364-05.2022.8.19.0203).

O TJSP tem entendimentos divergentes, até de um mesmo colegiado. Em 2022, por exemplo, a 15ª Câmara de Direito Privado deu razão a um correntista que processou uma financiadora por manter seu cadastro no SCR (processo nº 1004865- 27.2021.8.26.0224). Em 2024, o mesmo colegiado levou em consideração informações do site do Banco Central e entendeu que a instituição financeira não teria cometido nenhuma prática irregular ao manter o cadastro de um devedor no sistema (processo nº 1001480-21.2024.8.26.0045).

A 19ª Câmara de Direito Privado também teve entendimento favorável aos bancos, afirmando que o registro no SCR “não consiste em um fato negativo e não impede o acesso ao crédito” (processo nº 1001712-10.2023.8.26.0549).

Albadilo Carvalho, atuou nesse processo em defesa da instituição financeira. Ele aponta que a diferença essencial entre os cadastros de restrição ao crédito e o SCR é que os primeiros são públicos e podem ser acessados por qualquer empresa. Já o cadastro do BC só é acessível às instituições financeiras e ao próprio consumidor.

Carvalho defende que essa diferença costuma ser reconhecida quando a instrução processual é cuidadosa, e quando os magistrados têm a cautela de se inteirar a respeito do assunto antes de proferir a sentença. “O SCR não é um cadastro de conhecimento geral, como são o SPC e o Serasa”, diz ele.

O advogado destaca ainda que há um precedente de 2024 do STJ, também da 4ª Turma, com entendimento oposto ao de 2014. Agora, para o colegiado, “legítima inscrição e manutenção de anotação em sistema de informação de crédito não configura conduta antijurídica” (AREsp 2468974). “Em dez anos, temos dois precedentes dizendo coisas diferentes. Mas estão partindo das mesmas premissas, a diferença é o detalhamento da análise”, afirma o advogado.

FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR LUIZA CALEGARI — DE SÃO PAULO

 

 

Receba nossas newsletters