Como amplamente noticiado, a referida LC inaugura a série de dispositivos legais necessários à regulamentação da reforma tributária sobre o consumo, aprovada pela EC 132/23. No bojo de seus dispositivos, a serem objeto de ampla pesquisa e desenvolvimento pela doutrina nacional, adoto, como razão de ser deste breve artigo, a seção II e, em especial, o art. 9º, ao tratar das imunidades do IBS e CBS.
Em especial, no art. 9º, III da LC 214/25, há expressa previsão da imunidade do IBS e CBS nas operações envolvendo “partidos políticos, inclusive seus institutos e fundações, entidades sindicais dos trabalhadores e instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos”. A previsão, em larga medida, é correta reprodução das regras constitucionais de intributabilidade previstas no art. 150, VI e 195, § 7º.
As hipóteses previstas na CF/88, como amplamente consolidado pelo STF, representam imunidades tributárias e carecem de regulamentação, quando necessária, por meio de lei complementar (ADIn 2.028, entre outras). Não por outro motivo os Tribunais, de maneira tranquila, afastaram os requisitos previstos em lei ordinária para disciplina das referidas imunidades, como os previstos nos já revogados art. 55 da lei 8.212/91 e lei 12.101/09. Esta última, inclusive, publicada quando a jurisprudência já era claramente contrária a leis ordinárias na regulamentação de imunidades tributárias.
Pois bem, com isso, o art. 14 do CTN – materialmente lei complementar – mante-se como regra exclusiva para fins de avaliação da imunidade tributária de entidades beneficentes, incluindo as educacionais. Mais recentemente, houve a edição da LC 187/21, a qual, sem revogar expressamente o art. 14 do CTN, estabeleceu abrangente regulamentação para entidades beneficentes, nas áreas de educação, saúde e assistência social.
A LC 187/21, embora atendendo o requisito formal de aprovação por lei complementar, ainda apresenta algumas questões que, seguramente, serão avaliadas pelo Poder Judiciário, como, por exemplo, a obrigatoriedade de percentual de gratuidade na educação. Não custa lembrar que esse requisito já foi considerado inconstitucional pelo STF, pois acabaria por converter a benesse da imunidade tributária em custo pelas bolsas obrigatórias (ADIn 2.545).
Todavia, o foco aqui é outro. O art. 9º, § 3º da LC 214/25 expressamente afirma que “A imunidade prevista no inciso III do caput deste art. aplica-se, exclusivamente, às pessoas jurídicas sem fins lucrativos que cumpram, de forma cumulativa, os requisitos previstos no art. 14 da lei 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional)”. Ou seja, faz-se referência às entidades educacionais – entre outras previstas no mesmo inciso – com a ressalva que devem atender aos requisitos do CTN. Mas e a LC 187/21?
Aqui reside a dificuldade a ser enfrentada. Não é difícil perceber que a LC 214/25 foi elaborada de forma atabalhoada, sem uma revisão criteriosa (basta verificar a quantidade de “por cada(s)” no texto). Mas teria, aqui, havido um descuido? Difícil afirmar, pois, na parte das entidades voltadas à saúde, há expressa remissão à LC 187/21 (art. 144 e 145), ainda que em contexto confuso, pois na hipótese de imunidade tributária não há fato gerador e, portanto, inaplicável o conceito de alíquota zero (sem adentramos aqui no confuso debate de quem é o contribuinte na relação de consumo e como se aplica a imunidade neste contexto).
Nos parece, portanto, que foi opção da LC 214/25 mitigar os esforços restritivos da imunidade tributária quando da aprovação da LC 187/21. Ao menos nas relações de consumo, a entidade educacional, mesmo sem o atendimento aos requisitos da LC 187/21, mas em estrita observância ao art. 14 do CTN, poderá beneficiar-se da dispensa fiscal. Resta esperar como os Tribunais entenderão a questão.
FONTE: MIGALHAS – POR FÁBIO ZAMBITTE IBRAHIM